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• Vinte e Um •


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Entre memórias doces e amargas,
busco forças para seguir em frente...

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19 anos depois ...


Uma fina garoa dançava em várias direções antes de tocar o chão da capital da arte e moda europeia naquela manhã de sexta-feira, algo que era normal naquela estação deixando a paisagem triste e morta, mas não o suficiente para tirar a coragem de quem precisava transitar pelas ruas. Camille era uma delas.

Caminhando animadamente pelas ruas vestindo um casaco peluciado em tom dourado escurecido nas pontas e uma boina vermelha fazendo-a ser enxergada a uma grande distância; feliz pelas férias terem finalmente chegado e agora poderia mostrar sua pele alva para o sol em outro hemisfério.

— Hum que felicidade é essa, Cami? — Dominic perguntou em um tom de deboche enquanto desenhava um sorriso de canto fazendo uma covinha solitária aparecer em sua bochecha. Ele bem sabia o motivo da garota estar assim.

Ele segurava o guarda chuva preto de armação forte tentando não deixar sua parceira de guarda-chuva molhada, mas era difícil, ela não parava quieta e sua jaqueta de couro preta já acumulava gotas da garoa a ponto de escorrer dos ombros até as costas.

— Ah, vai dizer que você não está contente por poder finalmente voltar para a sua terra e aproveitar o sol? — rebateu Margaux, a melhor amiga de Cami, no momento em que pisou fora da calçada o som do salto da sua bota cano longo ecoou mais alto do que o normal na rua de calçamento de pedra.

— Claro que está! — Liam não se conteve e se meteu na conversa, mudando o braço cansado que segurava o guarda chuva para Margaux — e que horas é seu voo, Cami?

— Comprei um voo noturno para chegar o quanto antes! Estou com muita saudade dos meus avós e do meu tio — disse pensativa e sorridente, fazia quase um ano que não os via. — E vocês?

— Nós não compramos ainda, queríamos ver qual você iria escolher para irmos juntos, das onze e vinte?

— Sim, eu e minha mãe vamos, minha tia vai semana que vem, quando o escritório fechar.

— Certo — Dominic puxou o celular do bolso para conferir os acentos disponíveis, a garota se espichou para tentar ver, mas sendo mais alto que a amiga ele posicionou o celular próximo ao rosto de propósito para brincar com a garota, ela tentou dar pulinhos para tentar ver, sem sucesso, e isso fez seus amigos rirem da cena.

— Eles formam um belo casal — Liam cochicha para seu parceiro de guarda-chuva, ele concordou e riram juntos sem chamar a atenção e estragar o momento.

— Consegui o 1D e 2D pra gente, Liam, as única poltronas da janela disponíveis.

— Que ótimo, vamos bem confortáveis, mas qual a sua poltrona, Cami?

— 1A e 2A — a garota respondeu sorrindo, ela sabia que a La Premiere estava vazia e rezava para que não fosse ocupada até ela embarcar.

— Ah que susto, você não falou nada, achei que tinha comprado em outra classe — Dominic suspirou, ele realmente ficou aliviado por poder compartilhar do voo com a garota dessa vez.

— Querido, você não sabe quem é ela? A herdeira do surfista mundial mais famoso da história! Eu era muito fã do seu pai, sério!

— Obrigada Margaux. Gente, eu sou só eu, minha mãe quem escolheu. — embora seu pai fosse famoso, ela não gostava de tanta atenção, ele mesmo fazia de tudo pelo seu bem estar quando em vida e por isso mudou de assunto. — E vai fazer o que sem a gente Margaux?

— Eu vou visitar meus avós no interior, colher algumas uvas e fabricar meu próprio vinho, mas vou sentir muito a falta de vocês.

Margaux era a única do grupo que era parisiense e com sua família toda ali ela não precisava viajar para muito longe para vê-los.

— Ah isso é incrível, você pode fazer o próprio vinho? — Liam ficou curioso.

— Posso sim, eu levo vocês na próxima e vocês podem fazer o de vocês próprios, o que acham? — a garota fez um convite sincero, ela adorou a ideia de mostrar o vinhedo para seus amigos, mas pensou que depois das férias, quando estivesse mais quente, seria melhor.

— Eu acho muito bom, se tivesse falado antes a gente nem iria para o Brasil e ia com você!

Todos caíram na risada, era claro que estavam sendo interesseiros, sendo amantes de vinho era o mínimo que podiam esperar. Pararam em frente a um edifício com design neoclássico, muito comum na cidade, para se despedir de Margaux.

A garoa havia dado trégua e Dominic e Liam notaram e recolheram seus guarda-chuvas, balançou um pouco fazendo respingar nas garotas que reclamaram e secaram os rostos fazendo caretas.

— Ai não acredito que vamos ficar um mês inteiro sem nos ver — Camille abraça a amiga enquanto os amigos abraçaram as duas para um abraço em grupo — tem wifi lá?

— Claro que sim, vivemos no século XXI, tem wifi até no meio do vinhedo se bobear, meu avós são tecnológicos, sabia?

— Ah que ótimo, quero atualizações e muitas fotos, viu?

— É, manda no nosso grupo, estaremos sempre vendo, ok?

— Nós vamos indo, boas férias Margaux!

— Boas férias gente!

A luz do fim da tarde se esvaia anunciando que a noite escura estava por chegar enquanto o trio observava a amiga desaparecer pela porta. Aquele ritual de acompanhar um dos amigos até em casa havia se tornado um costume desde que se conheceram na biblioteca do Institut de France. Aquele encontro casual, fruto do destino, havia unido quatro almas em busca de conhecimento e amizade. Com a descoberta da proximidade de suas residências, a rotina universitária ganhou um novo sabor, e os finais de semana se transformaram em uma celebração da amizade.

Dominic e Liam eram dividiam a paixão pela matemática e era difícil para os rapazes não se apaixonar também por Paris e sua arquitetura. A fachada imponente do edifício em que Camille morava, por exemplo, trazendo linhas simétricas combinadas com janelas retangulares e detalhes em pedra, como molduras e cornijas. As varandas e sacadas, com suas grades trabalhadas em ferro fundido, conferiam ao edifício um ar aristocrático. As portas da entrada majestosas com detalhes em madeira entalhada e o tom de azul prussiano vibrante por onde sua amiga entrou logo após acenar. E em cada cantinho, eles podiam ver cálculos surgindo em sua visão, como rascunhos no quadro negro aparecendo aqui e ali, e era assim que eles entendiam o mundo ao seu redor.

— Vemos você depois, Camille! Não se atrase para o voo, mas se atrasar nós pedimos para esperar você! — se despediram brevemente na calçada, pois logo se veriam para o voo e os mesmos deveriam terminar de arrumar suas malas para o retorno ao lar.

Camille ao passar pela porta principal se deparou com o hall de entrada do prédio silencioso, fazendo seus passos ecoarem pelo ambiente ao tocarem no piso xadrez claro e escuro que trazia um contraste contemporâneo com o restante da decoração clássica, como nas paredes trabalhadas e pilares marmoreados. As luzes indiretas e quentes tornava o local aconchegante embora solitário e isso combinava com a estrutura do corrimão em ferro fundido. Ao subir os degraus da escada, Camille se apoiou ao corrimão de madeira envernizada e polida e ouviu quando a madeira da escada rangeu sob seu peso, era comum com esse tipo de material, ela só ignorou e continuou subindo.

Devido a idade do prédio e a época em que foi construído, ele não tinha elevadores, mas isso era o de menos, pois as esculturas, obras de arte penduradas nas paredes e a decoração como um todo faziam as pessoas que passassem por ali e se distrair como em uma viagem no tempo direto para 1830, quando o prédio foi construído, e assim o tempo passar rapidamente. Sendo assim Camille logo chegou à porta do seu apartamento, digitou a senha e entrou. No hall ela tirou a bota e calçou sua pantufa e saiu à procura da mãe.

Notou uma caneca fumegando apoiada ao peitoril interno da janela, seu vapor fazia um desenho embaçado na janela, aproximou-se percebendo ser café. Sabia que a mãe não deixaria o café sozinho então sabia que estava em casa.

— Mãe! Cheguei! — gritou pela mãe na tentativa de localizá-la.

— Oi filha! — ouviu-se o som da descarga do lavabo — estou indo!

Em seguida, Clara saiu e fechou a porta com suavidade. Ela atravessou a ampla sala vestindo um longo vestido preto que esvoaçava levemente a cada passo, contrastando com seus cabelos loiros e soltos que quase tocavam a cintura. Seus olhos, da cor do mar, obscurecido pela atmosfera do ambiente, realçando sua beleza lunar. A silhueta de Clara, banhada pela luz tênue que entrava pela janela, era a de uma deusa lunar descendo de seu pedestal. No sofá, junto à janela, sua filha com os olhos fixos na mãe, sorriu ao vê-la se aproximar.

— Oi mãe, tudo pronto para viajarmos hoje? — Camille parecia calma, mas até a chegada da sua genitora ela olhou o relógio pelo menos cinco vezes.

— Tudo certo — concordou na mais pura paz, nem de perto era a mesma jovem que um dia foi, ansiosa e agitada — nossas malas estão prontas e os documentos estão à mão. — ela senta ao lado da filha e abre os braços para um aconchegante abraço e um beijo no topo da cabeça — Está com fome? Tome um banho quente enquanto eu preparo algo para comer.

• ◆ •


— O Dominic e o Liam vão estar no mesmo voo que a gente — Camille disse antes de abocanhar seu sanduíche.

— Eles vão para o Brasil também? — perguntou sua mãe enquanto bebericava outra caneca de café.

— Vão sim, eu falei pra mãe que eles são brasileiros, eles estão sozinhos aqui, vieram para estudar e nas férias eles visitam a família.

— Tem lugar no carro, se eles quiserem vir com a gente, ai podem economizar no taxi.

— Sério mãe? Vou convidar eles, só um segundo — a garota ficou empolgada e começou a digitar no celular. Mesmo sendo independente, ela demonstrava respeito à sua mãe lhe pedindo permissão em algumas situações, pois além de ainda viver com ela, era a única que havia lhe restado.


     "Para facilitar, podemos ir todos juntos no carro até o aeroporto. O que acham?"

     "Se sua mãe permitir, claro. Ela é quem manda!"

     "Com certeza! Ela já até avisou que topa, ela é demais, né? Passamos ai pra pegar vocês às dez"

     "Ótimo!"

     "Combinado, então."


Camille já estava animada com a viagem e agora que os amigos estariam com ela no mesmo voo poderiam compartilhar melhor de suas

A animação da viagem pulsava em Camille enquanto ela finalizava seu lanche. Escolheu um vestido preto, justo e de veludo, que moldava as suas curvas, contrastando com a suavidade do sobretudo bege. As botas cuissardes de couro adicionavam um toque de sofisticação ao look. Era a combinação perfeita para uma noite fria, mas a jovem sabia que precisaria se preparar para o calor tropical que a aguardava: 25 a 28 graus. Com um sorriso nos lábios, ela finalizou a preparação, ansiosa pela aventura que se iniciava.

PRÓXIMO CAPÍTULO DISPONÍVEL:

VINTE E DOIS

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Senti que algo estava errado desde que entrei naquela casa pela primeira vez. Assim que atravessei o batente da porta principal da residênci...

Relato: O Povo das Sombras



Senti que algo estava errado desde que entrei naquela casa pela primeira vez. Assim que atravessei o batente da porta principal da residência que meus pais haviam comprado com o pouco de dinheiro que lhes restara da herança do vovô, logo fui recebido por um calafrio que arrepiou todo os pelos de meu corpo. Mas, aparentemente, eu fui o único a sentir isso; meus pais e irmã mais nova não falaram nada, nem expressaram.

A mudança foi tranquila e sem nenhum problema aparente. Porém uma semana depois, comecei a perceber mudanças sutis nas coisas ao meu redor. Após o banho, em um dia qualquer, senti uma presença estranha do lado de fora do box e quando puxei a cortina, tudo estava normal: apenas minhas roupas empilhadas no chão, a toalha pendurada no suporte de metal na parede e a escova de dente no copo ao lado do espelho embaçado pelo vapor d’água. Nessa mesma noite, comecei a ter pesadelos horríveis com morte por esquartejamento e muito sangue, não por mãos humanas, mas por uma força maligna escondida nas trevas. Pesquisei na internet e encontrei, antes de dormir, relatos sobre o Povo das Sombras.


First things first

I'ma say all the words inside my head

I'm fired up and tired of the way that things have been, oh-ooh

The way that things have been, oh-ooh


Meu celular despertou na hora agendada ao som de Imagine Dragons, e acordei para um dia normal.

― Bom dia, docinho! Senta aqui e toma seu café ― minha mãe me disse, sorrindo como sempre, quando abri a porta do quarto. Tomei café com minha família.

Minha irmã estava atrasada, como sempre, e meu pai precisou cortar seu café pela metade para deixá-la na escola antes de ir trabalhar. Meu dia foi cheio de tarefas para a faculdade, e, novamente, tudo estava bem e normal até eu chegar tarde em casa e passar pelo portão. Podia sentir que alguém me observava… Talvez estivesse a espreita entre os pinheiros do jardim, mas com os muros altos, seria difícil ter pulado. Ainda assim, a sensação permaneceu.

Puxei a chave do bolso, mas a porta estava destrancada. Cocei a cabeça; que estranho. Chamei, mas não havia ninguém em casa. Preparei algo para comer enquanto passava alguma coisa aleatória na TV e aumentei o volume para ouvir o alerta urgente de que uma família havia sido atacada e brutalmente assassinada no mesmo bairro. O casal e a filha mais nova foram levados para a perícia no Instituto Médico Legal, mas a filha mais velha estava desaparecida.

― O caso apresenta um cenário complexo, com indícios que apontam para duas possibilidades contraditórias. A polícia trabalha diligentemente para coletar mais informações e esclarecer se ela é vítima ou algoz. A investigação ainda está em fase inicial, e novas evidências podem surgir a qualquer momento. Eu sou a repórter Laura Melo, da cidade de Bom Jardim, para o TVN News.

O que me chamou a atenção era que ela tinha a mesma idade que eu e frequentava a mesma universidade. Poderia ela ser do mesmo curso? Ainda não conheço todo mundo… Eles também haviam se mudado há pouco tempo.

O mais sinistro é que as filmagens da câmera de segurança da casa iriam ajudar, porém foram totalmente danificadas; havia interferência nas imagens e, por isso, levaram para análise de profissionais.

Desliguei a TV e levei meu lanche e um copo de suco para o quarto em uma bandeja, liguei o som e matei minha fome. Depois do lanche, adormeci e tive o mesmo sonho da noite anterior…

Eu estava em casa jogando videogame quando as luzes falharam e o aparelho desligou. Não dei bola no início e apenas apertei o botão de ligar, esperando enquanto o jogo carregava. Senti um nó na garganta ao perceber que todo o progresso que eu havia feito no fim de semana não havia sido salvo corretamente e xinguei uns cinco palavrões diferentes. Foi nesse momento que uma sombra estranha me chamou a atenção no canto do quarto. Averiguei e, aparentemente, era do cabide que pendurei no abajur da escrivaninha; não dei bola.

A luz falhou novamente, deixando apenas a lâmpada da mesa acesa, e a sombra de uma garra se levantou pela parede, mas não conseguia ver quem poderia ser. Não havia mais ninguém além de mim! No momento em que a garra abaixou, ela alcançou minha perna direita e algo invisível me tocou na coxa, perto da virilha, até pouco antes do joelho, fazendo jorrar sangue com pressão da ferida. Era frio e preciso como uma faca afiada. Gritei de dor e, automaticamente, acordei de mais um pesadelo.

Ainda era de noite. Incomodado, levantei a barra da bermuda até poder ver o arranhão que havia ali, avermelhado, e em alguns pontos havia gotas de sangue, como se tivesse sido feito há pouco tempo. Foi um sonho muito vívido, mas como poderia me arranhar dessa forma dormindo?

Bufei, sentindo a dor me puxar para a realidade. Precisava estancar o sangue vermelho-escuro, que escorria lentamente por minha pele. Busquei por qualquer tecido à minha volta e segurei um grito que veio até minha garganta; o ferimento ardia muito. Peguei uma camisa usada para estancar o sangue e saí à procura da caixinha de primeiros socorros; lá tinha o que eu precisava para me cuidar.

Abri a porta do meu quarto e estiquei o braço até o interruptor da sala mais próximo; porém, algo pulou em cima de mim, fazendo-me cair para trás, batendo a cabeça no chão. Tentei me desvencilhar, sem sucesso. Com certeza, não era um humano em cima de mim segurando meus braços e pernas, mas também não entendia o que poderia ser, embora tivesse um cheiro insuportável.

Como fedia! Era um cheiro de carne podre misturado com enxofre. Seu corpo era forte em cima de mim, mas parecia fazer parte do traje negro e esvoaçante, como os dementadores.

Um sorriso maquiavélico, com dentes amarelados e podres, apareceu na face enegrecida, e um sentimento de desespero e agonia, puxou toda a minha energia como um buraco de singularidade sugando a luz e tudo em seu horizonte de eventos.

Preso entre o ser e o chão, ambos gelados como a neve, a sombra fez um convite nada tentador através de um resmungo rouco e agonizante de dor. E, do mesmo jeito que ele apareceu, sumiu no ar como fumaça ao vento. Levantei-me aliviado, sentindo o coração bater no ouvido. Minhas pernas falharam uma, duas vezes, mas consegui permanecer de pé na terceira tentativa.

Não havia ninguém em casa. Respirei aliviado; que alívio não terem chegado ainda. Do jeito que eu estava vestido, pensei em correr para fora de casa sem nem olhar para trás. Conseguiria um telefone com algum vizinho ou outra pessoa na rua para avisar minha família, mas nessa casa não poria meus pés novamente.

Abri a porta da frente e já estava claro como o dia. Fiquei confuso por um segundo, porque o sol já estava se pondo no horizonte; era o final da tarde. Teria eu passado um dia inteiro em choque? Mantive meu foco em sair dali, mas alguém abriu o portão. Minha visão ficou turva por um momento e decidi me esconder entre os pinheiros.

ERA EU!!

Quando ele passou perto de mim no jardim, pude ver melhor e percebi que ele tinha o mesmo corpo que o meu, o mesmo andar e estava usando a mesma roupa que eu usei na noite anterior. Um frio percorreu minha espinha.

“Será que o sonho foi…?”

Não importa. Eu preciso avisá-lo do perigo que ele — digo, eu corro. Joguei algumas pedrinhas para tentar assustá-lo, pois eu bem sabia o quanto era medroso. No entanto, o outro eu continuou marchando para o horror sem um pingo de temor e bateu a porta ao entrar.

Minha visão ficou turva novamente e me apoiei no muro atrás de mim. Ao longe, ouvi sirenes de vários veículos diferentes se aproximando e me mantive atrás da árvore. Nesse momento, carros de polícia e ambulâncias pararam em frente à minha casa. O que estava acontecendo?

Um bombeiro forçou o portão de alumínio, dando passagem para os policiais que corriam em grande número para dentro da casa. Alguns voltaram na mesma velocidade em que entraram, golfando na brita.

― Deus tenha misericórdia dessas almas ― disse um deles, tirando a boina e fazendo o sinal da cruz.

A equipe de socorristas saiu um atrás do outro, carregando seus equipamentos intocados, e ouvi quando um investigador falou com o policial no comando.

― Tenente, a situação aqui é bastante grave. Localizamos três vítimas fatais, todas com ferimentos dilacerantes, típicos de ataques de animais selvagens. Os corpos estão espalhados pela cozinha e pela sala. A vítima mais jovem, uma adolescente de 13 anos, estava próxima ao pai, no sofá, e a mãe na cozinha. Os documentos das três vítimas estão aqui.

― Não temos registro de ataque de animais selvagens aqui... Isso é muito estranho. Obrigado Investigador Lopes ― o Tenente puxou seu radio do colete e passou a mensagem ― Central, QRA¹ Tenente Tavares. Alerta de desaparecimento! Solicito buscas imediata por Carlos Barros, 20 anos, na região Norte, bairro Saguaçu. Há fortes indícios de que ele possa ser a quarta vítima ou o autor dos crimes de homicídio. Não foi visto desde ontem à tarde. Indivíduo vestindo jaqueta jeans e mochila. Reforçar a segurança da equipe. QSL?

― Positivo. Atenção a todas as unidades próximas ao bairro Saguaçu…

Meus sentidos falharam nesse momento ao ouvir o policial. Eu havia sido atacado, eu estava fugindo à procura de ajuda. Como posso me tornar um assassino fugitivo do dia para a noite? Meus pensamentos revoltos foram interrompidos por completo quando outro carro oficial branco chegou e profissionais com uniformes pretos escritos “IML” nas costas saíram do veículo: um com uma pilha de sacos pretos para cadáveres e outro com uma maca de remoção dobrável.

Primeiro foi minha mãe, depois meu pai e, por último, minha irmã. Todos suspiraram enquanto os corpos eram transportados até os carros, e suas expressões eram de lamento. Meus olhos marejaram, deixando minha visão embaçada. Minhas pernas falharam novamente, mas elas não tocavam mais o chão. Outra pontada na cabeça me deixou tonto e me fez cair no gramado com as mãos na cabeça. Meu corpo doía, e minha visão começou a escurecer cada vez mais até…


First things first

I'ma say all the words inside my head

I'm fired up and tired of the way that things have been, oh-ooh

The way that things have been, oh-ooh



¹ Códigos Q utilizados:

QRA: Nome do operador
QTH: Localização
QRM: Interferência (neste caso, utilizado para indicar uma situação de emergência)
QSL: Entendido

Revisão por Emilly Domingos

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