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Entre memórias doces e amargas,
busco forças para seguir em frente...
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19 anos depois ...
Uma fina garoa dançava em várias direções antes de tocar o chão da capital da
arte e moda europeia naquela manhã de sexta-feira, algo que era normal naquela
estação deixando a paisagem triste e morta, mas não o suficiente para tirar a
coragem de quem precisava transitar pelas ruas. Camille era uma delas.
Caminhando animadamente pelas ruas vestindo um casaco peluciado em tom dourado
escurecido nas pontas e uma boina vermelha fazendo-a ser enxergada a uma
grande distância; feliz pelas férias terem finalmente chegado e agora poderia
mostrar sua pele alva para o sol em outro hemisfério.
— Hum que felicidade é essa, Cami? — Dominic perguntou em um tom de deboche
enquanto desenhava um sorriso de canto fazendo uma covinha solitária aparecer
em sua bochecha. Ele bem sabia o motivo da garota estar assim.
Ele segurava o guarda chuva preto de armação forte tentando não deixar sua
parceira de guarda-chuva molhada, mas era difícil, ela não parava quieta e sua
jaqueta de couro preta já acumulava gotas da garoa a ponto de escorrer dos
ombros até as costas.
— Ah, vai dizer que você não está contente por poder finalmente voltar para a
sua terra e aproveitar o sol? — rebateu Margaux, a melhor amiga de Cami, no
momento em que pisou fora da calçada o som do salto da sua bota cano longo
ecoou mais alto do que o normal na rua de calçamento de pedra.
— Claro que está! — Liam não se conteve e se meteu na conversa, mudando o
braço cansado que segurava o guarda chuva para Margaux — e que horas é seu
voo, Cami?
— Comprei um voo noturno para chegar o quanto antes! Estou com muita saudade
dos meus avós e do meu tio — disse pensativa e sorridente, fazia quase um ano
que não os via. — E vocês?
— Nós não compramos ainda, queríamos ver qual você iria escolher para irmos
juntos, das onze e vinte?
— Sim, eu e minha mãe vamos, minha tia vai semana que vem, quando o escritório
fechar.
— Certo — Dominic puxou o celular do bolso para conferir os acentos
disponíveis, a garota se espichou para tentar ver, mas sendo mais alto que a
amiga ele posicionou o celular próximo ao rosto de propósito para brincar com
a garota, ela tentou dar pulinhos para tentar ver, sem sucesso, e isso fez
seus amigos rirem da cena.
— Eles formam um belo casal — Liam cochicha para seu parceiro de guarda-chuva,
ele concordou e riram juntos sem chamar a atenção e estragar o momento.
— Consegui o 1D e 2D pra gente, Liam, as única poltronas da janela
disponíveis.
— Que ótimo, vamos bem confortáveis, mas qual a sua poltrona, Cami?
— 1A e 2A — a garota respondeu sorrindo, ela sabia que a La Premiere estava
vazia e rezava para que não fosse ocupada até ela embarcar.
— Ah que susto, você não falou nada, achei que tinha comprado em outra classe
— Dominic suspirou, ele realmente ficou aliviado por poder compartilhar do voo
com a garota dessa vez.
— Querido, você não sabe quem é ela? A herdeira do surfista mundial mais
famoso da história! Eu era muito fã do seu pai, sério!
— Obrigada Margaux. Gente, eu sou só eu, minha mãe quem escolheu. — embora seu
pai fosse famoso, ela não gostava de tanta atenção, ele mesmo fazia de tudo
pelo seu bem estar quando em vida e por isso mudou de assunto. — E vai fazer o
que sem a gente Margaux?
— Eu vou visitar meus avós no interior, colher algumas uvas e fabricar meu
próprio vinho, mas vou sentir muito a falta de vocês.
Margaux era a única do grupo que era parisiense e com sua família toda ali ela
não precisava viajar para muito longe para vê-los.
— Ah isso é incrível, você pode fazer o próprio vinho? — Liam ficou curioso.
— Posso sim, eu levo vocês na próxima e vocês podem fazer o de vocês próprios,
o que acham? — a garota fez um convite sincero, ela adorou a ideia de mostrar
o vinhedo para seus amigos, mas pensou que depois das férias, quando estivesse
mais quente, seria melhor.
— Eu acho muito bom, se tivesse falado antes a gente nem iria para o Brasil e
ia com você!
Todos caíram na risada, era claro que estavam sendo interesseiros, sendo
amantes de vinho era o mínimo que podiam esperar. Pararam em frente a um
edifício com design neoclássico, muito comum na cidade, para se despedir de
Margaux.
A garoa havia dado trégua e Dominic e Liam notaram e recolheram seus
guarda-chuvas, balançou um pouco fazendo respingar nas garotas que reclamaram
e secaram os rostos fazendo caretas.
— Ai não acredito que vamos ficar um mês inteiro sem nos ver — Camille abraça
a amiga enquanto os amigos abraçaram as duas para um abraço em grupo — tem
wifi lá?
— Claro que sim, vivemos no século XXI, tem wifi até no meio do vinhedo se
bobear, meu avós são tecnológicos, sabia?
— Ah que ótimo, quero atualizações e muitas fotos, viu?
— É, manda no nosso grupo, estaremos sempre vendo, ok?
— Nós vamos indo, boas férias Margaux!
— Boas férias gente!
A luz do fim da tarde se esvaia anunciando que a noite escura estava por
chegar enquanto o trio observava a amiga desaparecer pela porta. Aquele ritual
de acompanhar um dos amigos até em casa havia se tornado um costume desde que
se conheceram na biblioteca do Institut de France. Aquele encontro casual,
fruto do destino, havia unido quatro almas em busca de conhecimento e amizade.
Com a descoberta da proximidade de suas residências, a rotina universitária
ganhou um novo sabor, e os finais de semana se transformaram em uma celebração
da amizade.
Dominic e Liam eram dividiam a paixão pela matemática e era difícil para os
rapazes não se apaixonar também por Paris e sua arquitetura. A fachada
imponente do edifício em que Camille morava, por exemplo, trazendo linhas
simétricas combinadas com janelas retangulares e detalhes em pedra, como
molduras e cornijas. As varandas e sacadas, com suas grades trabalhadas em
ferro fundido, conferiam ao edifício um ar aristocrático. As portas da entrada
majestosas com detalhes em madeira entalhada e o tom de azul prussiano
vibrante por onde sua amiga entrou logo após acenar. E em cada cantinho, eles
podiam ver cálculos surgindo em sua visão, como rascunhos no quadro negro
aparecendo aqui e ali, e era assim que eles entendiam o mundo ao seu redor.
— Vemos você depois, Camille! Não se atrase para o voo, mas se atrasar nós
pedimos para esperar você! — se despediram brevemente na calçada, pois logo se
veriam para o voo e os mesmos deveriam terminar de arrumar suas malas para o
retorno ao lar.
Camille ao passar pela porta principal se deparou com o hall de entrada do
prédio silencioso, fazendo seus passos ecoarem pelo ambiente ao tocarem no
piso xadrez claro e escuro que trazia um contraste contemporâneo com o
restante da decoração clássica, como nas paredes trabalhadas e pilares
marmoreados. As luzes indiretas e quentes tornava o local aconchegante embora
solitário e isso combinava com a estrutura do corrimão em ferro fundido. Ao
subir os degraus da escada, Camille se apoiou ao corrimão de madeira
envernizada e polida e ouviu quando a madeira da escada rangeu sob seu peso,
era comum com esse tipo de material, ela só ignorou e continuou subindo.
Devido a idade do prédio e a época em que foi construído, ele não tinha
elevadores, mas isso era o de menos, pois as esculturas, obras de arte
penduradas nas paredes e a decoração como um todo faziam as pessoas que
passassem por ali e se distrair como em uma viagem no tempo direto para 1830,
quando o prédio foi construído, e assim o tempo passar rapidamente. Sendo
assim Camille logo chegou à porta do seu apartamento, digitou a senha e
entrou. No hall ela tirou a bota e calçou sua pantufa e saiu à procura da mãe.
Notou uma caneca fumegando apoiada ao peitoril interno da janela, seu vapor
fazia um desenho embaçado na janela, aproximou-se percebendo ser café. Sabia
que a mãe não deixaria o café sozinho então sabia que estava em casa.
— Mãe! Cheguei! — gritou pela mãe na tentativa de localizá-la.
— Oi filha! — ouviu-se o som da descarga do lavabo — estou indo!
Em seguida, Clara saiu e fechou a porta com suavidade. Ela atravessou a ampla
sala vestindo um longo vestido preto que esvoaçava levemente a cada passo,
contrastando com seus cabelos loiros e soltos que quase tocavam a cintura.
Seus olhos, da cor do mar, obscurecido pela atmosfera do ambiente, realçando
sua beleza lunar. A silhueta de Clara, banhada pela luz tênue que entrava pela
janela, era a de uma deusa lunar descendo de seu pedestal. No sofá, junto à
janela, sua filha com os olhos fixos na mãe, sorriu ao vê-la se aproximar.
— Oi mãe, tudo pronto para viajarmos hoje? — Camille parecia calma, mas até a
chegada da sua genitora ela olhou o relógio pelo menos cinco vezes.
— Tudo certo — concordou na mais pura paz, nem de perto era a mesma jovem que
um dia foi, ansiosa e agitada — nossas malas estão prontas e os documentos
estão à mão. — ela senta ao lado da filha e abre os braços para um
aconchegante abraço e um beijo no topo da cabeça — Está com fome? Tome um
banho quente enquanto eu preparo algo para comer.
• ◆ •
— O Dominic e o Liam vão estar no mesmo voo que a gente — Camille disse antes
de abocanhar seu sanduíche.
— Eles vão para o Brasil também? — perguntou sua mãe enquanto bebericava outra
caneca de café.
— Vão sim, eu falei pra mãe que eles são brasileiros, eles estão sozinhos
aqui, vieram para estudar e nas férias eles visitam a família.
— Tem lugar no carro, se eles quiserem vir com a gente, ai podem economizar no
taxi.
— Sério mãe? Vou convidar eles, só um segundo — a garota ficou empolgada e
começou a digitar no celular. Mesmo sendo independente, ela demonstrava
respeito à sua mãe lhe pedindo permissão em algumas situações, pois além de
ainda viver com ela, era a única que havia lhe restado.
"Para facilitar, podemos ir todos juntos no carro até o
aeroporto. O que acham?"
"Se sua mãe permitir, claro. Ela é quem manda!"
"Com certeza! Ela já até avisou que topa, ela é demais,
né? Passamos ai pra pegar vocês às dez"
"Ótimo!"
"Combinado, então."
Camille já estava animada com a viagem e agora que os amigos estariam com ela
no mesmo voo poderiam compartilhar melhor de suas
A animação da viagem pulsava em Camille enquanto ela finalizava seu lanche.
Escolheu um vestido preto, justo e de veludo, que moldava as suas curvas,
contrastando com a suavidade do sobretudo bege. As botas cuissardes de couro
adicionavam um toque de sofisticação ao look. Era a combinação perfeita para
uma noite fria, mas a jovem sabia que precisaria se preparar para o calor
tropical que a aguardava: 25 a 28 graus. Com um sorriso nos lábios, ela
finalizou a preparação, ansiosa pela aventura que se iniciava.
PRÓXIMO CAPÍTULO DISPONÍVEL:
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