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Primeiro os olhares, o flerte, depois o beijo.
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Clara se olhava no espelho pela décima vez
em cinco minutos, não era exagero, ela só queria conferir se seu visual estava
realmente bom. Seu vestido rodado até os joelhos foi feito à mão pela sua mãe
que trabalhava como costureira desde jovem, seus sapatos não eram novos, mas
eram bem cuidados, o cabelo castanho claro chegava a um tom loiro nas pontas,
estava solto e ia quase até a cintura, seus lábios estavam pigmentados em um
rosa clarinho e em suas orelhas não podiam faltar brincos, eram discretos, mas
Clara adorava eles.
O espelho refletia também a indignação de sua irmã, Flora, dois anos mais nova
que fazia birra sentada à sua cama no beliche de baixo, pois queria ir junto
naquela festa. Clara explicou a menina o motivo de não poder ir e decidiu sair
de casa antes que sua mãe mudasse de ideia, era o único momento que a moça
poderia se descontrair com as amigas e não perderia essa chance por causa da
irmã. Seu pai já havia se retirado para seu quarto e não se envolveria na
discussão.
Fechou as portas do guarda-roupa que foi entalhado pelo seu pai que é
marceneiro e organizou seu quarto, guardando as roupas e sapatos que não foram
escolhidos e a maquiagem. Sozinha em seu quarto, apagou a luz, se despediu de
sua mãe e de sua irmã e saiu pela porta da frente fazendo as tábuas do
assoalho rangerem com seu peso ao passar.
Sentindo o ar fresco daquela noite ela prometeu a si mesma que se divertiria
ao máximo, ela vem sabia que a vida traria responsabilidades que fariam mudar
sua rotina totalmente, e não desperdiçaria essa última oportunidade.
Caminhou até o portão, um caminho de terra batida e ao fechá-lo atrás de si
avistou sua melhor amiga, Amélia, em frente a sua casa do outro lado da rua
estreita e empoeirada. Ela estava vestida para festa assim como Clara,
sorriram uma para a outra e depois de se cumprimentarem com um beijo no rosto
estalado e um abraço apertado, seguiram rumo à festa. Caminharam de braços
dados trocando confidências pela estrada de chão até chegarem em menos de dez
minutos na danceteria.
— Você acha que vamos encontrar alguém diferente essa noite?
— Eu acho que não, Amélia, frequentamos a tempo suficiente para conhecer todas
as pessoas que vão lá também.
As amigas riram e finalizou.
— Pois eu acho que hoje será diferente.
Clara e Amélia eram vizinhas desde pequenas e ali surgiu uma amizade linda.
Faziam tudo juntas, inclusive ir às festas no Furacão 2000, a danceteria para
jovens perto de suas casas.
O que chamavam de danceteria, era uma casa antiga de uma família que a
abandonou há muitos anos. Um empresário no ramo de discoteca a comprou e a
transformou no que era hoje.
O quintal foi remodelado para um pequeno espaço aberto com lajotas na entrada
que combinava com a decoração externa, a sala de estar virou a pista de dança
principal que eram usados também como palco de eventos, desfiles de agências
de modelo e outros eventos da sociedade. A cozinha ganhou um balcão onde
serviam as bebidas, os banheiros foram expandidos e ao redor da
pista xadrez preto e branco foram posicionados bistrôs com banquetas
altas para quem tinha os pés cansados. A parte posterior do terreno era apenas
aberta para eventos particulares como aniversários e casamentos, a piscina e
todo o restante do espaço foram reformados segundo paisagismo impecável, sendo
o sonho de toda garota fazer sua festa de debutante ali, maravilhadas em
imaginar as fotos que aquele lugar daria.
Toda a decoração girava em torno dos anos 60 com cores neon vibrantes, e
tocava músicas da época como Rock, Pop, Dance, Jovem Guarda, entre outros
semelhantes e sendo assim um lugar para se reunir com os amigos no fim de
semana.
Chegando em frente à danceteria, as amigas diminuíram o passo, pois a
danceteria ainda estava se preparando para abrir e o espaço aberto já estava
lotado. Pela porta aberta puderam perceber que o jogo de luzes já estava
ligado e o globo de espelhos girava fazendo a galera se agitar em ansiedade,
minutos depois começou a tocar os primeiros acordes da música que era sucesso
na época no estilo europop, Brother Louie da dupla alemã Modern Talking e
então a bilheteria liberou a entrada.
• ◆ •
Foi por estar distraído com Luana que Rodrigo não viu Clara comprar seu
ingresso na portaria e entrar acompanhada de sua amiga, mas seu irmão Diego
sim e mesmo sem saber o porquê do seu coração bater mais forte, ele apressou o
irmão a entrar para não perder a moça de vista. Não era a primeira vez que os
irmãos Rodrigo e Diego estavam naquela festa, mesmo preferindo uma festa
regada de bebida e cigarros, e mesmo assim estavam ali por causa de uma menina
ou duas que iriam encontrar. Furacão 2000 era famoso por quem frequentava e os
irmãos nunca dispensaram uma festa.
Uma hora mais tarde Rodrigo e o irmão tinham encontrado suas amigas, mesmo
estando tão lotado que mal dava para se locomover pela pista de dança, e
estavam divertindo e bebendo. Do fundo do salão eles observavam os jovens
dançando os passinhos quando uma menina em especial chamou a atenção do mais
novo, pela segunda vez. Ele não acreditou que tornaria a vê-la diante daquela
multidão, mas lá estava ela e ele tratou de cravar seus olhos antes que a
perdesse de vista novamente.
— Parece que você encontrou um alvo para essa noite, Diego — Rodrigo tentou
falar por cima da voz elétrica que saia da caixa de som.
Diego desdenhou seu irmão, ele era do tipo que não usava as mulheres, ao
contrário do seu irmão que não via problema nisso. Ele havia se interessado
pela garota no momento em que a viu em frente à danceteria e se decidiu
naquele momento conhecer a moça assim que tivesse oportunidade, quando a
música acabasse e ela viesse pegar um refresco. O irmão interpretou isso como
um desafio, assim como Luana, que estava ao seu lado muito fora de si por
causa da bebida alcoólica, dançando com passos desconexos. Ele então se
remexeu inquieto, e isso foi a confirmação que Rodrigo precisava para mover
seus pés até a jovem moça de vestido rodado e cabelos soltos.
• ◆ •
Logo que Clara e Amélia entraram na danceteria, encontraram outras colegas da
escola e formaram seu grupinho em um canto da pista, perto do DJ.
Cerca de uma hora depois as amigas sentiram que precisavam se refrescar.
Bianca, uma dessas colegas, não quis parar de dançar, com o álcool — que bebeu
antes de entrar — em suas veias, ela rodopiava nos passinhos do flashback e
Pietra dançava com seu namorado Lucas.
— Olá moça — Rodrigo tentou ser gentil, galanteador e sem tropeçar nas
palavras, falhando na sua investida fazendo Clara soltar uma risada contida e
virar para a amiga, de costas para ele.
O rapaz tentou novamente, respirando fundo, tentando fazer uma apresentação
melhor.
— Olha rapaz — ela olhou em sua direção com uma postura firme, tentando ser
gentil — hoje eu quero me divertir com a minha amiga então vá procurar outra!
Vendo a situação de camarote, e depois do olhar de "me ajuda" que recebeu de
Rodrigo, Amélia deu um cutucão na amiga dizendo silenciosamente "dá uma
chance", pegou seu refrigerante e caminhou dançando até a pista saindo de
vista no meio da multidão. Clara não sabia o que fazer, não deu tempo nem de
pensar direito.
Vendo que não tinha opção, virou-se para ficar de frente com o rapaz e deu
brecha para falar. Enquanto conversavam, ao lado da bancada do bar, ela podia
analisar melhor o rapaz de traços fortes, pele clara e cabelos curtos.
Descobriram que estudavam na mesma escola, e depois de encontrar algo em
comum, a conversa deslanchou.
Algumas músicas depois, uma romântica que Clara gostava muito começou a tocar,
Rodrigo se aproximou para dançar mais perto da moça, pouco a pouco seus braços
se resvalavam com o compasso da canção, um toque eletrizante para ambos. Eles
estavam perto e tomando um pouco de coragem, Clara deixou ser beijada por
Rodrigo.
Não era seu primeiro beijo, mas foi uma experiência única. Os lábios de
Rodrigo eram quentes, assim como o toque que Clara sentiu quando ele a puxou
para mais perto passando seus braços ao redor de sua cintura e ela apertou
seus braços no pescoço do rapaz.
Quando a música foi trocada por algo mais agitado, eles se afastaram, foi um
beijo curto, mas o suficiente para uma chama pequena e frágil dentro dela se
ascender. Ele por outro lado tinha certeza de que queria ir mais e além e por
isso, quando as luzes do globo de espelhos deram lugar a luz pálida das
lâmpadas fluorescentes às duas em ponto, ele sabia o que teria que fazer.
Com aquela multidão de adolescentes amontoados na porta de saída seria muito
difícil encontrar sua amiga e seu grupo novamente, então ele se prontificou a
levá-la para casa e ela aceitou a companhia.
A caminhada sob as estrelas associada ao vento fresco vindo do sul fez com que
voltassem para a realidade com os pés firmes no chão, sem aquele calor abafado
e música alta nos ouvidos ou a euforia do momento, e eles podiam então
observar melhor os seus detalhes. O sorriso tímido dela quando ele fazia um
elogio, as mechas do cabelo dele que dançavam com a brisa. Podiam sentir
melhor suas emoções também, o frio na barriga de ansiedade e o calor que
brotava de seu peito.
Sua casa não era longe dali, mas fizeram o percurso demorar mais que o de
costume, apenas para conversarem um pouco mais.
— Foi muito bom te conhecer, Clara. — ele disse olhando para suas mãos que
seguravam as dela em um momento tímido de despedida, deu um selinho e a moça
sorriu relutante soltando suas mãos, para caminhar até sua amiga, que a
esperava na esquina para chegarem juntas em casa.
— Clara! Você vai me contar tudo! — Amélia exclamou assim que deram os braços
e perceberam o rapaz sair de vista. As duas caminhavam pela rua deserta em
direção a suas casas, apenas alguns metros. Depois do sumiço da amiga, Amélia
queria saber os detalhes do que aconteceu, ela ficou preocupada, mas sentia
que ela estava bem.
— Contarei tudo o que você quiser saber, mas vamos para casa? Estou exausta —
Clara deixou escapar um bocejo, e deitou sua cabeça no ombro da amiga, um
claro sinal de que a noite foi boa.
— Tudo bem — Amélia respondeu se desgrudando da amiga, tinham chegado em casa
— boa noite Clara.
— Boa noite Mel.
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