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Você é uma luzinha na escuridão.
Sua intuição é forte e não falha, mas sua oração tem poder.
Seu nome é vó.
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Ao desembarcarem do carro, Clara e os jovens amigos seguiram o
protocolo, pegaram suas malas e aguardaram na sala vip enquanto faziam o
check in pelo aplicativo de celular.
Meia hora antes do voo com destino à Ilha da Magia, Clara, sua filha Camille e
seus amigos Dominic e Liam, foram autorizados a embarcar e agora caminhavam
pelo longo corredor até chegar na entrada especial, próximo à cabine do
piloto.
Com um sorriso sincero e olhar nos olhos dos passageiros, o comissário os
cumprimentou, e verificando o cartão de embarque, prosseguiu com o
atendimento.
— Boa noite, senhoras e senhores. Bem-vindos a bordo do nosso voo da Air
France com destino ao Brasil. Eu sou o Comissário Chefe Bruno e em nome de
toda a tripulação, tenho o prazer de recebê-los na La Premier. Vou acompanhar
até a cabine de vocês.
— Boa noite — responderam em uníssono e seguiram o jovem rapaz.
— Para este voo noturno, planejamos tudo para lhes oferecer o máximo de
conforto. Vocês poderão desfrutar de nossas roupas de cama de alta qualidade,
um menu à la carte, alta gastronomia, uma ampla escolha de entretenimento e
atendimento personalizado, nossa equipe estará à sua disposição para atender a
todas as suas solicitações. Nosso horário previsto de chegada ao Aeroporto de
Guarulhos é às oito da manhã.
— Muito obrigada pela sua recepção, Comissário Bruno, com certeza fez a
diferença em nosso voo esta noite — ele fez um cumprimento curto com a cabeça,
em resposta à Clara pelo comentário — Você pode trazer o menu? Eu não jantei
ainda — soltou um suspiro leve.
— Com certeza, Senhora Clara, não é? — Comissário Bruno tentou lembrar o nome
no cartão de embarque, Clara fez um sinal positivo e ele sorriu de volta. —
Vou trazer também a carta de vinhos, são todos maiores de idade, certo?
— Claro, são todos sim — respondeu Clara, que era a mais velha ali.
— Podem aguardar em seus lugares que logo decolaremos e trarei assim que for
liberado.
A La Premiere era um santuário de madeira nobre, veludo e outros tecidos
suede, onde cada detalhe era um convite ao relaxamento. A suave iluminação
indireta, a maciez das almofadas e o aroma sutil de flores frescas criavam uma
atmosfera de puro deleite. Um oásis no céu, a primeira classe era um convite
ao luxo, com poltronas que se transformavam em verdadeiras camas, serviço
personalizado e uma vista deslumbrante.
Clara deslizou suavemente para a última suíte à esquerda, apreciando a
privacidade e o conforto do assento junto à janela. Camille escolheu o assento
imediatamente atrás, enquanto Dominic ocupou a primeira suíte à direita e
Liam, a suíte seguinte.
— Estão muito cansados? — podiam notar que Clara tinha no rosto e na voz uma
expressão abatida, mas não queria deixar o clima desconfortável — Eu estou um
pouco, mas podem conversar a vontade, afinal, vocês estão de férias.
— Um pouco, senhora Clara. — Liam respondeu primeiro. — Vamos cuidar
para não incomodar a senhora.
— Vocês não incomodam — Clara sorriu para si e recostou a cabeça ao se
aconchegar.
— Dom, Liam — Camille chamou a atenção se apoiando no encosto da poltrona para
conversar com os meninos do outro lado do corredor —, o que vocês acharam da
apresentação da Margaux? Eu achei tão incrível, ela parecia uma deusa atrás do
púlpito e com o microfone nas mãos — mesmo de longe ambos os meninos podiam
ver o brilho nos olhos de Camille enquanto falava orgulhosamente da amiga, e
eles balançaram a cabeça positivamente enquanto ela falava.
— Eu também achei, ela parecia mais confiante nas apresentações da faculdade
nesse semestre — Dominic se remexeu em sua poltrona tentando diminuir a
distância entre eles enquanto falava.
— Não sei o que aconteceu com ela, mas eu preciso também — a alegria
contagiante da conversa foi interrompida pela voz monótona do alto-falante.
Com um misto de entusiasmo e apreensão, os passageiros acompanharam as
instruções na tela e se prepararam para a decolagem, enquanto todos ajustavam
os cintos. Com um rugido potente, o avião decolou, deixando Paris e seus
encantos para trás.
Camille já havia voado diversas vezes, mas ainda sentia um frio anormal na
barriga durante as decolagens, e assim que atingiram altitude de cruzeiro e
puderam desafivelar os cintos, a garota correu até o banheiro para se aliviar.
— Dominic? — chamou o amigo ao olhar para a poltrona atrás de si.
— Sim — respondeu prontamente seguindo o olhar até ele.
— Eu vou ali e não volto, não me pergunte — Liam não pensou duas vezes até
atravessar o corredor e sentar no lugar de Camille, deixando seu amigo com uma
expressão confusa, porém não questionou, como ele pediu.
Clara fingia indiferença, mas a curiosidade a consumia. Havia horas em que
Camille falava sobre seus amigos, pintando um quadro tão vívido que Clara
quase se sentia parte do grupo. Mesmo assim, a jovem era um livro fechado,
guardando seus sentimentos mais profundos para si. Como mãe, Clara tinha um
radar infalível. Observava cada gesto, cada palavra, cada nuance na voz de
Camille. A intuição materna, afinal, é um dom.
Todos os quatro amigos se davam muito bem, mas o que estava explícito para
Liam e Margaux, e não para Camille e Dominic, era o quanto eles se gostavam. O
quarteto estava sempre junto, tanto na faculdade, quanto fora, inclusive nos
fins de semana, e só sendo muito tapado para não perceber que o tom de voz que
Camille usava para chamar carinhosamente "Dom", e o olhar único e apaixonado
que ele lançava para a garota, estava explícito o que eles sentiam um pelo
outro.
Quando Camille voltou e vendo seu lugar ocupado, resmungou fazendo uma careta
de questionamento para Liam, que cruzou os braços e apontou com o nariz para
ela se sentar ao lado de Dominic e não reclamar, se virando em seguida para
olhar a vista enegrida além da janela, mas era só um ato para ignorar a amiga,
porque nada ele via naquela hora da noite e ainda mais acima das nuvens.
Rapidamente a garota entendeu o recado e deu um sorriso tímido para si mesma,
pegou seu celular que havia sido colocado propositalmente no encosto da
poltrona e seguiu para o outro lado. Liam estava sentado na frente de Dominic
por conveniência, devido só ter eles ali, mas Camille se sentou ao lado do
rapaz e logo engataram uma conversa, meu palpite era que eles estavam rezando
para isso acontecer. Liam sorriu satisfeito olhando o casal, e logo voltou a
sua atenção a uma série na tela embutida à sua frente aconchegando os fones em
seus ouvidos.
Não demorou mais que dez minutos até o vinho escolhido ser servido e logo em
seguida, o jantar. Clara cuidou para a troca de poltronas não deixar a filha
desconfortável, ela sabia que uma hora isso iria acontecer e a vida precisava
seguir o fluxo. Crescer, quem sabe casar e seguir em frente.
— Estão ansiosos para rever seus familiares? — Clara perguntou enquanto dava
sua primeira garfada, ela havia pedido filé de dourado, batatas fondant e
mexilhões.
— Estou sim, meus pais são demais e eu sinto muito a falta deles. — Dominic
foi verdadeiro, Clara podia sentir a ternura em sua voz, e isso fez derreter o
coração de Camille ao ouvir.
— E, desculpe perguntar, mas eles trabalham no que? — Fazia muito tempo que
Clara não usava aquela expressão desafiadora e olhar afiado, já sua filha
ligou o modo alerta para intervir caso a mãe passasse dos limites.
— Meu pai é dono de um bar e minha mãe o ajuda a administrar — Clara não sabia
se a tranquilidade do rapaz era devido a pouca idade, ou ele se sentia assim
realmente, ouviu ele atentamente. — Caso precise de um local adequado para
tomar um drink e sair com as amigas enquanto estiver em casa, eu convido a
senhora para conhecer, fica na ilha mesmo e eu posso buscar vocês — por essa
Clara não esperava, e pela apresentação que o rapaz fez em seguida sobre o
local, não conseguiu segurar sua face entusiasmada e olhos atentos.
— Gostei — respondeu devagar e pensativa com o olhar fixo imaginando como
seria o lugar, enfim tornou a olhar para o rapaz — podemos marcar antes das
festas de fim de ano.
— Melhor ainda — fez a proposta com um tom animado e brilho nos olhos — o bar
ficará aberto para o reveillon, então vocês podem passar lá, tem uma vista
linda para as balsas com os fogos.
Ainda pensativa concordou com a cabeça balançando devagar. Com um estalar de
dedos ela esticou as costas e levantou o olhar.
— Gostei da ideia! Vou ver com nossa família o que eles planejaram e a Camille
combina com vocês. — então ela se virou para Liam, para não deixar o rapaz
desconfortável — e os seus pais?
— Ah, meu pai é militar e minha mãe é enfermeira, ela sempre o acompanhava
para onde ele viajava quando trocava de base, então eu ficava mais na casa do
Dom — sua expressão melancólica tocou no coração de Clara, em seguida sua
expressão se suavizou — mas faz uns dois anos que eles se divorciaram e agora
ela ajuda as tias do Dom na clínica, e agora vejo mais ela durante as férias.
— É uma profissão muito difícil, tenho certeza de que eles sentem muito a sua
falta, mas aprecio sua coragem de ficar com seu amigo do que se mudar
constantemente — a expressão do rapaz ruborizou de leve, acrescentando um
sorriso aliviado.
Terminaram a refeição silenciosamente, cada um absorvendo a conversa que
tiveram. Camille ficou satisfeita com o rumo da conversa, então só começou a
tagarelar sobre o que ela iria fazer nas férias.
Clara se tornou a coadjuvante da conversa e só ouviu o que os amigos
conversavam, enquanto bebericava seu vinho. O que ela não sabia era a conexão
desses garotos com o seu passado. Camille os ajudava com o inglês e o francês
e vez ou outra em que falavam português ela reconheceu aquele sotaque familiar
que ela julgava inofensivo e por isso, ela não se surpreendeu quando eles
fizeram a conexão para o mesmo aeroporto. Clara, que escondia um profundo
segredo, não fazia ideia de que a vida desses garotos se cruzariam com a dela
de forma tão inesperada.
• ◆ •
Depois de onze horas atravessando o atlântico, e mais de uma hora de São Paulo
até a ilha de Santa Catarina, era impossível chegar ao Aeroporto Internacional
de Florianópolis sem se levantar e esticar os braços para se despreguiçar,
mesmo não sendo uma cama convencional e ainda mais dentro de um avião que tem
balanços e outras movimentações que atrapalham um sono contínuo.
Clara conseguiu descansar um pouco, assim como Liam, que dormiu em um sono
profundo o máximo que pode. Já Camille, não havia dormido muito assim como
Dominic, a noite passou em um piscar de olhos para o jovem casal e quanto
perceberam já eram três da manhã. O resultado não podia ser outro: olhos
sensíveis a luz, sonolência e Dominic com um braço dormente por passar o tempo
todo de mãos dadas com Camille para que ela ficasse confortável, agora seu
braço esquerdo estava completamente dormente, assim como seu coração.
Era quase meio dia e o sol de dezembro estava a pino, beirando trinta graus, e
os planos para o dia estavam cronometrados, colocaram seus óculos escuros e
aguardaram o comissário abrir a porta para saírem do avião.
— Dominic e Liam, — Clara chamou a atenção dos meninos enquanto procurava pela
mala na esteira de bagagens — Camille me falou que vocês moram em Jurerê
Internacional também, meu irmão vem buscar a gente e posso deixar vocês no
caminho.
— Se não for atrapalhar vocês, — pensou um pouco antes de responder — hum,
podemos sim, não é Dom?
— Nós vamos passar no bar do meu pai para ver eles, e depois vamos pra casa. —
Dominic pegou sua mala e logo alcançou a de Camille — Acho que da para irmos
no mesmo carro, sim.
— Ah combinado então, nós vamos no banheiro nos trocar e encontramos vocês, é
rapidinho — Camille puxou a alça da sua mala e esperou pela mãe para a
acompanhar até o banheiro, continuar com aquelas roupas pesadas era sinônimo
de deboche por parte do tio pelo verão inteiro.
• ◆ •
Uma hora depois...
Clara digitou a senha da porta frontal da casa de veraneio da família, e se
surpreendeu ao ver seus pais sentados no sofá da ampla sala e ficaram de pé,
com muito custo, assim que a porta se abriu revelando a chegada de sua
família. Fazia mais de seis meses que não os via, mas notou que eles estavam
mais velhos do que da última vez.
— Pai, mãe — Clara chamou em um sussurro tentando conter as lágrimas, assim
como uma represa prestes a romper. Como plumas ao vento, seus pés seguiram até
seus pais, não foi fácil segurar a emoção e a saudade rolou pela face de
Clara. Camille juntou-se a eles deixando sapatos e mala no hall de entrada
para um abraço em família que aconchega qualquer coração, cheio de carícias e
beijinhos estalados. Nisso, Augusto não se conteve em apenas observar a cena e
abraçou em uma última camada.
Fazia quase um ano que avós e neta não se viam e essa ausência era tempo
demais, Dona Maria sentia o peso dos anos em seu corpo e sabia que cada dia
era um a menos em sua vida e por isso queria passar o máximo de tempo com a
família reunida. Ela já havia suplicado à suas filhas que voltassem a morar
todos juntos depois que a filha enviuvou, e elas prometeram assim que Camille
terminasse a faculdade, mas quatro anos pareciam se arrastar mais que o
esperado.
— Venha minha filha, — chamou seu pai com a voz rouca da idade — quero te
mostrar umas flores novas que plantei no jardim, deixa elas conversarem.
Augusto aproveitou a deixa e acompanhou o pai sem desgrudar da irmã até o
jardim também. Ele era pequeno quando a irmã saiu do país para estudar fora,
mas mesmo assim sentia falta dela e ficava tão grudento quanto cera de abelha
quando ela vinha visitar durante as férias de inverno.
— Vó — Camille chamou amansando a voz com uma ponta de súplica dolorida ao
reparar que sua avó estava coberta por fios de linha de diversas cores,
denunciando o que estava fazendo antes de ser interrompida
— Oi minha netinha linda! — respondeu docemente a senhora derretida pela neta,
já especulando a bronca que viria a seguir.
— Nessa idade ainda costurando, seus pulsos não doem? — Acrescentou em um tom
de reprovação.
— Meus joelhos doem mais — a avó ergueu os ombros e seus lábios franzindo em
um biquinho, como se dissesse: "Ah, as dores da idade... mas o que posso
fazer?". Agora com as mãos na cintura ela desafiou a jovem menina — e como
pode minha linda neta, que nasceu e cresceu no país da moda vestir roupas que
sua velha vó fez em um quartinho nos fundos do quintal?
Camille olhou para baixo, para sua própria roupa e teve que concordar, seu
guarda roupa tinha das mais variadas marcas de luxo e todas caríssimas, mas
sempre preferia usar as roupas básicas e para esse passeio ela escolheu uma
bermuda de linho bege e uma camisa branca de malha, ambos feitos pela dona
Maria.
— Como eu poderia usar marcas de luxo tendo uma avó costureira que faz roupas
tão incríveis e cem por cento exclusivas? — respondeu com uma carinha fofa
piscando os olhinhos que a fez ser abraçada em seguida, sua avó nunca sentiu
tanto orgulho de si mesma e de sua descendente.
— Trouxe o que eu te pedi? — perguntou mudando de assunto depois de passada a
melancolia.
A pergunta da senhora idosa fez a expressão da moça mudar e seu rosto
transformou abrindo um largo sorriso maroto, em seguida correu buscar sua mala
indo em um pé e voltando no outro.
— Como eu poderia esquecer? — disse Camille com um sorriso satisfeito
levantando um vestido em frente ao seu corpo para que sua avó pudesse ver como
um manequim.
— Ele é mais lindo do que eu imaginei! Vamos fazer uns ajustes e estará
perfeito para o natal!
PRÓXIMO CAPÍTULO DISPONÍVEL: