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Encarar a verdade de frente é algo difícil, mas necessário.
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A noite tropical envolvia a praia em um manto de mistério. As ondas, quebrando com força na areia, ecoavam como um pedido, e a brisa salgada carregava consigo o perfume do mar e um quê de nostalgia. Henrique, observava aquela imensidão, perdido em pensamentos. Lembrou-se daquela frase antiga: os fantasmas do passado, como ondas rebeldes, insistem em retornar, arrastando consigo os escombros de decisões precipitadas. E era exatamente isso que estava acontecendo.
Há tempos, ele havia enterrado seus próprios problemas, na esperança de que o tempo os apagasse. Mas, assim como a areia que se move com a maré, os fantasmas insistiam em ressurgir, mais fortes a cada dia. Era como se estivesse à beira de um penhasco, e a cada passo em falso, se aproximasse mais do abismo.
Agora, era a vez de Diego. Henrique conhecia bem a dor que seu amigo carregava, a ferida aberta que nunca cicatrizava. Sentiu-se culpado por ter se omitido, por ter preferido ignorar o sofrimento alheio em vez de estender a mão. Afinal, todos carregamos nossas próprias batalhas, mas a empatia é o que nos torna humanos.
— Oh, vocês estão aqui — Henrique tentou esconder a ansiedade de sua voz em seus passos lentos ao se aproximar de Dominic e Camille, que já estavam de pé prontos para sair.
— Nós estávamos indo ao encontro de vocês — explicou sinceramente com a voz mansa.
— Tudo bem, os amigos de Clara já foram e eu insisti para que ficasse mais um pouco e conhecer a área externa — deu uma piscadela para o filho que rapidamente compreendeu o sinal respondendo com um aceno de curto — ah eu convidei um amigo para se juntar a nós — passou a mãos na nuca nervosamente — , vamos nos sentar nesse quiosque que é maior, vamos, sentem-se em quanto esperamos por ele.
Acomodados no quiosque, as poltronas de vime, macias sob as almofadas, formavam um círculo acolhedor próximo à fogueira. As brasas dançavam e crepitavam, expelindo um calor suave que contrastava com o intenso sol do dia. O cheiro da madeira queimada se misturava ao salgado do mar, criando uma atmosfera única.
Dalila, a esposa de Henrique, aproximou-se com uma taça em mãos, seus olhos brilhavam de satisfação. Após cumprimentar a todos, sentou-se, exausta mas feliz, pronta para relaxar. O trabalho no escritório, auxiliando Diego na contabilidade, havia sido exaustivo, mas a tranquilidade daquela noite era um bálsamo para sua alma.
Dalila, com um sorriso radiante, bebericou seu vinho branco. Seus olhos, no entanto, não se desviaram das duas loiras que se acomodavam nas poltronas. Clara, com seus cabelos loiros e olhos azuis, e sua filha Camille, de cabelos loiros mais claros e um sorriso contagiante, pareciam irradiar alegria.
– Essas são as convidadas que mencionei, – anunciou Henrique, fazendo um gesto com as mãos em direção às novas amigas.
– Que delícia estarmos aqui, não é? – perguntou, sua voz suave se misturando ao crepitar da fogueira. Todos ergueram suas taças, brindando àquela noite especial.
Henrique, notando a tensão nos ombros de Dalila, massageou-os suavemente. – Sim, hoje o clima está perfeito! Terminou o fechamento que precisava, querida? – Agradecida, ela se aninhou mais em seus braços, sentindo o calor da fogueira e a tranquilidade do momento.
– Sim, amor, tudo certo! Podemos curtir o fim de ano sem preocupações. – Henrique segurou em sua mão e apertou levemente, mostrando seu amor.
Clara, com sua taça de vinho tinto, brindou com entusiasmo. – Ah, que ótimo que deu tudo certo! Vamos brindar então! – Ela era assim, sempre celebrando as conquistas dos outros, fruto de sua própria experiência como empresária. Lembrou-se da época em que havia começado na empresa do sogro e como a ajuda de seus colegas de trabalho mais velhos havia sido fundamental.
O momento foi interrompido por Diego que chegou abruptamente com um champagne, Henrique sugeriu que ele trouxesse a garrafa mais cara do bar para comemorarem o fim do trabalho.
— Parabéns a todos, mais um ano fechando com ... — o rapaz achou que estariam apenas em família e interrompeu sua fala surpreso ao perceber que haviam outros que aparentemente ele não conhecia, seu sorriso morreu aos poucos e sua expressão se suavizou, sem entender o que estava acontecendo. A cabeleira loira e aquele rosto ao lado do Dominic era familiar, ele até estreitou os olhos forçando a cachola tentando encontrar um nome, sem sucesso, a penumbra não ajudava muito.
No momento em que seu olhar pousou em Clara ele viu todo o ambiente se iluminar como se pequenas lâmpadas tivessem acendido bem em cima dela, eu já falei como ela tinha esse "poder", não é? Pois é, Diego também percebeu e um sorriso sincero apareceu.
— Clara... — de todas as pessoas que poderia aparecer ali, seu primeiro amor era o menos provável, e ela estava bem ali agora.
— Diego... — em sobressalto a moça se pôs de pé automaticamente, descrendo nesse repentino encontro, lutando contra suas pernas que tremiam mais que vara verde, e seu coração que dava saltos em seu peito.
— Tenho certeza de que já se conhecem né? — Henrique tentou enfatizar que era mesmo quem pensavam ser e não uma miragem.
O rapaz deu um passo à frente, coração palpitante no peito. O doce perfume de jasmim e baunilha, familiar e irresistível, o envolveu como uma névoa. Seus dedos tremiam levemente enquanto se aproximava dela. A maciez da pele dela sob seus dedos o eletrizou. Com um suspiro, ele fechou os olhos e depositou um beijo suave em sua bochecha.
Clara sentiu um frio na barriga misturado a uma explosão de calor. A proximidade dele a deixava nervosa e excitada ao mesmo tempo. Seus olhos se arregalaram levemente ao sentir o toque de seus lábios em sua pele. A penumbra da noite era sua aliada, escondendo o rubor que certamente coloria suas faces.
Seus olhos se encontraram, e por um instante, o mundo ao redor deles desapareceu. Era como se estivessem flutuando em um mar de emoções, a correnteza os puxando cada vez mais perto um do outro.
— Sim... — respondeu Diego, sua voz rouca de emoção. O tempo parecia ter parado. Mal conseguia respirar. Era como se um sonho de anos estivesse se tornando realidade. — Quanto tempo, Clara.
Clara sentiu o coração disparar no peito. O ar parecia rarefeito, e por um instante, ela achou que ia desmaiar. Tantas vezes havia imaginado esse momento, mas a realidade era ainda mais intensa. Por muito tempo, a culpa a impediu de procurá-lo. E agora que ele estava ali, tão perto, ela se sentia exposta, como se estivesse nua diante dele.
Henrique observava a cena com um misto de alegria e apreensão. A conexão entre os dois era evidente, palpável. Tentou quebrar o silêncio, mas as palavras pareciam presas em sua garganta. Ele limpou a garganta e mudou de assunto.
— Mano, essa é a filha da Clara. — havia um brilho nos olhos de Henrique quando ele pronunciou o nome dela, um brilho que Diego conhecia bem. Fez um gesto discreto para Clara se sentar e, com um sorriso tímido, cumprimentou a garota.
— Camille, esse é o Diego, tio do Liam. — Henrique apresentou.
Clara sorriu, mas havia uma certa tensão em seus olhos.
— Oi, prazer, eu sou Camille. — A jovem se aproximou para um abraço. Seus olhos se encontraram com os de Diego por um instante, e um arrepio percorreu sua espinha. Havia algo familiar naquele olhar.
Depois que a emoção inicial do reencontro se acalmou um pouco, Diego, ao lado de Clara, levantou a garrafa de champanhe. Com um sorriso, serviu a todos os presentes. O fio de luz de fada dourado, entrelaçado no pergolado, cintilava suavemente, projetando pequenas estrelas dançantes no teto de madeira. A luz suave e quente refletia nas taças de champanhe, criando um ambiente mágico.
— E então, pessoal, vamos brindar a esse reencontro! — propôs Henrique, erguendo sua taça. Todos fizeram o mesmo, e o tilintar das taças ao se tocarem ecoava pelo ambiente, acompanhado pelas risadas dos amigos. Clara sentiu um nó na garganta ao ver Diego tão feliz. Os anos pareciam ter se apagado, e era como se eles nunca tivessem se separado.
— Você ainda surfa, Clara? — Henrique perguntou, seus olhos se fixando nos dela. Ele se lembrava de como Caio amava o mar e como Clara o acompanhava em cada onda. — Desculpe se toquei em um assunto delicado.
Clara sorriu, mas seus olhos se encheram de lágrimas. Ela tomou um gole de champanhe, tentando se recompor. — Claro que sim, Henrique. É algo que eu amo e não posso parar com isso. Era uma coisa que Caio não queria também. — Sua voz vacilou por um instante, mas logo se firmou. — Surfo sim, Camille também. Na verdade, eu estava pensando em marcar algo com o Dominic amanhã. O tempo anda tão perfeito!
— Ótima ideia! — respondeu Diego, animado. — Eu adoraria ir também. Quem sabe a gente não revive velhos tempos?
Camille, que até então observava a conversa, se animou: — Eu topo! Já estou até sentindo a adrenalina da onda perfeita.
— E você, Camille? Já pegou alguma onda gigante? — perguntou Dalila, piscando para a garota.
Camille riu. — Ainda não, mas estou treinando!
— E você, Diego? Ainda é o rei das manobras radicais? — Clara perguntou apoiando a mão no queixo, ela estava realmente curiosa sobre o rapaz.
Diego sorriu e balançou a cabeça. — Acho que a idade não perdoa, mas a paixão pelo surf continua a mesma.
De repente, Clara lembrou como um estalo do momento em que viu sua filha e Dominic se levantando do quiosque todo enfeitado com velas, algo romântico e inesperado. Um nó se formou em sua garganta. Segurando a vontade de perguntar, ela observou os dois jovens com atenção. Camille parecia radiante, seus olhos brilhando de felicidade. Dominic, por sua vez, a olhava com um amor tão intenso que fez o coração de Clara acelerar. Lembrou-se de quando era jovem e apaixonada por Diego.
— Parecia que vocês estavam prestes a nos contar alguma coisa, mas interrompemos, o que vocês queriam nos dizer? — Fez um sinal para o próprio dedo, onde a marca de que havia uma aliança ali ainda era visível.
Um leve rubor subiu às faces de Camille, enquanto Dominic entrelaçava seus dedos aos dela. Com um sorriso radiante, ele anunciou:
— Ah pai, mãe e Clara, eu pedi Camille em namoro, agora somos namorados — disse ele todo orgulhoso com um sorriso de orelha a orelha, fez questão de levantar a mão entrelaçada.
— Uau, deixa eu ver essa aliança de perto, que linda escolha, filho — disse sua mãe, surpresa. O brilho do ouro rosa sob a luz das velas realçava a delicadeza da aliança, adornada com dois pequenos diamantes, um para cada um deles. Eu sabia que aquela caixinha azul que você estava guardando era especial. — Ela se voltou para Clara, que sorria com os olhos marejados. — Para nós é algo repentino, mas Clara não parece abalada.
— Eu convivo com esses dois há quatro anos, a gente pesca uma coisa aqui e ali e eu estou satisfeita com a escolha dela, o Dominic é um ótimo rapaz. — Dalila deixou escapar um sorriso espontâneo. Clara, por sua vez, pensava em todos os momentos que havia vivido ao lado de Camille e de Dominic.
A felicidade da filha a contagiava, mas também a fazia lembrar de seu próprio passado e de todas as alegrias e tristezas que a vida lhe havia proporcionado. Ela olhou para o casal, sorrindo com ternura. "Que a vida os presenteie com muita felicidade", pensou.
O amor estava no ar, palpável e contagiante, e o grupo brindou à felicidade do casal, celebrando o início de uma nova jornada juntos. A noite estava apenas começando, e a surpresa de Dominic havia deixado a todos radiantes. Era o início de uma nova história, escrita com muito amor e companheirismo.
Uma bandeja de madeira rústica foi servida, adornada com conchas cintilantes era um convite irresistível ao paladar. Camarões empanados e dourados, sashimi fresco cortado em finas lâminas translúcidas e ostras gratinadas com queijo e pão de alho perfumado dividiam espaço com uma seleção de bebidas convidativas: caipirinhas de frutas exóticas, mojitos refrescantes e cervejas artesanais.
Camille, com os olhos brilhando de prazer, segurou seu copo de caipirinha de maracujá. Ao dar a primeira mordida no camarão empanado, seus olhos se arregalaram de satisfação. — Esses petiscos são divinos! — exclamou ela, a voz repleta de entusiasmo. — A combinação do agridoce é perfeita! A crocância do empanado contrasta com a maciez do camarão, e o toque cítrico do molho completa o sabor.
— Nosso cheff é incrível, ele quem faz tudo, desde a farinha para empanar até o molho, ele quem criou e faz tudo, só ele tem a receita e sabe as proporções corretas. — explicou seu, agora namorado, em um tom orgulhoso—, foi realmente muito difícil trazer esse cheff para o restaurante, ele era muito requisitado.
O camarão crocante estalava ao ser mordido, liberando um sabor intenso e suculento. — Esse era o favorito do Diego, não é? — perguntou Clara, sorrindo.
Diego, ainda um pouco perdido em seus pensamentos, assentiu com a cabeça. — Hã, é sim — respondeu ele, meio atordoado. Seu amigo, com um gesto discreto, o cutucou sob a mesa. Ele sabia que Diego tinha algo a dizer a Clara, mas o nervosismo o dominava.
Clara observava a cena com um sorriso nostálgico. Lembrava-se dos jantares com a família dos rapazes, Coronel e dona Cecília e sua melhor amiga, Amélia, quando todos se reuniam em torno da mesa e saboreavam pratos deliciosos sob as estrelas.
— Clara gostava muito de camarões quando adolescente, e ainda gosta. — afirmou para si mesmo, sua voz suave ecoando no ambiente silencioso por estarem ocupados degustando. Seus olhos se perderam na paisagem, relembrando os momentos felizes que havia vivido na juventude.
Uma lâmpada ascendeu em Camille. Diego, esse homem de olhos intensos que ela ouvia a avó mencionava vez ou outra longe da presença da mãe como se fosse um segredo, estava bem à sua frente. A cada palavra trocada, ela percebia a profundidade da conexão entre eles. A brisa salgada, carregada do perfume das flores, acariciava seu rosto enquanto as chamas dançavam no fogo, iluminando os segredos que estavam prestes a ser revelados.
— É difícil de achar camarões como os daqui na Europa, por isso eu sempre como bastante quando venho para cá, — disse ela, tentando manter a voz firme forçando um sorriso, ela começava a ficar desconfortável com o rumo da conversa.
Diego, que havia bebido de barriga vazia, encarou-a com um olhar intenso. As palavras a seguir saíram de sua boca como um sopro de vento frio. — Por isso você não deveria ter ido embora. — Um silêncio pesado se instalou entre eles. A frase ecoou em seus ouvidos, carregada de um peso que nenhum dos dois estava preparado para carregar.
Clara sentiu o coração acelerar.
Todos os olhos se voltaram para Clara, aguardando sua resposta, ela se sentiu encurralada em um palco sob o holofote. A pergunta de Diego havia sido um soco no estômago, revivendo memórias que ela preferia manter enterradas. Ela sentiu o coração acelerado e uma onda de calor subir pelo rosto. Por um instante, considerou mentir, mas sabia que a verdade viria à tona mais cedo ou mais tarde. Bebeu um gole do seu Martini, tentando ganhar tempo para organizar seus pensamentos.
— Não é? — repetiu ela, forçando um sorriso. — Se eu quisesse continuar comendo esses camarões, eu não deveria ter saído daqui. — Ela deu um tapa leve na testa, mas seus olhos não conseguiam esconder a tristeza, então os fechou por um segundo. — É claro, por que eu sai daqui?
Diego desviou o olhar, sentindo uma pontada de remorso. Ele sabia que havia magoado Clara profundamente e que suas palavras haviam reaberto feridas antigas, uma ferida que ambos tentavam manter escondida. A atmosfera na mesa ficou tensa. Os outros convidados trocaram olhares, percebendo que havia algo mais por trás daquela pergunta inocente.
Camille observou a mãe com atenção, notando a tensão em seus ombros e a forma como evitava o olhar de Diego. Intuindo o desconforto de Clara, perguntou com os olhos: "Mãe, você está bem?" Clara forçou um sorriso em resposta "Sim, querida, estou ótima." No entanto, Camille sabia que algo a incomodava. Deu um leve aperto na mão de Dominic que logo entendeu o recado, bolando uma desculpa rapidamente.
— Vamos fechar a noite pessoal, Camille está ficando cansada, então vou levar ela e a mãe em casa. — se pôs de pé estendendo a mão para namorada se apoiar.
— Gente, que noite adorável, muito obrigada pelo convite, eu adorei esse lugar e as comidas, com certeza se tornou um lugar especial para mim. Vamos mãe?
Clara levantou-se vagarosamente tentando se sustentar sob as pernas bambas, Diego tentou ajudar, mas ela rejeitou. Despediu-se de todos rapidamente agradecendo a noite e que retornariam para a sessão de surfe, Dominic mostrou o caminho para dentro do restaurante lhe oferecendo apoio.
Henrique e Dalila, como um bom anfitrião e mediador, não podia deixar as mulheres irem embora nesse clima e tentou suavizar.
— Amanhã o mar tá prometendo e a gente não pode perder essa! Garanto que a sessão vai ser épica! Tem prancha pra todo mundo!
Diego a chamou, seus olhos encontrando os de Clara por um longo momento. — Podemos conversar depois? — , pediu ele, sua voz rouca. Clara assentiu, seu coração acelerado. Ao sair do restaurante, a noite fria a envolveu como um abraço. Ela sabia que a conversa com Diego seria difícil, mas também sabia que era necessária.
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