═══ • ◆ • ═══ Você é uma luzinha na escuridão.  Sua intuição é forte e não falha, mas sua oração tem poder.  Seu nome é vó. ═══ • ...

• Vinte e Dois •


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Você é uma luzinha na escuridão. 

Sua intuição é forte e não falha, mas sua oração tem poder. 

Seu nome é vó.


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Ao desembarcarem do carro, Clara e os jovens amigos seguiram o protocolo,  pegaram suas malas e aguardaram na sala vip enquanto faziam o check in pelo aplicativo de celular.


Meia hora antes do voo com destino à Ilha da Magia, Clara, sua filha Camille e seus amigos Dominic e Liam, foram autorizados a embarcar e agora caminhavam pelo longo corredor até chegar na entrada especial, próximo à cabine do piloto.


Com um sorriso sincero e olhar nos olhos dos passageiros, o comissário os cumprimentou, e verificando o cartão de embarque, prosseguiu com o atendimento.


— Boa noite, senhoras e senhores. Bem-vindos a bordo do nosso voo da Air France com destino ao Brasil. Eu sou o Comissário Chefe Bruno e em nome de toda a tripulação, tenho o prazer de recebê-los na La Premier. Vou acompanhar até a cabine de vocês.


— Boa noite — responderam em uníssono e seguiram o jovem rapaz.


— Para este voo noturno, planejamos tudo para lhes oferecer o máximo de conforto. Vocês poderão desfrutar de nossas roupas de cama de alta qualidade, um menu à la carte, alta gastronomia, uma ampla escolha de entretenimento e atendimento personalizado, nossa equipe estará à sua disposição para atender a todas as suas solicitações. Nosso horário previsto de chegada ao Aeroporto de Guarulhos é às oito da manhã.


— Muito obrigada pela sua recepção, Comissário Bruno, com certeza fez a diferença em nosso voo esta noite — ele fez um cumprimento curto com a cabeça, em resposta à Clara pelo comentário — Você pode trazer o menu? Eu não jantei ainda — soltou um suspiro leve.


— Com certeza, Senhora Clara, não é? — Comissário Bruno tentou lembrar o nome no cartão de embarque, Clara fez um sinal positivo e ele sorriu de volta. — Vou trazer também a carta de vinhos, são todos maiores de idade, certo?


— Claro, são todos sim — respondeu Clara, que era a mais velha ali.


— Podem aguardar em seus lugares que logo decolaremos e trarei assim que for liberado.


A La Premiere era um santuário de madeira nobre, veludo e outros tecidos suede, onde cada detalhe era um convite ao relaxamento. A suave iluminação indireta, a maciez das almofadas e o aroma sutil de flores frescas criavam uma atmosfera de puro deleite. Um oásis no céu, a primeira classe era um convite ao luxo, com poltronas que se transformavam em verdadeiras camas, serviço personalizado e uma vista deslumbrante.


Clara deslizou suavemente para a última suíte à esquerda, apreciando a privacidade e o conforto do assento junto à janela. Camille escolheu o assento imediatamente atrás, enquanto Dominic ocupou a primeira suíte à direita e Liam, a suíte seguinte.


— Estão muito cansados? — podiam notar que Clara tinha no rosto e na voz uma expressão abatida, mas não queria deixar o clima desconfortável — Eu estou um pouco, mas podem conversar a vontade, afinal, vocês estão de férias.


— Um pouco, senhora Clara. —  Liam respondeu primeiro. — Vamos cuidar para não incomodar a senhora.


— Vocês não incomodam — Clara sorriu para si e recostou a cabeça ao se aconchegar.


— Dom, Liam — Camille chamou a atenção se apoiando no encosto da poltrona para conversar com os meninos do outro lado do corredor —, o que vocês acharam da apresentação da Margaux? Eu achei tão incrível, ela parecia uma deusa atrás do púlpito e com o microfone nas mãos — mesmo de longe ambos os meninos podiam ver o brilho nos olhos de Camille enquanto falava orgulhosamente da amiga, e eles balançaram a cabeça positivamente enquanto ela falava.


— Eu também achei, ela parecia mais confiante nas apresentações da faculdade nesse semestre — Dominic se remexeu em sua poltrona tentando diminuir a distância entre eles enquanto falava.


— Não sei o que aconteceu com ela, mas eu preciso também — a alegria contagiante da conversa foi interrompida pela voz monótona do alto-falante. Com um misto de entusiasmo e apreensão, os passageiros acompanharam as instruções na tela e se prepararam para a decolagem, enquanto todos ajustavam os cintos. Com um rugido potente, o avião decolou, deixando Paris e seus encantos para trás.


Camille já havia voado diversas vezes, mas ainda sentia um frio anormal na barriga durante as decolagens, e assim que atingiram altitude de cruzeiro e puderam desafivelar os cintos, a garota correu até o banheiro para se aliviar.


— Dominic? — chamou o amigo ao olhar para a poltrona atrás de si.


— Sim — respondeu prontamente seguindo o olhar até ele.


— Eu vou ali e não volto, não me pergunte — Liam não pensou duas vezes até atravessar o corredor e sentar no lugar de Camille, deixando seu amigo com uma expressão confusa, porém não questionou, como ele pediu.


Clara fingia indiferença, mas a curiosidade a consumia. Havia horas em que Camille falava sobre seus amigos, pintando um quadro tão vívido que Clara quase se sentia parte do grupo. Mesmo assim, a jovem era um livro fechado, guardando seus sentimentos mais profundos para si. Como mãe, Clara tinha um radar infalível. Observava cada gesto, cada palavra, cada nuance na voz de Camille. A intuição materna, afinal, é um dom.


Todos os quatro amigos se davam muito bem, mas o que estava explícito para Liam e Margaux, e não para Camille e Dominic, era o quanto eles se gostavam. O quarteto estava sempre junto, tanto na faculdade, quanto fora, inclusive nos fins de semana, e só sendo muito tapado para não perceber que o tom de voz que Camille usava para chamar carinhosamente "Dom", e o olhar único e apaixonado que ele lançava para a garota, estava explícito o que eles sentiam um pelo outro.


Quando Camille voltou e vendo seu lugar ocupado, resmungou fazendo uma careta de questionamento para Liam, que cruzou os braços e apontou com o nariz para ela se sentar ao lado de Dominic e não reclamar, se virando em seguida para olhar a vista enegrida além da janela, mas era só um ato para ignorar a amiga, porque nada ele via naquela hora da noite e ainda mais acima das nuvens.


Rapidamente a garota entendeu o recado e deu um sorriso tímido para si mesma, pegou seu celular que havia sido colocado propositalmente no encosto da poltrona e seguiu para o outro lado. Liam estava sentado na frente de Dominic por conveniência, devido só ter eles ali, mas Camille se sentou ao lado do rapaz e logo engataram uma conversa, meu palpite era que eles estavam rezando para isso acontecer. Liam sorriu satisfeito olhando o casal, e logo voltou a sua atenção a uma série na tela embutida à sua frente aconchegando os fones em seus ouvidos.


Não demorou mais que dez minutos até o vinho escolhido ser servido e logo em seguida, o jantar. Clara cuidou para a troca de poltronas não deixar a filha desconfortável, ela sabia que uma hora isso iria acontecer e a vida precisava seguir o fluxo. Crescer, quem sabe casar e seguir em frente. 


— Estão ansiosos para rever seus familiares? — Clara perguntou enquanto dava sua primeira garfada, ela havia pedido filé de dourado, batatas fondant e mexilhões.


— Estou sim, meus pais são demais e eu sinto muito a falta deles. — Dominic foi verdadeiro, Clara podia sentir a ternura em sua voz, e isso fez derreter o coração de Camille ao ouvir.


— E, desculpe perguntar, mas eles trabalham no que? — Fazia muito tempo que Clara não usava aquela expressão desafiadora e olhar afiado, já sua filha ligou o modo alerta para intervir caso a mãe passasse dos limites.


— Meu pai é dono de um bar e minha mãe o ajuda a administrar — Clara não sabia se a tranquilidade do rapaz era devido a pouca idade, ou ele se sentia assim realmente, ouviu ele atentamente. — Caso precise de um local adequado para tomar um drink e sair com as amigas enquanto estiver em casa, eu convido a senhora para conhecer, fica na ilha mesmo e eu posso buscar vocês — por essa Clara não esperava, e pela apresentação que o rapaz fez em seguida sobre o local, não conseguiu segurar sua face entusiasmada e olhos atentos.


— Gostei — respondeu devagar e pensativa com o olhar fixo imaginando como seria o lugar, enfim tornou a olhar para o rapaz — podemos marcar antes das festas de fim de ano.


— Melhor ainda — fez a proposta com um tom animado e brilho nos olhos — o bar ficará aberto para o reveillon, então vocês podem passar lá, tem uma vista linda para as balsas com os fogos.


Ainda pensativa concordou com a cabeça balançando devagar. Com um estalar de dedos ela esticou as costas e levantou o olhar.


— Gostei da ideia! Vou ver com nossa família o que eles planejaram e a Camille combina com vocês. — então ela se virou para Liam, para não deixar o rapaz desconfortável — e os seus pais?


— Ah, meu pai é militar e minha mãe é enfermeira, ela sempre o acompanhava para onde ele viajava quando trocava de base, então eu ficava mais na casa do Dom — sua expressão melancólica tocou no coração de Clara, em seguida sua expressão se suavizou — mas faz uns dois anos que eles se divorciaram e agora ela ajuda as tias do Dom na clínica, e agora vejo mais ela durante as férias.


— É uma profissão muito difícil, tenho certeza de que eles sentem muito a sua falta, mas aprecio sua coragem de ficar com seu amigo do que se mudar constantemente — a expressão do rapaz ruborizou de leve, acrescentando um sorriso aliviado.


Terminaram a refeição silenciosamente, cada um absorvendo a conversa que tiveram. Camille ficou satisfeita com o rumo da conversa, então só começou a tagarelar sobre o que ela iria fazer nas férias. 


Clara se tornou a coadjuvante da conversa e só ouviu o que os amigos conversavam, enquanto bebericava seu vinho. O que ela não sabia era a conexão desses garotos com o seu passado. Camille os ajudava com o inglês e o francês e vez ou outra em que falavam português ela reconheceu aquele sotaque familiar que ela julgava inofensivo e por isso, ela não se surpreendeu quando eles fizeram a conexão para o mesmo aeroporto. Clara, que escondia um profundo segredo, não fazia ideia de que a vida desses garotos se cruzariam com a dela de forma tão inesperada. 


• ◆ •

Depois de onze horas atravessando o atlântico, e mais de uma hora de São Paulo até a ilha de Santa Catarina, era impossível chegar ao Aeroporto Internacional de Florianópolis sem se levantar e esticar os braços para se despreguiçar, mesmo não sendo uma cama convencional e ainda mais dentro de um avião que tem balanços e outras movimentações que atrapalham um sono contínuo.


Clara conseguiu descansar um pouco, assim como Liam, que dormiu em um sono profundo o máximo que pode. Já Camille, não havia dormido muito assim como Dominic, a noite passou em um piscar de olhos para o jovem casal e quanto perceberam já eram três da manhã. O resultado não podia ser outro: olhos sensíveis a luz, sonolência e Dominic com um braço dormente por passar o tempo todo de mãos dadas com Camille para que ela ficasse confortável, agora seu braço esquerdo estava completamente dormente, assim como seu coração.


Era quase meio dia e o sol de dezembro estava a pino, beirando trinta graus, e os planos para o dia estavam cronometrados, colocaram seus óculos escuros e aguardaram o comissário abrir a porta para saírem do avião.


— Dominic e Liam, — Clara chamou a atenção dos meninos enquanto procurava pela mala na esteira de bagagens — Camille me falou que vocês moram em Jurerê Internacional também, meu irmão vem buscar a gente e posso deixar vocês no caminho.


— Se não for atrapalhar vocês, — pensou um pouco antes de responder — hum, podemos sim, não é Dom?


— Nós vamos passar no bar do meu pai para ver eles, e depois vamos pra casa. — Dominic pegou sua mala e logo alcançou a de Camille — Acho que da para irmos no mesmo carro, sim.


— Ah combinado então, nós vamos no banheiro nos trocar e encontramos vocês, é rapidinho — Camille puxou a alça da sua mala e esperou pela mãe para a acompanhar até o banheiro, continuar com aquelas roupas pesadas era sinônimo de deboche por parte do tio pelo verão inteiro.


• ◆ •

Uma hora depois...


Clara digitou a senha da porta frontal da casa de veraneio da família, e se surpreendeu ao ver seus pais sentados no sofá da ampla sala e ficaram de pé, com muito custo, assim que a porta se abriu revelando a chegada de sua família. Fazia mais de seis meses que não os via, mas notou que eles estavam mais velhos do que da última vez.


— Pai, mãe — Clara chamou em um sussurro tentando conter as lágrimas, assim como uma represa prestes a romper. Como plumas ao vento, seus pés seguiram até seus pais, não foi fácil segurar a emoção e a saudade rolou pela face de Clara. Camille juntou-se a eles deixando sapatos e mala no hall de entrada para um abraço em família que aconchega qualquer coração, cheio de carícias e beijinhos estalados. Nisso, Augusto não se conteve em apenas observar a cena e abraçou em uma última camada.


Fazia quase um ano que avós e neta não se viam e essa ausência era tempo demais, Dona Maria sentia o peso dos anos em seu corpo e sabia que cada dia era um a menos em sua vida e por isso queria passar o máximo de tempo com a família reunida. Ela já havia suplicado à suas filhas que voltassem a morar todos juntos depois que a filha enviuvou, e elas prometeram assim que Camille terminasse a faculdade, mas quatro anos pareciam se arrastar mais que o esperado.


— Venha minha filha, — chamou seu pai com a voz rouca da idade — quero te mostrar umas flores novas que plantei no jardim, deixa elas conversarem.


Augusto aproveitou a deixa e acompanhou o pai sem desgrudar da irmã até o jardim também. Ele era pequeno quando a irmã saiu do país para estudar fora, mas mesmo assim sentia falta dela e ficava tão grudento quanto cera de abelha quando ela vinha visitar durante as férias de inverno.


— Vó — Camille chamou amansando a voz com uma ponta de súplica dolorida ao reparar que sua avó estava coberta por fios de linha de diversas cores, denunciando o que estava fazendo antes de ser interrompida

— Oi minha netinha linda! — respondeu docemente a senhora derretida pela neta, já especulando a bronca que viria a seguir.

— Nessa idade ainda costurando, seus pulsos não doem? — Acrescentou em um tom de reprovação.

— Meus joelhos doem mais — a avó ergueu os ombros e seus lábios franzindo em um biquinho, como se dissesse: "Ah, as dores da idade... mas o que posso fazer?". Agora com as mãos na cintura ela desafiou a jovem menina — e como pode minha linda neta, que nasceu e cresceu no país da moda vestir roupas que sua velha vó fez em um quartinho nos fundos do quintal?


Camille olhou para baixo, para sua própria roupa e teve que concordar, seu guarda roupa tinha das mais variadas marcas de luxo e todas caríssimas, mas sempre preferia usar as roupas básicas e para esse passeio ela escolheu uma bermuda de linho bege e uma camisa branca de malha, ambos feitos pela dona Maria.


— Como eu poderia usar marcas de luxo tendo uma avó costureira que faz roupas tão incríveis e cem por cento exclusivas? — respondeu com uma carinha fofa piscando os olhinhos que a fez ser abraçada em seguida, sua avó nunca sentiu tanto orgulho de si mesma e de sua descendente.


— Trouxe o que eu te pedi? — perguntou mudando de assunto depois de passada a melancolia.


A pergunta da senhora idosa fez a expressão da moça mudar e seu rosto transformou abrindo um largo sorriso maroto, em seguida correu buscar sua mala indo em um pé e voltando no outro.


— Como eu poderia esquecer? — disse Camille com um sorriso satisfeito levantando um vestido em frente ao seu corpo para que sua avó pudesse ver como um manequim.


— Ele é mais lindo do que eu imaginei! Vamos fazer uns ajustes e estará perfeito para o natal!


PRÓXIMO CAPÍTULO DISPONÍVEL:

• VINTE E TRÊS •

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