═══ • ◆ • ═══ Uma vida surgiu do caos. ═══ • ◆ • ═══ • Flashback, uma semana depois de descobrir a gravidez • A ideia...

• Vinte e Sete •



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Uma vida surgiu do caos.

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• Flashback, uma semana depois de descobrir a gravidez •

A ideia de ter traído seu namorado tirou o sono de Clara. Se sua mãe soubesse iria dizer "não criei filha assim", era inadmissível. Por isso decidiu terminar com Rodrigo imediatamente quando ele acordou, no dia seguinte à festa de inauguração.

Pensou em Amélia, sua melhor amiga desde que aprendera a andar. Ela conhecia bem a amiga e sabia que se ela abriu seus sentimentos para Diego, era porque o amava de verdade, e então resolveu enterrar seu amor por Diego, tudo pela sua amizade com Amélia.

Ninguém saberia sobre o que acontecera naquele dia, porém um mês depois sentindo sintomas característicos de gravidez, ela faz um teste e confirmou que estava grávida.

Os dias passaram insuportáveis para Clara, ela mal conseguiu se olhar no espelho para pentear os cabelos, se sentia um lixo de ser humano e como foi fazer isso sem se cuidar gerando um filho?

Um filho.

Ele era testemunho do seu amor, e com um estalo no ouvido ela ergueu a cabeça dizendo a si mesma "vou proteger meu amor com a minha vida".

Dias depois Caio pediu para encontrá-la. Ele acabou desistindo de convencê-la a ir para a Europa, pois já não tinha mais argumentos e nada poderia fazer. Então como um gesto de trégua ele a convidou para ir em um parque de diversões no seu último dia na cidade, e ela aceitou.

As luzes do parque no fim de tarde deixava Clara eufórica, esquecendo por um momento de seus problemas. Dizia "uaau" boquiaberta e os olhos mais abertos observando tudo.

Caio com seus olhos brilhantes observava Clara sorrindo e se divertindo olhando os brinquedos girando e os gritos eletrizantes.

— Você gosta de vir aqui? — Era nítida a curiosidade em sua voz, nesse tempo em que conhecera a moça, ele se encantou mais a cada dia.

Clara assentiu vagarosamente, limitou-se a encará-lo apenas quando falou. — Gosto sim, sempre venho aqui quando eles visitam a cidade.

Em meio a gritos estridentes e risadas contagiantes, uma música pop recém-lançada, sucesso nas rádios, tocava nos alto-falantes. Com batida eletrônica e refrão grudento, energizava o parque, fazendo todos balançarem a cabeça e cantarolar. A melodia vibrante e as letras otimistas eram irresistíveis, fazendo todos se entregarem à diversão, tanto jovens quanto adultos.

— Então vamos no carrossel? — O rapaz quebrou o silêncio apontando para o brinquedo todo colorido no meio do parque, os cavalinhos subiam e desciam enquanto seguiam seu caminho.

A moça deu um passo para traz cruzando os braços — Eu acho que não posso ir. — Sua expressão mudou rapidamente para uma preocupada.

Primeiramente Caio ficou confuso e ponderou sobre o que a jovem loira estava querendo recusar. Respirou fundo e perguntou apontando para o letreiro "Carrossel" atrás de si. — No brinquedo ou para a Europa?

Clara desviou os olhos e não respondeu imediatamente, depois de respirar fundo, sentindo-se exausta pela enxurrada de pensamentos, respondeu em um fiapo de voz, olhando para os tênis com o cadarço e bico brancos. — Ambos, eu estou grávida.

Caio, incrédulo, desceu o olhar parando em um reflexo que chamou a atenção. Havia um espelho onde ele conseguia ver a imagem refletida de Clara. Sua expressão sofrida, embora ela estivesse cheia de amor enquanto esfregava a barriga. Ele rapidamente pensou em um plano de ajudar a moça, ele sentiu isso no coração, mas não queria parecer rude ou arrogante.

— Eu posso te ajudar, mas antes preciso saber de algumas coisas. — ela assentiu, ainda com vergonha de o encarar nos olhos — E o pai?

Ela fez que não com a cabeça — é complicado — uma lágrima escorreu até seu queixo, ela nem quis interromper a gota em seu trajeto.

Ele se aproximou da moça com as mãos prontas para acariciar a barriga pouco protuberante enquanto com a outra secou seu rosto. Clara deixou que ele sentisse o fruto que crescia em seu ventre. Ainda tinha medo, mas se sentiu confortada por Caio naquele momento.

— Eu assumo seu bebê! — Parecia imprudente, mas havia muito tempo que ele pensava nisso. — Você vai ter um lar e pessoas para te ajudar e apoiar, mas eu só consigo se você vier comigo. Eu juro que eu e meu pai só queríamos te ajudar pelo seu talento, mas a primeira vez que eu te vi eu me apaixonei, e eu iria usar esse propósito para te convencer a ir, mas vejo que agora é por outra causa.

Surpreendendo Clara completamente, ele tirou uma caixinha de veludo preta do bolso e se ajoelhou na sua frente.

— Clara, aceita casar comigo? — ele abriu a caixinha e um anel solitário discreto com adornos ao redor do aro.

Clara pensou por um momento. Caio esperou. Até por que sabia o peso dessa resposta — Sim, eu aceito.

Com um sorriso radiante, ele beijou a barriga de Clara, como se selasse um pacto de amor. Em seguida, ergueu-se e deslizou o anel no dedo dela, um símbolo de seu compromisso. A caixinha, agora vazia, repousou em suas mãos, enquanto aplausos ecoavam ao redor. Estranhos, testemunhas daquele momento mágico, gritavam em uníssono: "Beija, beija, beija!"

Caio, tomado por um nervosismo súbito, hesitou. As palavras, antes tão eloquentes, sumiram de sua mente. Mas a multidão, como um coro insistente, não os deixaria em paz. Com um olhar silencioso, ele buscou permissão em Clara, que assentiu com um sorriso. A aproximação foi suave, um encontro de almas. O aroma de Clara, doce e inebriante, envolveu Caio, fazendo seu coração disparar. Seus lábios se encontraram em um beijo apaixonado, uma promessa silenciosa de amor eterno.

Clara, transportada para um mundo à parte, sentiu-se envolta em um calor reconfortante. O beijo de Caio, diferente de tudo que já havia experimentado, transmitia sinceridade e segurança. Suas mãos, guiadas por um impulso irresistível, encontraram o ombro e a nuca de Caio, aprofundando o beijo.

Aos poucos, a multidão se dispersou, deixando o casal a sós. O silêncio, agora cúmplice, permitiu que eles se separassem, ainda conectados pela magia do momento.

— Logo vai começar a inchar, você pode guardar o anel na caixinha até voltar ao normal.

— Tudo bem — concordou ela, aliviada de diversas formas. Uma dúvida lhe pousou na mente, franziu o cenho. — Mas como vamos fazer?

— Eu preciso voltar amanhã para resolver umas coisas, meu voo sai cedo. Enquanto isso você pode ir tirando o passaporte e arrumando as malas. Leve o básico, nós compramos o que precisar lá. Meu pai pode te ajudar a conseguir os documentos mais rapidamente.

Com um sorriso fraco, Clara assentiu, a garganta apertada pela emoção. Após um sorvete, Caio a levou para casa, o silêncio preenchido pela melodia suave do rádio.

No calor do lar, Clara compartilhou a decisão de partir para a Europa com Caio. A gravidez e o noivado, segredos guardados a sete chaves, seriam revelados em outro momento. Seus pais, embora com o coração apertado pela distância, apoiaram a filha. Perceberam, com a sabedoria de pais, que a mudança seria um bálsamo para a alma de Clara.


• Tempo atual, dia seguinte ao reencontro no bar de Henrique •

O ar salgado e úmido da ilha, que normalmente trazia paz, agora parecia carregado de uma tensão que deixava Clara inquieta. O clima tropical que antes a aquecia agora a fazia sentir um gélido frio na espinha. Clara acordou com a convicção de fazer as pazes com seu passado, mas a ideia de enfrentar Amélia a deixava nervosa. O coração martelava em suas costelas como um pássaro preso em uma gaiola.

Decidiu que era hora de visitar sua amiga de infância.

Vestiu sua roupa mais comportada e dirigiu até o cemitério. Raios dourados brincavam entre as lápides, iluminando nomes gravados na pedra, como se tentassem apagar as marcas do tempo. A natureza, em sua exuberância, contrastava com a melancolia do lugar. O perfume das flores frescas, o cheiro úmido da terra, o canto dos pássaros ecoava entre os túmulos.

O cemitério, que antes lhe parecia familiar, agora se mostrava como um labirinto de memórias. — Dona Tereza disse que era por aqui, cadê o anjo? Nossa, isso está mais cheio desde a última vez que estive aqui — murmurou, a voz embargada.

Clara inspirou fundo. Passando seus olhos pelas lápides, imediatamente reconheceu o nome e a foto da amiga, um pouco surrada pelo tempo em uma cerâmica na cabeceira de um túmulo de mármore cinza. As lembranças da infância inundaram sua mente: as tardes de brincadeiras, os segredos compartilhados, a promessa de amizade eterna.

Amélia descansava junto da avó, a mesma que as haviam acolhido com doces e histórias quando eram pequenas. Ao tocar a fria pedra, Clara sentiu um nó na garganta e uma onda de saudade a invadiu. Lembrava-se das tardes de risadas, dos sonhos de infância, e da dor da perda.

Uma lágrima solitária escorregou pelo seu rosto, misturando-se com a umidade da grama. As rosas amarelas que havia trazido pareciam murchas em comparação com a vivacidade das lembranças que floresciam em sua mente. Depositou as flores sobre a lápide, sussurrando um pedido de perdão e prometendo nunca mais esquecer a amiga.

A notícia da morte de Amélia a deixou em pedaços. A imagem de Amélia, sorrindo em meio aos destroços do carro, a perseguia em pesadelos. A culpa era uma pedra pesada em seu peito. A vida, que parecia tão perfeita em seu novo lar na Europa, agora parecia vazia e sem sentido.

Se ela tivesse escolhido a amizade em vez da paixão, talvez Amélia ainda estaria viva. Naquele dia chuvoso, Clara se ajoelhou diante do caixão, as lágrimas borrando a foto da amiga. A igreja, onde tantas vezes haviam compartilhado risadas e sonhos, agora era um lugar de luto e tristeza. A fragrância das flores brancas contrastava com a dor em seu coração. A última vez que haviam se visto, naquela noite de verão, Amélia a olhara com um misto de tristeza e raiva. As palavras de despedida ecoavam em seus ouvidos, um lembrete constante de sua traição.

• Flashback, duas horas depois do encontro com Caio no parque de diversões •

O som das ondas se chocando na beira da praia era como o eco das batidas do coração de Clara, aproximou-se da amiga sentada em um tronco oco esfregando as mãos em puro nervosismo.

— Oi Amélia, te chamei aqui porque preciso te contar algo importante. — Clara começou, a voz embargada.

Amélia que fitava o mar, virou-se e percebeu rapidamente que algo preocupava sua amiga, podia ver mesmo sob a penumbra da noite.

— Estou grávida. — A luz da lua iluminava seu rosto, revelando uma mistura de emoções.

— Isso é... — ela pausou, buscando as palavras certas — isso é maravilhoso, Clara. Já contou para o Rodrigo? O que ele disse?

Clara desviou o olhar para a areia em seus pés, buscando coragem para explicar o inexplicável.

— Não... é que... — ela hesitou, as palavras ficando presas na garganta. — O pai do bebê é o Diego.

Amélia congelou, o olhar perdido no horizonte. O vento carregava o sal do mar, mas era a amargura que pairava no ar. 

A cada pergunta seu tom aumentava, a dor cortava sua garganta por dentro. — Você... você traiu o Rodrigo com o Diego? O meu namorado?

Clara assentiu, as lágrimas rolando pelo rosto. — Eu sei que não tenho justificativa. A gente se conhece desde sempre, e eu... eu te amava como uma irmã. Mas deixa eu explicar — tentou segurar com as mãos trêmulas as de Amélia, que se desvencilhou.

Levantou-se bruscamente, a areia cedendo sob seus pés. — Você mentiu pra mim, Clara! Como você pôde? — A raiva em seus olhos era intensa. — Eu sempre te apoiei em tudo, e você me apunhala assim pelas costas?

Não teve a oportunidade de contar sua história, ela nem faria sentido aos ouvidos de Amélia nesse momento.

Clara se sentiu diminuída, insignificante. A praia, que antes era um refúgio, agora era um palco para sua humilhação. — Eu sei, eu sei que não tenho o direito de pedir seu perdão. Só queria que você soubesse a verdade.

Amélia olhou para Clara com olhos que antes brilhavam de amizade, agora obscurecidos pela tristeza. — E agora o que vai fazer? — A voz dela era baixa, mas carregada de uma raiva que cortava como um facão.

Clara engoliu em seco, as palavras presas na garganta. — Eu vou para a Europa, vou começar uma nova vida.

— E o Diego? Ele sabe? Vai continuar com ele? — Amélia afastou-se de costas para Clara, as mãos na cabeça e os cabelos revoltos, um espelho de sua ira.

Clara sentiu um nó na garganta. A ideia de perder Diego para sempre era insuportável, mas a amizade com Amélia era algo que ela nunca imaginou que pudesse perder. — Ele não sabe e não vou contar.

Amélia virou-se para ela, os olhos marejados. — Prometa-me que nunca mais vai procurá-lo.

Clara assentiu com a cabeça, as lágrimas rolando pelo rosto. — Prometo.

As duas mulheres ficaram em silêncio por um longo tempo, cada uma lutando com seus próprios demônios. A praia, que antes era um lugar de felicidade e cumplicidade, agora era um testemunho da dor e da traição.

Amélia caminhou em direção ao mar, uma figura solitária se perdendo na imensidão. Clara ficou ali, sentada na areia, observando a amiga se afastar. A promessa de amizade que haviam feito na infância agora parecia um eco distante, perdido nas ondas do mar.

Em seu quarto, outrora refúgio de sonhos e confidências, Clara desmoronou. As lágrimas, como um rio caudaloso, lavaram a dor da despedida. Os laços com os irmãos, a amiga, a família, os vizinhos, os amigos... tudo se desfazia em um turbilhão de emoções. A solidão, como um manto pesado, a envolvia, sufocando qualquer vestígio de alegria. Exausta, após horas de choro, Clara adormeceu, o travesseiro úmido testemunha silenciosa de sua dor.


• Tempo atual, de volta ao cemitério •

— Desculpe-me, amiga, mas vim pedir sua permissão. A promessa de nunca mais vê-lo, de esquecer nossos sentimentos, acabou junto com você nesse túmulo há muito tempo. — O choro de Clara era livre agora, liberando a dor que a consumia há anos. Ela se ajoelhou diante da lápide, as mãos tremendo. Lembrava-se daquela noite, quando, cega pela tristeza, havia feito a promessa que agora a atormentava. 'Nunca mais vou me aproximar de Diego', havia dito, mas o destino havia traçado um caminho diferente para elas.

O vento uivava entre as árvores, balançando os galhos como braços desesperados. Clara ajoelhou-se diante da lápide de Amélia, a fria pedra transmitindo um arrepio sua pele. A vela, solitária e frágil, desafiava a fúria do vento, sua chama vacilante como um reflexo de sua alma dividida.

Lembrava-se da promessa feita sob a sombra da traição, uma promessa que a havia aprisionado por anos. Mas agora, neste lugar sagrado, sentia que estava livre. A chama da vela, que antes tremia hesitante, começou a brilhar com intensidade, banhando a lápide em uma luz suave. Era como se Amélia, em sua infinita bondade, estivesse abençoando sua decisão.

Agora sentia uma paz estranha. Era como se, ao finalmente enfrentar o passado, tivesse libertado uma parte de si mesma.

PRÓXIMO CAPÍTULO DISPONÍVEL:

• VINTE E OITO

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