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Uma vida surgiu do caos.
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• Flashback, uma semana depois de descobrir a gravidez •
A ideia de ter traído seu namorado tirou o sono de Clara. Se sua mãe soubesse
iria dizer "não criei filha assim", era inadmissível. Por isso decidiu
terminar com Rodrigo imediatamente quando ele acordou, no dia seguinte à festa
de inauguração.
Pensou em Amélia, sua melhor amiga desde que aprendera a andar. Ela conhecia
bem a amiga e sabia que se ela abriu seus sentimentos para Diego, era porque o
amava de verdade, e então resolveu enterrar seu amor por Diego, tudo pela sua
amizade com Amélia.
Ninguém saberia sobre o que acontecera naquele dia, porém um mês depois
sentindo sintomas característicos de gravidez, ela faz um teste e confirmou
que estava grávida.
Os dias passaram insuportáveis para Clara, ela mal conseguiu se olhar no
espelho para pentear os cabelos, se sentia um lixo de ser humano e como foi
fazer isso sem se cuidar gerando um filho?
Um filho.
Ele era testemunho do seu amor, e com um estalo no ouvido ela ergueu a cabeça
dizendo a si mesma "vou proteger meu amor com a minha vida".
Dias depois Caio pediu para encontrá-la. Ele acabou desistindo de convencê-la
a ir para a Europa, pois já não tinha mais argumentos e nada poderia fazer.
Então como um gesto de trégua ele a convidou para ir em um parque de diversões
no seu último dia na cidade, e ela aceitou.
As luzes do parque no fim de tarde deixava Clara eufórica, esquecendo por um
momento de seus problemas. Dizia "uaau" boquiaberta e os olhos mais abertos
observando tudo.
Caio com seus olhos brilhantes observava Clara sorrindo e se divertindo
olhando os brinquedos girando e os gritos eletrizantes.
— Você gosta de vir aqui? — Era nítida a curiosidade em sua voz, nesse tempo
em que conhecera a moça, ele se encantou mais a cada dia.
Clara assentiu vagarosamente, limitou-se a encará-lo apenas quando falou. —
Gosto sim, sempre venho aqui quando eles visitam a cidade.
Em meio a gritos estridentes e risadas contagiantes, uma música pop
recém-lançada, sucesso nas rádios, tocava nos alto-falantes. Com batida
eletrônica e refrão grudento, energizava o parque, fazendo todos balançarem a
cabeça e cantarolar. A melodia vibrante e as letras otimistas eram
irresistíveis, fazendo todos se entregarem à diversão, tanto jovens quanto
adultos.
— Então vamos no carrossel? — O rapaz quebrou o silêncio apontando para o
brinquedo todo colorido no meio do parque, os cavalinhos subiam e desciam
enquanto seguiam seu caminho.
A moça deu um passo para traz cruzando os braços — Eu acho que não posso ir. —
Sua expressão mudou rapidamente para uma preocupada.
Primeiramente Caio ficou confuso e ponderou sobre o que a jovem loira estava
querendo recusar. Respirou fundo e perguntou apontando para o letreiro
"Carrossel" atrás de si. — No brinquedo ou para a Europa?
Clara desviou os olhos e não respondeu imediatamente, depois de respirar
fundo, sentindo-se exausta pela enxurrada de pensamentos, respondeu em um
fiapo de voz, olhando para os tênis com o cadarço e bico brancos. — Ambos, eu
estou grávida.
Caio, incrédulo, desceu o olhar parando em um reflexo que chamou a atenção.
Havia um espelho onde ele conseguia ver a imagem refletida de Clara. Sua
expressão sofrida, embora ela estivesse cheia de amor enquanto esfregava a
barriga. Ele rapidamente pensou em um plano de ajudar a moça, ele sentiu isso
no coração, mas não queria parecer rude ou arrogante.
— Eu posso te ajudar, mas antes preciso saber de algumas coisas. — ela
assentiu, ainda com vergonha de o encarar nos olhos — E o pai?
Ela fez que não com a cabeça — é complicado — uma lágrima escorreu até seu
queixo, ela nem quis interromper a gota em seu trajeto.
Ele se aproximou da moça com as mãos prontas para acariciar a barriga pouco
protuberante enquanto com a outra secou seu rosto. Clara deixou que ele
sentisse o fruto que crescia em seu ventre. Ainda tinha medo, mas se sentiu
confortada por Caio naquele momento.
— Eu assumo seu bebê! — Parecia imprudente, mas havia muito tempo que ele
pensava nisso. — Você vai ter um lar e pessoas para te ajudar e apoiar, mas eu
só consigo se você vier comigo. Eu juro que eu e meu pai só queríamos te
ajudar pelo seu talento, mas a primeira vez que eu te vi eu me apaixonei, e eu
iria usar esse propósito para te convencer a ir, mas vejo que agora é por
outra causa.
Surpreendendo Clara completamente, ele tirou uma caixinha de veludo preta do
bolso e se ajoelhou na sua frente.
— Clara, aceita casar comigo? — ele abriu a caixinha e um anel solitário
discreto com adornos ao redor do aro.
Clara pensou por um momento. Caio esperou. Até por que sabia o peso dessa
resposta — Sim, eu aceito.
Com um sorriso radiante, ele beijou a barriga de Clara, como se selasse um
pacto de amor. Em seguida, ergueu-se e deslizou o anel no dedo dela, um
símbolo de seu compromisso. A caixinha, agora vazia, repousou em suas mãos,
enquanto aplausos ecoavam ao redor. Estranhos, testemunhas daquele momento
mágico, gritavam em uníssono: "Beija, beija, beija!"
Caio, tomado por um nervosismo súbito, hesitou. As palavras, antes tão
eloquentes, sumiram de sua mente. Mas a multidão, como um coro insistente, não
os deixaria em paz. Com um olhar silencioso, ele buscou permissão em Clara,
que assentiu com um sorriso. A aproximação foi suave, um encontro de almas. O
aroma de Clara, doce e inebriante, envolveu Caio, fazendo seu coração
disparar. Seus lábios se encontraram em um beijo apaixonado, uma promessa
silenciosa de amor eterno.
Clara, transportada para um mundo à parte, sentiu-se envolta em um calor
reconfortante. O beijo de Caio, diferente de tudo que já havia experimentado,
transmitia sinceridade e segurança. Suas mãos, guiadas por um impulso
irresistível, encontraram o ombro e a nuca de Caio, aprofundando o beijo.
Aos poucos, a multidão se dispersou, deixando o casal a sós. O silêncio, agora
cúmplice, permitiu que eles se separassem, ainda conectados pela magia do
momento.
— Logo vai começar a inchar, você pode guardar o anel na caixinha até voltar
ao normal.
— Tudo bem — concordou ela, aliviada de diversas formas. Uma dúvida lhe pousou
na mente, franziu o cenho. — Mas como vamos fazer?
— Eu preciso voltar amanhã para resolver umas coisas, meu voo sai cedo.
Enquanto isso você pode ir tirando o passaporte e arrumando as malas. Leve o
básico, nós compramos o que precisar lá. Meu pai pode te ajudar a conseguir os
documentos mais rapidamente.
Com um sorriso fraco, Clara assentiu, a garganta apertada pela emoção. Após um
sorvete, Caio a levou para casa, o silêncio preenchido pela melodia suave do
rádio.
No calor do lar, Clara compartilhou a decisão de partir para a Europa com
Caio. A gravidez e o noivado, segredos guardados a sete chaves, seriam
revelados em outro momento. Seus pais, embora com o coração apertado pela
distância, apoiaram a filha. Perceberam, com a sabedoria de pais, que a
mudança seria um bálsamo para a alma de Clara.
• Tempo atual, dia seguinte ao reencontro no bar de
Henrique •
O ar salgado e úmido da ilha, que normalmente trazia paz, agora parecia
carregado de uma tensão que deixava Clara inquieta. O clima tropical que antes
a aquecia agora a fazia sentir um gélido frio na espinha. Clara acordou com a
convicção de fazer as pazes com seu passado, mas a ideia de enfrentar Amélia a
deixava nervosa. O coração martelava em suas costelas como um pássaro preso em
uma gaiola.
Decidiu que era hora de visitar sua amiga de infância.
Vestiu sua roupa mais comportada e dirigiu até o cemitério. Raios dourados
brincavam entre as lápides, iluminando nomes gravados na pedra, como se
tentassem apagar as marcas do tempo. A natureza, em sua exuberância,
contrastava com a melancolia do lugar. O perfume das flores frescas, o cheiro
úmido da terra, o canto dos pássaros ecoava entre os túmulos.
O cemitério, que antes lhe parecia familiar, agora se mostrava como um
labirinto de memórias. — Dona Tereza disse que era por aqui, cadê o anjo?
Nossa, isso está mais cheio desde a última vez que estive aqui — murmurou, a
voz embargada.
Clara inspirou fundo. Passando seus olhos pelas lápides, imediatamente
reconheceu o nome e a foto da amiga, um pouco surrada pelo tempo em uma
cerâmica na cabeceira de um túmulo de mármore cinza. As lembranças da infância
inundaram sua mente: as tardes de brincadeiras, os segredos compartilhados, a
promessa de amizade eterna.
Amélia descansava junto da avó, a mesma que as haviam acolhido com doces e
histórias quando eram pequenas. Ao tocar a fria pedra, Clara sentiu um nó na
garganta e uma onda de saudade a invadiu. Lembrava-se das tardes de risadas,
dos sonhos de infância, e da dor da perda.
Uma lágrima solitária escorregou pelo seu rosto, misturando-se com a umidade
da grama. As rosas amarelas que havia trazido pareciam murchas em comparação
com a vivacidade das lembranças que floresciam em sua mente. Depositou as
flores sobre a lápide, sussurrando um pedido de perdão e prometendo nunca mais
esquecer a amiga.
A notícia da morte de Amélia a deixou em pedaços. A imagem de Amélia, sorrindo
em meio aos destroços do carro, a perseguia em pesadelos. A culpa era uma
pedra pesada em seu peito. A vida, que parecia tão perfeita em seu novo lar na
Europa, agora parecia vazia e sem sentido.
Se ela tivesse escolhido a amizade em vez da paixão, talvez Amélia ainda
estaria viva. Naquele dia chuvoso, Clara se ajoelhou diante do caixão, as
lágrimas borrando a foto da amiga. A igreja, onde tantas vezes haviam
compartilhado risadas e sonhos, agora era um lugar de luto e tristeza. A
fragrância das flores brancas contrastava com a dor em seu coração. A última
vez que haviam se visto, naquela noite de verão, Amélia a olhara com um misto
de tristeza e raiva. As palavras de despedida ecoavam em seus ouvidos, um
lembrete constante de sua traição.
• Flashback, duas horas depois do encontro com Caio no parque de
diversões •
O som das ondas se chocando na beira da praia era como o eco das batidas do
coração de Clara, aproximou-se da amiga sentada em um tronco oco esfregando as
mãos em puro nervosismo.
— Oi Amélia, te chamei aqui porque preciso te contar algo importante. — Clara
começou, a voz embargada.
Amélia que fitava o mar, virou-se e percebeu rapidamente que algo preocupava
sua amiga, podia ver mesmo sob a penumbra da noite.
— Estou grávida. — A luz da lua iluminava seu rosto, revelando uma mistura de
emoções.
— Isso é... — ela pausou, buscando as palavras certas — isso é maravilhoso,
Clara. Já contou para o Rodrigo? O que ele disse?
Clara desviou o olhar para a areia em seus pés, buscando coragem para explicar
o inexplicável.
— Não... é que... — ela hesitou, as palavras ficando presas na garganta. — O
pai do bebê é o Diego.
Amélia congelou, o olhar perdido no horizonte. O vento carregava o sal do mar,
mas era a amargura que pairava no ar.
A cada pergunta seu tom aumentava, a dor cortava sua garganta por dentro. —
Você... você traiu o Rodrigo com o Diego? O meu namorado?
Clara assentiu, as lágrimas rolando pelo rosto. — Eu sei que não tenho
justificativa. A gente se conhece desde sempre, e eu... eu te amava como uma
irmã. Mas deixa eu explicar — tentou segurar com as mãos trêmulas as de
Amélia, que se desvencilhou.
Levantou-se bruscamente, a areia cedendo sob seus pés. — Você mentiu pra mim,
Clara! Como você pôde? — A raiva em seus olhos era intensa. — Eu sempre te
apoiei em tudo, e você me apunhala assim pelas costas?
Não teve a oportunidade de contar sua história, ela nem faria sentido aos
ouvidos de Amélia nesse momento.
Clara se sentiu diminuída, insignificante. A praia, que antes era um refúgio,
agora era um palco para sua humilhação. — Eu sei, eu sei que não tenho o
direito de pedir seu perdão. Só queria que você soubesse a verdade.
Amélia olhou para Clara com olhos que antes brilhavam de amizade, agora
obscurecidos pela tristeza. — E agora o que vai fazer? — A voz dela era baixa,
mas carregada de uma raiva que cortava como um facão.
Clara engoliu em seco, as palavras presas na garganta. — Eu vou para a Europa,
vou começar uma nova vida.
— E o Diego? Ele sabe? Vai continuar com ele? — Amélia afastou-se de costas
para Clara, as mãos na cabeça e os cabelos revoltos, um espelho de sua ira.
Clara sentiu um nó na garganta. A ideia de perder Diego para sempre era
insuportável, mas a amizade com Amélia era algo que ela nunca imaginou que
pudesse perder. — Ele não sabe e não vou contar.
Amélia virou-se para ela, os olhos marejados. — Prometa-me que nunca mais vai
procurá-lo.
Clara assentiu com a cabeça, as lágrimas rolando pelo rosto. — Prometo.
As duas mulheres ficaram em silêncio por um longo tempo, cada uma lutando com
seus próprios demônios. A praia, que antes era um lugar de felicidade e
cumplicidade, agora era um testemunho da dor e da traição.
Amélia caminhou em direção ao mar, uma figura solitária se perdendo na
imensidão. Clara ficou ali, sentada na areia, observando a amiga se afastar. A
promessa de amizade que haviam feito na infância agora parecia um eco
distante, perdido nas ondas do mar.
Em seu quarto, outrora refúgio de sonhos e confidências, Clara desmoronou. As
lágrimas, como um rio caudaloso, lavaram a dor da despedida. Os laços com os
irmãos, a amiga, a família, os vizinhos, os amigos... tudo se desfazia em um
turbilhão de emoções. A solidão, como um manto pesado, a envolvia, sufocando
qualquer vestígio de alegria. Exausta, após horas de choro, Clara adormeceu, o
travesseiro úmido testemunha silenciosa de sua dor.
• Tempo atual, de volta ao cemitério •
— Desculpe-me, amiga, mas vim pedir sua permissão. A promessa de nunca mais
vê-lo, de esquecer nossos sentimentos, acabou junto com você nesse túmulo há
muito tempo. — O choro de Clara era livre agora, liberando a dor que a
consumia há anos. Ela se ajoelhou diante da lápide, as mãos tremendo.
Lembrava-se daquela noite, quando, cega pela tristeza, havia feito a promessa
que agora a atormentava. 'Nunca mais vou me aproximar de Diego', havia dito,
mas o destino havia traçado um caminho diferente para elas.
O vento uivava entre as árvores, balançando os galhos como braços
desesperados. Clara ajoelhou-se diante da lápide de Amélia, a fria pedra
transmitindo um arrepio sua pele. A vela, solitária e frágil, desafiava a
fúria do vento, sua chama vacilante como um reflexo de sua alma dividida.
Lembrava-se da promessa feita sob a sombra da traição, uma promessa que a
havia aprisionado por anos. Mas agora, neste lugar sagrado, sentia que estava
livre. A chama da vela, que antes tremia hesitante, começou a brilhar com
intensidade, banhando a lápide em uma luz suave. Era como se Amélia, em sua
infinita bondade, estivesse abençoando sua decisão.
Agora sentia uma paz estranha. Era como se, ao finalmente enfrentar o passado,
tivesse libertado uma parte de si mesma.
PRÓXIMO CAPÍTULO DISPONÍVEL:
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