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A mentira se constrói lentamente, como um castelo de areia,
mas a verdade chega como uma onda gigante,
que se forma no mar profundo e se quebra na praia com força avassaladora.
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— Mãe? Como estou? — Dona Maria parou para analisar sua filha em frente ao
espelho: as unhas foram pintadas com um tom de vermelho vibrante, os cabelos
ganharam ondas suaves e a maquiagem realçou os olhos azuis de Clara.
Ela se sentia de volta uma jovem de 14 anos se aprontando para o Furacão 2000,
mas agora tinha o dobro da idade, o vestido não era tão chamativo como naquela
época e dessa vez o sapato tinha um salto agulha e solado vermelho. E o mais
importante: ela ia se encontrar com os amigos em um bar com bebida alcoólica
de verdade.
— Você está linda, minha filha! — sua mãe colocou as mãos sobre a boca e seus
olhos se arregalaram ligeiramente enquanto exclamava, ela sabia que a filha
era bonita, mas depois de maquiada e com a roupa adequada para a noite ela
ficou sem palavras — simplesmente esplêndida, minha princesa!
— Obrigada, minha rainha — ela desviou o olhar do espelho e virou-se para
encarar sua mãe de frente, apoiou a mão atrás da orelha para destacar o
adorno. — E o brinco? Foi presente do Caio no nosso último aniversário de
casamento.
De repente o clima festivo e nostálgico se desintegrou no ar, dando lugar ao
clima pesado de tristeza e luto. Fazia pouco mais de um ano que Clara perdera
seu marido, o maior surfista mundial, o brasileiro Caio Pupo.
— É lindo filha! Mas vá logo, que está na sua hora, termine de se arrumar,
antes que você estrague a maquiagem. Eu não sei o quanto deve ser difícil
perder seu marido, porque o meu ainda está saudável e respirando — escapou uma
risada —, mas eu sei que a minha filha precisa seguir a vida, mesmo que não
encontre outra pessoa, ou se encontrar também, não há problema. Você é minha
joia rara, filha. Eu te amo e desejo toda felicidade para você em sua vida.
Dona Maria abraçou a filha segurando suas próprias lágrimas, porque ela sabia
o quanto a filha era sensível e provavelmente estava prestes a borrar a
maquiagem e estragar a noite.
— Vai logo — apressou sua mãe lhe entregando a bolsa e saindo pela porta o
tanto que suas pernas a deixavam se apressar.
Clara deu um forte suspiro mirando seu reflexo no espelho, sua mãe tinha
razão, sua vida não precisava parar. Lembrou de um momento em que estavam na
Itália antes de um circuito e abraçados observavam o nascer do sol na sacada
do hotel.
— Eu sei que meu trabalho é arriscado e eu seria um tolo se te prendesse por
causa disso — segurou em seu queixo fazendo Clara olhar em seus olhos.
— Tolo? Que conversa é essa, Caio? — sua expressão era de total confusão, mas
se suavizou em seguida.
— Só me prometa, Clara, que se algo acontecer comigo você vai seguir sua vida
sem olhar para trás. Eu estarei em paz em qualquer escolha que fizer, eu juro.
— Ele foi duro com ela para que ela entendesse a seriedade de suas intenções,
mas havia gentileza e amor em cada palavra.
— Eu prometo — respondeu olhando em seus olhos, mas foi puxada para um abraço
forte que trouxe para Clara um sentimento estranho de despedida que fez seu
coração apertar.
Com essa lembrança, Clara pegou o celular em cima da penteadeira e saiu atrás
da mãe, parou brevemente em frente a porta do quarto de Camille para chamá-la
batendo à porta levemente.
O endereço que Dominic passou não era muito longe dali, mas a pé seria
inviável de salto alto. A praia de Jurerê Internacional era dividido
basicamente em três partes, ao sul havia a área de marinas, depois vinha a
parte residencial, onde os pais de Clara moravam, e mais ao norte a área
turística com bares e restaurantes, baladas e outros comércios a beira mar. E
era para o último que estavam indo agora.
Fazia muito tempo que Clara não passava por aquele lugar, mas não estranhou o
trajeto que o motorista de aplicativo fez. Aquele caminho, outrora familiar,
agora a transportava para um mundo desconhecido, despertando uma nostalgia que
a emocionava. As luzes spots das casas noturnas pintavam o céu como um quadro
abstrato, e a cada esquina, uma nova fachada iluminada a convidava a entrar. O
vento quente da noite carregado pela fumaça dos cigarros eletrônicos
acariciava seu rosto, enquanto a vibração do carro ecoava em seu corpo,
acompanhando o ritmo da cidade. A ansiedade crescia a cada curva, e a
expectativa pela noite a consumia.
Chegando ao ponto final no aplicativo de GPS, o motorista parou o veículo e
confirmando o local no convite digital, Clara e Camille desceram. O nome do
bar era o destaque na fachada de pedras, decorada com um painel de madeira e
folhas de palmeira, uma decoração discreta. Pier Havana Lounge Bar.
Um segurança alto e forte guardava a porta de entrada, e após conferir o
convite ele as instruiu a solicitar o cartão VIP no balcão, que seria usado
para o consumo no estabelecimento.
— Vou mandar mensagem pro Dom pra avisar que chegamos — Camille abre a pequena
bolsa para pegar o celular, enquanto Clara se prontificou de pegar o cartão.
Entrando pela porta principal qualquer um ficaria encantado com a decoração
boho chique. O piso era dominado por madeira envernizada brilhante, nas
paredes a pedra dava uma sensação de aconchego. Na decoração os elementos como
palha e folhas verdes nativas traziam a simplicidade e o frescor da praia.
No ambiente tocava o melhor da Música Tropical Deep House de Ibiza, algumas
mesas já estavam ocupadas, uns se balançavam sob o som da leve batida, outro
riam alto alterados pelo álcool.
Com a vida de universitária, Camille nunca foi a nenhuma balada ou algo do
tipo, e mesmo que tivesse tempo, em Paris não teria nada comparado a esse
lugar. Automaticamente se tornou seu bar favorito no mundo.
— Olá, boa noite, sejam bem vindas — uma moça muito simpática as recepcionou
segurando um tablet junto ao corpo, pediu o cartão de comanda e retirou uma
caneta touch do bolso da camisa branca para fazer anotações — mesa para
quantos?
Clara avisou que estava esperando uns amigos e a recepcionista as levou até
uma mesa adequada.
— Olha só quem chegou — Dominic aproximou-se a passos largos e cumprimentou
cada uma com um beijo no rosto — vocês estão muito lindas esta noite.
— Obrigada querido — respondeu Clara, Camille agradeceu com um beijo discreto
no ar, Dominic corou levemente, mas só a recepcionista viu.
— O que querem beber? Posso preparar qualquer coisa, mesmo se não tiver no
cardápio.
— Hum, eu quero Margarita, — Camille disse depois pensar um pouco — e você
mãe?
— Duas então — sorriu para a filha e receberam um sinal para sentarem.
— Pode deixar, eu mesmo vou preparar para vocês, volto logo. — virou para a
recepcionista — ah você pode por elas naquela mesa ali — diz apontando — essa
mesa é muito boa, mas tenho uma surpresa pra minha futura namorada e aquela
mesa será perfeita para o que eu planejei.
Alguns minutos se passaram e Henrique entrou no salão, era impossível não
notar Clara, sua presença sempre iluminou qualquer ambiente, era como se
tivesse um holofote em cima de si onde tivesse; Seus passos automaticamente
seguiram até ela, faziam muitos anos que não tinha notícias, mas jamais se
esquecera do seu rosto.
— Clara? — inclinou um pouco a cabeça para ver sob a luz do ambiente e ter
certeza se era ela mesmo.
— Henrique? — perguntou retoricamente olhando em sua direção, já se pondo de
pé ao reconhecer o amigo dos irmãos que abalaram seu verão de 92 — que
surpresa te encontrar aqui!
— Eu que digo, que surpresa incrível! — abraçou Clara rapidamente com um beijo
estalado no rosto. — Eu quero muito falar com você, mas eu preciso encontrar
primeiro a mãe de uma amiga do meu filho, elas cuidaram dele muito bem
enquanto ele estudando fora e eu queria agradecer. — olhou em volta — meu
filho disse que elas estavam por aqui, mas não encontro, será que entendi
errado?
— E por acaso seu filho se chama Dominic? — Clara se alegrou com a descoberta
naquele momento, só deixou seu sorriso mais radiante.
— É sim, como você sabe? — perguntou incrédulo franzindo a testa entre os
olhos.
— Por acaso sou eu, e essa é minha filha Camille — a moça se pôs de pé para
cumprimentá-lo.
— Oi, eu sou a Camille — seu sorriso era idêntico ao de Clara, mas em seu
rosto havia um toque a mais que ele não se lembrou imediatamente.
— Ah, então só pode ser o destino. Muito prazer, Henrique. — respondeu
surpreso enquanto ligava os pontos em sua mente, mudou seu tom para
melancólico segurando as mãos de Clara — de coração, muito obrigada por vocês
darem essa atenção aos meninos, o Dom e o Liam ficariam realmente perdidos se
não tivessem vocês lá, e eles falam tanto de vocês, — abruptamente, adotou um
tom mais jovial e alegre — e meu Deus, como eles falam, mas não tivemos outra
oportunidade de nos conhecer.
— Imagina, só estou retribuindo um favor que recebi uma vez — Clara relembrou
da vez que um senhor muito simpático a abordou na loja de pranchas do Rodrigo,
lhe oferecendo uma bolsa de estudos em Paris.
Foi inesperado e a proposta a deixou muito desconfortável. Porque oras um
senhor mais velho lhe faria tal proposta na beira da praia? Mas para
provar que suas intenções eram genuínas ele solicitou uma conversa com seus
pais e com a ajuda do seu filho também.
Acontece que esse humilde senhor era dono de uma grande empresa no setor de
surf na Europa, lá eles faziam pranchas e outros adereços, roupas de
mergulho, tudo para o mundo aquático, e ver o talento escondido de Clara era
como encontrar uma joia rara dentro de uma concha recém aberta: precisava
ser polida antes de se tornar um brinco ou anel em uma vitrine de uma loja
de luxo.
Dona Maria e senhor Narciso nasceram na roça e viveram na praia, mas não
eram ingênuos, e precisou muitos encontros e provas de recomendação antes
deles decidirem deixar sua filha mais velha estudar fora do pais.
— Eu trabalhei no ramo a minha vida inteira — explicou o senhor
gesticulando — e eu vejo o talento emanando da pessoa quando eu vejo. A
filha de vocês tem esse talento e eu gostaria de lapidar. — E continuou
recostando no sofá velho da família. — Podem ter certeza de que ela terá
tudo por lá, um lar para viver, estudo e trabalho, eu quero realmente
investir no futuro da filha de vocês.
Depois de tanto pensar, por mais que estivesse tentados, eles jamais
obrigariam a filha a fazer algo que não quisesse, e caberia ela tomar a
decisão final.
— É verdade, você sumiu do nada e fiquei sabendo que você tinha ido à Paris
estudar — fez um sinal para elas se sentarem para não interromper a conversa,
o garçom chegou em seguida com as bebidas, serviu e avisou discretamente que
Dominic estava verificando pessoalmente os petiscos com o Cheff.
— Sim, eu fui para lá estudar, casei e essa é minha preciosa. — disse
segurando a mão da filha.
— Ela é linda, a sua cara — foi sincero, mas não podia deixar de notar a
semelhança naquele olhar. Ahá, como um estalo ele havia se lembrado com quem
ela também se parecia, seu amigo de infância.
— Parabéns pelo seu bar, ele é lindo — elogiou reparando no delicado lustre
acima da sua mesa, era como uma árvore rosé de cabeça para baixo e nas pontas
dos galhos fossem pontos de luz — me lembro que me disseram que esse era seu
sonho.
— Verdade, eu também adorei e olha que não fui a muitos bares.
— Ah é? — perguntou em tom de deboche — e a quantos você já foi?
— Bom, esse é o primeiro, e por isso é especial. — Ambos fizeram um sonoro "ah
entendi" tentando segurar o riso olhando pela perspectiva da garota.
— Então não puxou a sua mãe, porque ela não saia do Furacão 2000!
Com essa piada interna foi difícil segurarem a gargalhada, até Camille se
juntou a eles.
— Mas e o Liam? Onde ele está? — perguntou olhando ao redor na tentativa de
captar a presença do rapaz.
— Ele está logo ali — disse apontando para a janela grande, onde os fundos do
terreno dava para a praia e além dele no breu do mar apenas um ponto luminoso
podia ser notado, — na lancha do pai dele, no caso, ele está com a namorada e
acho que vai passar a noite com ela.
Dominic se aproximou com a ajuda do garçom. Por um momento, Clara observou o
rapaz servir os petiscos. Seus ombros largos, a barba por fazer e a segurança
em seus movimentos a fizeram piscar, surpresa. Não era mais o adolescente que
ela conhecia, aquele que vinha à sua casa com a mochila nas costas, pedindo
ajuda com o francês. Agora, ali, diante dela, estava um homem, seguro de si e
com um charme que a surpreendeu. Um nó se formou em sua garganta.
Aqueles meninos, que ela acolhera em sua casa como se fossem seus próprios
filhos, haviam se transformado em homens. E um deles, Dominic, parecia ter
conquistado o coração de sua filha. Clara e Camille trocaram um olhar rápido,
repleto de cumplicidade. A jovem sorriu, e Clara sentiu uma emoção diferente.
Era como se estivesse sendo apresentada a uma nova versão de sua filha, uma
mulher forte e independente.
— Filho, você não tinha me mostrado nenhuma foto nem o nome dela, mas nós já
nos conhecíamos — reclamou se divertindo com a descoberta.
— Olha que legal, e de onde se conheciam? — Clara sempre perspicaz, pensou
rápido no que poderia responder, em sua cabeça ela estava diante de todo o seu
passado vindo para cima como se levasse uma onda na cabeça.
— Ela era...
— A gente morava no mesmo bairro em Cerca Grande — Clara disse rapidamente
interrompendo Henrique, que percebeu que Clara não queria tocar no assunto, se
perguntou o que ela estava pensando e o que queria esconder.
Clara não sabia que Diego era o sócio de Henrique e estava no escritório a
poucos metros e sem sombra de dúvidas que ele iria sem rodeios até Diego lhe
contar que Clara estava no salão.
De repente um trio se aproximou da mesa escoltados por uma recepcionista.
Clara olhou na direção e ficou em pé imediatamente, eram seus amigos da
escola. Petry ainda era magro e alto, mas a idade lhe caiu bem e agora ele
arrasaria corações, com toda certeza. Catarina deu um tom diferente ao seu
ruivo com uma californiana discreta, clareando um pouco as pontas, seus cachos
foram domados, enfim. Douglas agora tinha braços fortes, um deles tatuado do
ombro até os dedos da mão e não havia nenhum traço do menino baixinho, roliço
e desengonçado.
Revê-los fez Clara se emocionar, indo ao encontro deles para abraçá-los, todos
se cumprimentaram e Henrique os deixou conversando fazendo um sinal silencioso
para ela "depois a gente conversa mais".
Clara apresentou orgulhosa a filha aos amigos, a última vez que eles a viram
ela era adolescente e agora ela era uma mulher feita.
Entre conversas animadas, Dominic apareceu com o barman e uma surpresa para o
grupo: em uma bandeja especial ele trouxe drinks coloridos e entre os copos
velas estrelinhas soltavam faíscas deixando o momento extasiante.
Enquanto todos estavam hipnotizados com o show do barman, Dominic cochichou no
ouvido de Camille e segurando sua mão a levou pelo salão sem dizer uma
palavra, ela apenas o seguiu.
— Deixa eu te ajudar — fora do salão principal, o rapaz se abaixou e tirou o
salto de Camille calçando um sapatinho confortável para o trajeto na areia,
andaram entre quiosques até chegar em seu destino.
O pequeno ninho que preparara era um convite ao relaxamento: almofadas macias
em tons pastel, velas cintilantes espalhadas sobre a mesa de centro e a
presença das estrelas cintilantes em um céu sem nuvens, criando uma atmosfera
suave e aconchegante. O som das ondas, quebrando suavemente na praia, era a
trilha sonora perfeita para a ocasião. A penumbra, intensificada pela luz das
velas, revelava pequenos pontos verdes que dançavam entre a vegetação.
Vagalumes! Camille sorriu ao reconhecer os antigos conhecidos de sua infância.
— É incrível como a natureza nos surpreende, não é? — ele comentou, observando
os vagalumes.
Ele pediu para que ela se sentasse e ele se sentou ao seu lado. Na mesa
central já haviam dois drinks coloridos que Clara fez questão de provar quando
o rapaz abriu a caixinha turquesa que pousava ali, revelando um tesouro: um
par de anéis em ouro rosé, delicados e elegantes com um design moderno e a
letra "T" entrelaçada nos elos. Um deles, era acompanhado por um anel "Half
Eternity", cravejado de diamantes que cintilavam como estrelas.
— "T" de você é meu tudo. Aceita ser toda minha? Minha melhor
amiga, minha amante, minha mulher, minha namorada...
— Sim!!
Institivamente Camille inclinou seu corpo em direção ao rapaz e selou seus
lábios no dele tentando segurar um sorriso tímido, ela estava feliz, porque
ele a deixava assim.
— Deixa eu por em você — deslizou os anéis nos dedos magros da sua agora
namorada e ela colocou o anel no dedo dele. Notou uma mancha azul e fez uma
cara de interrogação.
— O que seria essa mancha nas suas mãos? — riu divertida.
— Ah, é o corante dos drinks, a prova de que fui eu quem fiz, viu? — puxou as
taças até a borda da mesa para ela alcançar. — O que achou?
— Uma delícia! Você me surpreende sempre — bebericou do canudinho entre
risadas e depois se aconchegou nos braços do seu amor aproveitando aquela
noite tranquila.
PRÓXIMO CAPÍTULO DISPONÍVEL:
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