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Com o sexto sentido em alerta,
a inquietação impulsionava a jornada em busca de respostas
que ecoavam na alma
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A luz matinal, insistente, esgueirava-se pelas cortinas semiabertas, dançando com a brisa suave. Camille, ainda envolta em um torpor sonolento, abriu os olhos, buscando refúgio na familiar constelação de Sagitário, que adornava seu teto como um segredo particular. A lembrança do céu noturno, com seus pontos de luz cintilantes, contrastava com a imensidão negra e pontilhada que a cercava durante o dia.
E então, o brilho do anel em seu dedo a despertou por completo, um grito de alegria ecoando pelo quarto, celebrando o 'sim' da noite anterior. Com um chute preguiçoso, afastou o lençol, sentando-se na cama, os pés ainda flutuando sobre o chão frio. Uma pontada aguda na cabeça a atingiu, intensificando-se a cada batida do coração. O canto dos pássaros, outrora melodia matinal, tornou-se uma cacofonia irritante, aumentando sua vertigem.
— Ah, qual é? Nem bebi tanto assim! — Resmungou, calçando os chinelos e arrastando-se para fora do quarto. A promessa do café quente, com o aroma inconfundível do avô, a guiou pelas escadas, como um farol na névoa da ressaca.
— Bom dia, vô! — Camille o abraçou, depositando um beijo suave em sua face enrugada.
— Dormiu bem, querida? — perguntou o avô, a voz rouca e os cabelos alvos perfeitamente alinhados. — A ressaca te atormentou muito?
— O sono foi tranquilo, mas essa dor de cabeça... só um café do senhor para curar.
— Então me ajude a preparar a mesa — disse ele, selando a garrafa térmica e colocando-a no centro da mesa. — Vou chamar sua avó.
Enquanto organizava a mesa, uma sensação estranha invadiu a mente de Camille. Um turbilhão de imagens da noite anterior, fragmentos de conversas sobre sua mãe e Diego, ecos de um passado que parecia gritar por respostas. Uma interrogação gigante se formou em sua mente, um enigma que ela sentia que precisava desvendar.
Camille abriu a geladeira, buscando um refúgio para as lembranças insistentes. Os itens frios em seus braços a despertaram para a realidade. — Brrr, gelado! — murmurou, enquanto vasculhava armários e gavetas em busca dos utensílios restantes.
Os passos arrastados dos avós anunciaram sua chegada. Vovô, em seu ritmo peculiar, seguia a vovó, que ainda desfilava em sua camisola matinal.
— Bom dia, minha netinha linda! — exclamou a vovó, com um sorriso que iluminava a cozinha.
— Bom dia, vó! — Camille a abraçou, depositando um beijo demorado e estalado em sua bochecha, como se quisesse deixar ali toda a sua alegria. — O café do vô está pronto, e a mesa já está posta!
Sentaram-se à mesa, o café fresco e o leite morno compondo uma sinfonia de aromas. Vovó, com a precisão de um mestre, executava o ritual de aquecer a xícara com água da chaleira, um gesto que transcendia o simples ato de preparar café, transformando-se em um símbolo de afeto e cuidado, pois para ela, café frio era um sacrilégio.
— Vó, preciso perguntar uma coisa — Camille hesitou, pesando cada palavra. Sabia que o assunto era um campo minado. Vovó, com um "hum?" curioso, continuou a saborear os biscoitos amanteigados, pronta para ouvir.
— Quem é Diego? Encontramos ele ontem no bar do pai do Dominic, e a reação da mãe... foi estranha. Nunca a vi daquele jeito, e eu preciso entender.
Um olhar tenso se trocou entre os avós, um segredo compartilhado que Camille não compreendia. Vovô, hesitante, abriu a boca para responder, mas vovó o silenciou com um gesto. Bebericou o café, como se buscasse coragem para enfrentar a verdade.
— Em Cerca Grande, sua mãe tinha uma amiga de infância, nossa vizinha de porta, Amélia. Lembra?
Camille assentiu, a imagem de sua mãe desolada pela perda marcou sua infância profundamente.
— Lembro sim, mamãe ficou muito triste com a sua morte e veio no primeiro voo para o velório.
— Diego era o namorado dela. — A frase ecoou na cozinha, carregada de um peso inexplicável. Vovó bebeu o café, como se buscasse coragem para continuar.
— Sua mãe tem uma história... uma história que envolve Diego e um passado que a marcou. Mas não cabe a mim revelar os detalhes. É uma história que ela precisa contar a você, quando estiver pronta.
Camille, insatisfeita com a resposta evasiva da avó, tentou dissipar a tensão com um sorriso forçado. Mas o silêncio pesado que pairava sobre a mesa foi abruptamente interrompido por Augusto, que irrompeu na cozinha com a energia de um furacão, trazendo consigo o frescor da caminhada matinal.
— Bom dia, família! — exclamou, distribuindo beijos e puxando uma cadeira. — Esse café está divino!
— Minha mãe? Alguém viu? — perguntou, servindo-se de torrada com geleia de morango. — Fui chamá-la, mas o quarto estava vazio.
— Ah, ela saiu faz um tempinho — respondeu Augusto, com um sorriso malandro. — Foi visitar a Amélia, toda trabalhada no visual 'viúva de novela mexicana': preto dos pés à cabeça, parecia que ia para um velório... ou para um encontro secreto. Hum, isso está uma delícia!
A animação de Augusto se dissipou, dando lugar a uma expressão de deleite pela primeira refeição do dia. Camille, com um sorriso sarcástico, encarou a xícara de café e ergueu uma sobrancelha.
— Um velório... ou um encontro secreto? Hm, interessante. — Pensou, imaginando os cenários mais absurdos, por exemplo, sua a mãe em um encontro secreto com Diego no cemitério.
De volta ao quarto, Camille sentia a necessidade de organizar seus pensamentos, de dar forma ao quebra-cabeça que se formava em sua mente. Recorreu à sua habilidade de criar linhas do tempo, um talento cultivado na faculdade.
Com um caderno e caneta em mãos, traçou uma linha horizontal na folha, dividindo-a por anos. Abaixo, começou a anotar os eventos que conhecia, tentando encontrar um padrão.
— Mamãe e papai começaram a namorar no começo de 92, e eu nasci em dezembro... — murmurou, escrevendo com pressa, como se estivesse correndo contra o tempo.
— Antes dele, ela namorou Rodrigo, que é o pai do Liam... — Parou, anotou um ponto de interrogação ao lado da anotação. — E Diego era namorado de Amélia na mesma época em que minha mãe e Rodrigo namoravam...
As mensagens de Dominic a fez lembrar do encontro surpresa organizado por Henrique. Algo que eles sabiam, algo que estava escondido nas entrelinhas.
A cada nova informação, a confusão de Camille se transformava em irritação. Ela precisava de respostas. Decidida a adiar a investigação por enquanto, começou a se arrumar para a disputa de surf.
• ◆ •
Clara e Diego chegaram juntos, as mãos entrelaçadas, como se pombinhos recém casados. Na praia, a disputa de surf de Henrique era um espetáculo de cores e sons. Dom, sempre presente, havia trazido Camille e sua prancha, enquanto Liam e a namorada, surfistas experientes, se misturavam à multidão. As gêmeas Aurora e Pandora, orgulhosas, exibiam seus maridos e os filhos, herdeiros do mar. Henrique e sua esposa Dalila, anfitriões perfeitos, completavam o quadro, junto a outros amigos que o tempo havia presenteado.
O sol, um gigante dourado, transformava o mar em um espelho reluzente. A música alta pulsava, como um coração batendo no ritmo das ondas.
— O mar está nos abençoando hoje! — gritou Henrique, saudando o casal com um sorriso que parecia esconder algo. — Que bom que vieram! Que bom que se acertaram.
Camille observava a interação, sentindo um pressentimento estranho. O olhar cúmplice de Henrique para sua mãe e Diego, a forma como eles se tocavam... tudo parecia estranhamente familiar.
Henrique, com a energia de um apresentador de reality show, reuniu a todos para explicar as regras da disputa. A tensão, porém, permanecia no ar, como um aviso silencioso.
— Teremos três jurados: Dalila, minha esposa; Vinícius, meu camarada de longa data — Henrique apontou para o amigo ao lado — e... — ele parou, procurando com o olhar, e encontrou-a ao fundo — Luana!
A atenção de todos se voltou para a mulher que surgia ao fundo. Luana, com seus lábios de tom roxo quase negro, a pele contrastando com as marcas do sol, o corpo definido e os cachos loiros que pareciam desafiar a gravidade, era uma visão que impunha respeito. A fumaça do cigarro que apagou no cinzeiro se dissipava lentamente, como um rastro de mistério.
Ao lado de Luana, um homem com a postura de um Capitão-Tenente da Marinha, corpo atlético e ombros largos. Seus cabelos ondulados, cortados na altura das orelhas, emolduravam um rosto marcado pela disciplina e pela experiência. Clara o reconheceu instantaneamente: Rodrigo. A presença dele, mesmo em um ambiente descontraído como a disputa de surf, exalava uma aura de comando e respeito.
Um arrepio percorreu a espinha de Camille. A chegada dos dois, juntos, era estranhamente incômoda. Algo não se encaixava.
— Chegamos! — anunciou Luana, com um sorriso radiante. Ao seu lado, Rodrigo relaxou a postura, a expressão suavizou ao reconhecer os amigos e cumprimentá-los com um aperto de mão até seu olhar congelar em Clara.
— Vocês dois... juntos? — Henrique arqueou as sobrancelhas, a incredulidade estampada no rosto. — Pensei que estivessem em pé de guerra.
— Fizemos as pazes — respondeu Luana, com um tom que não deixava espaço para discussão. A tensão entre os dois era palpável, como uma corda esticada prestes a arrebentar. — Por enquanto.
Seus olhos encontraram os de Clara, e um sorriso amigável se abriu em seus lábios.
— Oi, você é a Clara, certo? Nos encontramos algumas vezes.
— Sério? — Clara franziu a testa, tentando resgatar as memórias perdidas.
— Na festa do Rodrigo, há alguns anos, e depois na pracinha, com nossos filhos.
Luana, com um sorriso gélido, finalmente entendeu. Clara. A ex-namorada de Rodrigo. A mulher por quem ele a traiu e que ele insistia em manter viva em seu passado, através da Santa Clara Casa de Surf. Maldita loja que ele se recusava a renomear, mesmo após anos de casados. A memória das discussões acaloradas, das noites em claro, das lágrimas derramadas, invadiu sua mente. A tensão na atmosfera se intensificou, tornando o ar quase irrespirável.
Camille observava a cena, sentindo o ciúme de Luana se espalhar pelo ambiente como um veneno invisível. O silêncio que se seguiu à chegada do casal era ensurdecedor, e Luana, com a expressão fechada, arrastou Rodrigo para o outro lado da barraca, criando uma divisão clara entre eles e o resto do grupo.
— Vamos começar, galera! — Henrique anunciou, apontando para a tela da TV. — Ali está o painel com os nomes e a pontuação de cada um. Teremos baterias individuais, e os melhores avançam para as próximas fases. No final, um pódio com os três melhores.
Ele explicou as regras com entusiasmo, tentando dissolver o clima tenso. Cada olhar trocado, cada movimento, carregava um peso que ameaçava afogar a competição e ele estava disposto a evitar a todo custo.
Enquanto Henrique explicava as regras, Camille observava os personagens, tentando decifrar o enigma que se desenrolava diante dela. A tensão entre Luana e Rodrigo, a proximidade de Clara e Diego... tudo parecia fazer parte de um jogo perigoso.
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