═══ • ◆ • ═══ A confiança é como uma corda bamba. Difícil de se conseguir, porém fácil de se perder ═══ • ◆ • ═══ D esde muito pequena Clara...

• Quinze •



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A confiança é como uma corda bamba.
Difícil de se conseguir, porém fácil de se perder

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Desde muito pequena Clara sonhava com um casamento de conto de fadas, assim como o de seus pais, porém desde que conheceu os irmãos sabia que seria difícil chegar aonde queria. Ela bem sabia que a amiga queria focar nos estudos e não se deixava abalar por paixonites, mas observando suas atitudes com Diego e o brilho no olhar de Amélia, ela entendeu que era real e que a amiga estava realmente apaixonada. Ela era assim, se dava importância, ela ia até o fim, caso contrário nem começava.

Clara se sentia diretamente responsável pelo relacionamento da sua quase irmã e por isso não conseguiu tomar nenhuma atitude contrária. Ela aguentou firme tentando esconder seus desejos mais obscuros guardando no fundo do seu coração. Pensava nisso quanto naquele momento estava Rodrigo ali no seu portão com uma roupa estranha segurando um buquê de flores. Ela sorriu, porque faria qualquer coisa pela sua melhor amiga.

Durante um jantar em família naquela semana Clara pediu permissão aos seus pais para convidar Rodrigo para um almoço no domingo. Para as famílias tal companhia era importante e Clara não falharia nos detalhes.

— Eu quero pedir que ele possa almoçar com a gente no domingo, eu gosto muito dele e ele de mim, por favor pai e mãe. — pediu a filha mais velha com olhar de cachorro pidão.

Seus pais se entreolharam, eles bem sabiam que esse dia chegaria e por ter sido casado e enviuvado anteriormente, senhor Narciso aprendeu com suas três outras filhas como se comportar nesses momentos. Bastou um aceno discreto para sua mulher para ela dizer:

— "O que você não pede rindo que eu não faço chorando?" — era um ditado popular que queria dizer que alguém, mesmo não gostando, faria a vontade de uma pessoa, só para agradá-la.

— Obrigada pai e mãe.

— Vamos ver como será, você jantou com os pais dele, agora é a nossa vez.

E então chegou o dia tão aguardado.

A semana de Clara foi bastante agitada, na segunda tratou de lavar e passar a roupa de todos, o traje de domingo era a que se usava para ir à igreja ou para passeios, todas foram feitas pela sua mãe. Clara, Flora e sua mãe usavam vestidos combinando "mãe e filha" em tom bege, diferenciando apenas na cor da estampa florida, o de Clara era um tom de azul clarinho, o de Flora era rosa e de dona Maria era vinho. Seu pai gostava de uma calça e sapato social preto e uma camisa de botões branca ou azul. Seu irmão caçula também e parecia um homenzinho vestido assim.

Na terça, cuidou dos calçados, limpou meticulosamente cada um e deu brilho nos sapatos dos meninos e nas sandálias das meninas fez pequenos consertos nas tiras.

Na quarta fez uma faxina nos quartos, trocou as roupas de cama, colocou os cobertores no sol, bateu os tapetes para tirar o pó, varreu e encerou o piso de madeira.

Já na quinta, limpou as áreas comuns, esfregou o banheiro, tirou o pó da estante e bateu os tapetes da sala. Na sexta varreu e juntou folhas secas do quintal e colheu os frutos das árvores frutíferas. Havia um pé de limão que seria usado para temperar o peixe, a goiaba sua mãe faria um doce para a sobremesa e laranja para um suco natural.

— Que empenho, minha filha — observou sua mãe quando a filha estava trazendo a sacola com as frutas.

— Estou exausta, mas é por um bom motivo, mãe.

— Acredito, minha filha — respondeu a mãe pensativa — tire o dia de descanso, está tudo limpo você já fez o bastante, a Flora fará o resto.

Clara concordou com a cabeça e agradeceu a mãe.

No dia D, acordou cedo para se arrumar para ir à missa na Paróquia São João Evangelista, a qual frequentavam. A família sempre foi religiosa, nessa mesma igreja foi onde seus pais se casaram, ela e seus irmãos foram batizados e fizeram a comunhão — exceto o caçula que ainda não tinha idade — e ambos os três seriam crismados algum dia. Aos domingos eles sempre iam na missa com o padre da paróquia e almoçavam em casa.

Chegando em casa, seu Narciso foi para a sala assistir as programações do dia, ele adorava futebol e torcia para o Vasco, assim como seus filhos do casamento anterior e Clara e seus irmãos mais novos. Seu caçula com apenas cinco anos era novo para dizer se gostava de algo, mas sempre brincava sentado no tapete aos seus pés ouvindo tudo ao seu redor parecendo estar distraído.

— Flora minha filha, me ajude aqui.

Dona Maria fazia o trabalho mais pesado na cozinha enquanto ensinava as filhas com as mais leves. Ela já estava cortando as batatinhas para a maionese.

— Pegue aquela panela grande ali no paneleiro despeje duas xícaras de arroz e lave bem aqui na pia.

A filha do meio veio do seu quarto emburrada até o suporte de metal em forma de torre onde cada panela ficava em um andar, as maiores embaixo até no topo com a menor, tomou nas mãos a maior e fez como a mãe a ensinou, que depois a mãe ascenderia o fogão com o fósforo longo.

Clara veio logo atrás e perguntou o que fazer, então sua mãe a pediu para pegar seis ovos no galinheiro atrás de casa e separar as gemas para fazer o molho da maionese. Pegou o cesto artesanal de palha e caminhou apressada até os fundos do terreno até o cercadinho coberto e fechado com cerca entrelaçada onde as galinhas estavam em seus poleiros, tinham cerca de dez galinhas e seis já haviam colocado seus prêmios para fora que a moça colheu antes que o galo viesse lhe atacar, esse era bravo.

Voltou com os ovos e fez como sua mãe a ensinou, lavou três e colocou para cozinhar em uma panela pequena com água e um pouco de vinagre, quebrou restante dos ovos no prato fundo separando as claras em um copo. Pegou os ingredientes para o molho e dispôs na mesa ao lado do prato.

Nesse momento dona Maria estava orgulhosa vendo suas filhas que tanto deram trabalho e brigavam entre si, agora lhe ajudavam na cozinha juntas, observou Flora abanar para um mosquitinho sair do rosto da irmã enquanto estava com as mãos ocupadas.

De repente, o caçula Augusto entra correndo na cozinha.

— Mãe, chegou um carro aqui na frente de casa! - gritou o menino.

Dona Maria olhou para sua mais velha e notou um brilho diferente em seu olhar. Excitação? Apreensão? Não soube decifrar sua filha pela primeira vez, mas fez um sinal positivo quando a mesma a encarou.

— Vai lá filha, receber o rapaz.

Augusto não se aguentou e correu novamente para a porta e gritou que sua irmã já estava indo, fazendo o rapaz que esperava no portão não segurar um riso fofo.

Clara não demorou a lavar as mãos e as esfregou na toalha para secar durante o trajeto até a porta da frente e congelou ali mesmo. Sempre encontrou com Rodrigo na rua e vestindo roupas informais, até mesmo na festa que o conheceu, mas naquele momento podia ver um outro lado seu trajando roupas adequadas para o encontro familiar, até o cabelo ele arrumou. Ele parecia outro rapaz, mais bonito também. Usava um tênis branco com sola larga que ele usava para andar de skate, a calça jeans era lisa e sem rasgos, um pouco folgada nas pernas e era presa por um cinto marrom que só foi visto quando ele abanou os braços para a cumprimentar. Vestiu uma camisa branca listrada de botões aberta por cima de uma camiseta preta sem estampa.

Clara calçou um chinelo que estava ao lado da porta na varanda e caminhou animada até o portão para receber seu namorado, o carro do rapaz estava estacionado bem em frente à sua casa, o que renderia pano pra fofoca da vizinhança o ano todo.

— Olá, namorado — disse a moça em um tom suave e animado abrindo o portão de madeira em seguida.

— Olá, namorada — seu sorriso era diferente de Clara e era travesso, fazendo ela corar.

— Entra, o almoço está quase pronto e logo vamos nos servir, fique sabendo que vou ser seu escudo contra meus pais e suas perguntas, mas me ajuda, não se faça de sonso!

— Eu sonso? Vou tirar de letra e eles vão me amar, você vai ver — disse ele confiante nos seus instintos.

Deram as mãos até chegar na porta, mas seu pai apareceu na varanda como mágica fazendo ambos terem um sobressalto e se largarem rapidamente, Rodrigo limpou a garganta e foi aí que Senhor Narciso ganhou o dia, mas deixou para rir internamente enquanto mostrava sua feição mais tenebrosa afim de assustar o rapaz que chegou a sua frente em poucos segundos.

— Olá senhor Bittencourt, não sei se lembra de mim, vim me apresentar formalmente, sou Rodrigo Silva.

— Bom dia — respondeu fazendo uma carranca e virou de lado dando passagem para o rapaz entrar, jogando uma piscadela para sua filha quando Rodrigo já havia entrado na sala, indo atrás dele em seguida.

— Olá rapaz — sua mãe deu uma pausa apenas para cumprimentar o rapaz, o primeiro namorado que su afilha trouxe em casa para conhecerem — seja bem vindo, entre.

— Olá dona Maria, é para a senhora, espero que goste — lhe estendeu o buquê que trouxe nas mãos.

— Que mulher não gosta? Obrigada, vou por em um vaso — riu e se afastou.

— Você veio dirigindo, aquele carro é seu? Você pode dirigir? — Narciso perguntou sentando no seu lugar no sofá apontando para onde o rapaz deveria se sentar, ficando de frente para o rapaz.

— Eu posso dirigir sim, tirei minha carta mês passado. Sinceramente o carro é de um amigo, ele me deu em troca de uns serviços que fiz para ele.

— Seu amigo parece ser generoso, mas você não parece contente com isso — fez uma pergunta indireta.

— Eu sou muito grato por tudo o que ele fez por mim, mas ele ama esse carro e pretendo devolver quando conseguir comprar outro.

Narciso ponderou o que o rapaz acabara de falar, ele parecia estar sendo sincero em tudo o que disse ou era um tremendo ator, e isso o fez subir uns pontos com ele. A brusca chegada de sua mulher na sala fez ele sair de seus pensamentos.

— O almoço está pronto, venham para a mesa comer — disse ela do meio da sala com a mão na cintura em um tom para que todos na casa ouvissem.

— Até que enfim, estava morrendo de fome — o caçula disse correndo em disparada até os fundos da casa. Narciso e Rodrigo o seguiram.

A cozinha era pequena e mesmo que apenas um convidado a mais dona Maria preferia que se alimentassem fora de casa, na varanda, então Narciso montou uma mesa grande do zero com seu dom para a marcenaria. A parte plana da mesa estava coberta por uma toalha de renda sobre uma outra toalha floral e embora humilde deixava a mesa agradável, apenas os pés da mesa talhados no torno muito bem desenhado estavam à amostra.

Dona Maria adorava juntar a família e fazer um grande almoço de domingo e para isso gostava de usar um conjunto de louça especial que ganhou de casamento. Para cada membro havia um prato raso de porcelana branca com pinturas de arranjo de flores e bordas douradas. Os copos altos eram transparentes ripado com as bordas lisas. Os talheres eram longos de inox com adornos na ponta do cabo.

Diversas travessas e caçarolas foram reunidas no centro da mesa junto com uma jarra de suco natural de laranja. Dona Maria havia feito com a ajuda das filhas carne de panela e ficou no ponto de se desmanchar ao pegar com o garfo, arroz branco soltinho, maionese caseira feito com batatas ao molho caseiro de ovos, salada de tomate e cebola.

Clara terminava os últimos ajustes para ficar perfeito, quando todos se reuniram, seu pai se sentou no seu lugar na ponta da mesa e começou a se servir, seu irmão sentou no lado esquerdo dele e esperou ser servido pela mãe e dona Maria sentou à direita pegando a colher, Flora ao lado do seu irmão, então Clara apontou para o rapaz se sentar ao lado da sua mãe e ela se sentou na ponta oposta do pai. Era quase uma armadilha fazer o rapaz sentar ali recebendo toda a atenção do futuro sogro, mas Clara já havia pensado nisso e tomou o lugar antes.

— O que seus pais fazem? — disparou Narciso depois que todos se serviram e comiam silenciosamente.

— Meu pai é militar, ele está de licença, e minha mãe é dona de casa.

Narciso mastigou a carne da boca pensando na ordem de suas perguntas. Ele sabia que o rapaz já era de maior, mas era só isso que sabia até agora. Ele precisa caprichar nas perguntas a partir daquele momento.

— E você? — jogou-lhe um olhar furtivo se concentrando na comida do seu prato novamente, cortou a carne, colocou na boca e mastigou vagarosamente, indicando que teria todo o tempo do mundo para ouvi-lo.

— Hã... — o rapaz já começou a tremer de nervosismo, mas já havia se preparado, então só deixou sair — eu abri uma casa de pranchas recentemente, vou inaugurar mês que vem, se puder levar Clara para uma pequena confraternização com meus amigos ... — ele respondeu pausadamente ponderando quais palavras usar, suava um pouco nas palmas das mãos.

— Vou pensar.

Rodrigo deu um pequeno balanço com a cabeça, ele estava aliviado que não recebeu um não de cara.

— Seu pai tem uma carreira militar, você não pensa em seguir os passos dele? — Narciso continuou metralhando o rapaz.

— Eu não sei o que meu pai passou lá, mas não pretendo seguir os passos dele, estou tentando o convencer disso no momento, espero que dê certo com a casa de prancha, se eu falhar meu futuro já está traçado na marinha — o tom de voz de Rodrigo oscilou entre esperança e tristeza, ele amava o pai e sabia que sofreu muito até chegar onde estava, mas a tranquilidade que ele passa hoje nunca apagará os horrores que ele vivenciou na guerra quando nem sabia se voltaria para casa.

O resto da refeição foi tranquila e em silêncio, então tudo ocorreu bem até agora, Clara ficou aliviada por não precisar intervir em momento algum e deu um sorriso sincero a ele quando todos estavam concentrados em seus pratos.

— A refeição estava muito boa, obrigado dona Maria.

— Mas já terminou? — perguntou ela em tom surpreso, ele não havia enchido o prato, mas não repetiu.

— Fiquei sabendo que tem uma sobremesa ótima que a senhora fez e quero experimentar — Rodrigo já se sentia a vontade para fazer esse tipo de comentário, pois a havia conhecido no outro dia que buscou Clara para jantar em sua casa com seus pais — posso tirar os pratos para a senhora?

— Não é necessário — disse ela e chamou suas filhas — Flora tire os pratos e traga pra mim na cozinha? Clara pegue as travessas e colherinhas de sobremesa.

— Sim mãe — respondeu a moça parecendo estar de mau humor.

— Sim, mãe — Clara imediatamente se levantou para seguir sua mãe ajudando sua irmã a levar alguns pratos.

Voltando com a travessa da sobremesa e o conjunto para sobremesa e talheres

— É doce de goiaba, você gosta? — Dona Maria o serviu primeiro como se fosse seu filho, ela estava começando a gostar do rapaz e ele pareceu ser um bom partido para sua filha.

— Gosto sim, obrigado. Eu só não gostaria de demorar muito, eu queria fazer um passeio com a Clara agora, para não ficar tarde para trazê-la depois. Podemos?

— Claro que podem, onde vão?

— Meu pai tem um pequeno barco, não se preocupem, temos colete salva vidas e ele irá junto, não tenho habilitação náutica — explicou um pouco envergonhado, o passeio era surpresa, mas o rapaz não pensou na variável que era pedir para os pais dela.

— Que legal, vai se aprontar Clara, só não demorem a voltar — sua mãe queria gargalhar com a expressão de surpresa da filha.

— Voltem ao anoitecer, mas não espere escurecer no mar, é difícil navegar mesmo com experiência — ponderou Narciso, que era filho de pescadores.

— Sim, senhor.

Despedindo-se de todos, Rodrigo abriu a porta do carro para Clara e dirigiram até a Marina Três Sereias, que ficava perto da sua casa onde seu pai guardava o barco de passeio.

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• DEZESSEIS •



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═══ • ◆ • ═══ Tenha coragem para enfrentar o seu destino, seus medos e arrependimentos ═══ • ◆ • ═══ A jeitando a franja na tes...

• Quatorze •



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Tenha coragem para enfrentar o seu destino,
seus medos e arrependimentos

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Ajeitando a franja na testa, que estava em alta na época assim como o macacão jeans, tênis branco e moletom que vestia, Pandora observava seu reflexo no espelho. Aurora, que esperava sua irmã terminar de se arrumar sentada no puff branco redondo, vestia os mesmos modelos de roupas mudando apenas a cor do moletom e do tênis e mais alguns detalhes das peças.

— Mana, nós vamos nos atrasar — Aurora alertou a irmã olhando o relógio de pulso com números romanos que antes era de seu pai.

Arrumavam-se para irem ao curso, enquanto Pandora iria aprender a diferentes técnicas de massagem e drenagem linfática enquanto Aurora iria aprender limpar a pele com cremes, esfoliantes e tonificantes, com as mãos firmes e olhos atentos ela faria procedimentos com agulhas e outros maquinários estéticos. As gêmeas almejavam ser referência em técnicas de rejuvenescimento das camadas de pele.

Ambas eram vaidosas e sempre acompanhavam as tendências de estética, maquiagem e moda, sempre testando novos produtos sendo cobaia uma da outra. Elas amavam isso e escolheram que seria sua profissão e seu ganha pão, estudando para trabalhar na área atendendo mulheres da alta sociedade, talvez até modelos.

Para chegar até a escola, as gêmeas precisariam ir de ônibus até a capital, na ilha, cerca de trinta quilômetros da pequena cidade de Cerca Grande. Henrique sabia dirigir e tinha veículo, mas com seu trabalho diurno ele acabava sem tempo para acompanhar as irmãs. Não antes de ensinar a malandragem da rua para elas não serem alvo nas mãos de rapazes de mente fraca que buscavam por presas fáceis.

A pequena viagem até a capital durou menos de meia hora, saíram do ponto de ônibus intermunicipal na beira do acostamento da rodovia sentido sul, uma construção de cimento coberta por uma telha ondulada de eternit, e iam até o ponto mais próximo da escola. O clima estava agradável e por ser um horário de pouco movimento, o veículo fez poucas paradas no caminho, diminuindo o tempo de viagem.

A capital era também a maior cidade do estado e antes de descer do ônibus, olhando através das janelas retangulares com bordas arredondadas, já era possível ver a diferença entre sua cidade e Ilha Bela. Os prédios se erguiam do chão até quase o céu, as avenidas eram longas e cheias de carros de todas as cores e modelos em todos os sentidos e a ponte que ligava o continente à ilha era magnífica, tanto de dia quanto de noite quando suas luzes noturnas eram acionadas. Fotógrafos ganhavam muito dinheiro com belas fotografias tiradas da gigantesca construção. Pandora gostava de admirar as construções e por esse motivo às vezes era fácil perder a hora.

— Que revestimento incrível fizeram nessa fachada, Aurora, lembra como era antes da reforma?

— Lembro sim, mas vamos nos apressar para chegar na hora, mana!

O pequeno palácio dos anos 20 onde hoje era uma escola de cursos técnicos estava muito bem conservado, as paredes pareciam ter sido pintadas recentemente e não havia nenhuma marca preta proveniente de água da chuva parada. Entraram pela porta principal do prédio bem conservado e aguardaram na recepção suas respectivas professoras chamarem. Ali naquele saguão qualquer um poderia ter a impressão de que o tempo não havia passado, uma viagem no tempo até quando aquela magnífica construção era o lar de umas das famílias de maior posse em Ilha Bela. Não eram seus fundadores, mas chegaram lá pouco tempo depois.

Os móveis da recepção foram feitos sob medida para o ambiente com madeira nobre com um espaço para a profissional datilografar e outro para atender o telefone de disco, tudo sem sair da decoração principal. Na parede dos fundos continha gavetas para arquivos do dia a dia.

Emília era recepcionista da escola havia muitos anos, seu sorriso era doce e sempre com seu uniforme impecável, saia reta e longa abaixo dos joelhos cor cinza escuro, camiseta branca e suéter também cinza gola "v". Assim que Emília notou a presença das meninas ela checou o relógio de pulso com tira de couro, levantou-se e caminhou até os arquivos para pegar o papel de presença das gêmeas, um no separador A e outro no P, logo as irmãs se aproximaram do balcão para assinar.

— Como estão meninas? — perguntou docemente a recepcionista de quase trinta anos, que não mostrava nenhum sinal de idade na face polida com pouca maquiagem.

— Estamos bem, obrigada por perguntar, Emília — respondeu Aurora antes de pegar a caneta para assinar seu nome na linha pontilhada ao lado da data já datilografada.

— E como foi seu final de semana? — Pandora perguntou com um olhar sugestivo e malicioso. Emília chamou as meninas mais perto para poder cochichar.

— Como foi o fim de semana e ... — alguém entrou na pequena sala fazendo ecoar seus saltos, as moças se sobressaltarem assustadas, cortando o assunto na hora.

Era Alessandra, uma das professoras da escola que nenhuma das três gostavam, então resolveram terminar de assinar os papéis em silêncio sob o olhar reprovador da tal professora, que percebendo o clima que acabara de criar no ambiente propositalmente, continuou seu trajeto satisfeita e sem interromper os passos. O momento desconfortável passou rapidamente até que mais alunas chegaram e as professoras vieram até a recepção chamar seus alunos.

─ • ◆ • ─

Luana tentava se concentrar no que a sua mãe lhe dizia enquanto sentia seu estômago revirar, mas era quase impossível e em meio segundo ela correu até o banheiro e golfou no vaso sanitário.

— Menina, o que andou comendo? — perguntou sua mãe achando ser apenas uma indigestão. Ela não conseguiu responder, inclinando a cabeça na cerâmica novamente jorrando o resto do líquido estomacal.

A moça lavou o rosto e tentou tomar os remédios que sua mãe separou para tentar passar os sintomas pós-festa, mas Luana sentia que não era como das outras vezes e recorreu às suas amigas. Custou a caminhar até a casa das gêmeas, até porque já estava totalmente escuro e uma jovem sozinha na estrada naquela hora não era bem visto pelos vizinhos, mas por sorte passou por ela um carro conhecido que parou ao seu lado.

— Henrique? — a jovem perguntou ao se curvar para ver o motorista.

— E aí? O que aconteceu, Luana? Está com uma cara péssima — o rapaz observou. A jovem que tinha a pele bronzeada estava pálida tanto como seu cabelo loiro, se sentia fraca, além dos enjoos constantes.

— Eu realmente não estou nos meus melhores dias. As gêmeas já chegaram?

— Já chegaram sim, entra aí — diz se esticando para abrir a porta por dentro para ela — tenho algo para esse mal estar.

De carro o percurso de quase quarenta minutos a pé durou apenas dez seguindo o mesmo trajeto, e logo o rapaz manobrou na garagem.

As gêmeas já tinham tomado banho e vestiam seus pijamas de dormir sentadas no sofá de couro rodeadas por cadernos e apostilas com imagens de rostos femininos aguardando o irmão chegar com as misturas para o jantar. Ao ouvir a porta da garagem se abrir elas correram até lá e ficaram muitos felizes ao verem sua melhor amiga, mas logo perceberam que ela não estava bem.

— Venha para nosso quarto, vamos conversar — Pandora guiou a amiga pelos corredores neutros da casa até o quarto rosa.

Cada uma se aconchegou em uma cama e Luana no puf de frente para as gêmeas.

— Como se sente, Lua? — Aurora perguntou.

— Estou com os mesmos sintomas de ontem, mas pior — desabafou a moça às amigas.

Aurora ainda quis saber se a amiga já tinha tomado algo para tentar ajudar, talvez levar ela ao médico, e Luana respondeu o que sua mãe já tinha a medicado.

— E se estiver grávida? — perguntou Pandora pensativa com sua voz mansa.

— Como assim grávida? O que você entende de gravidez, Pan? — foi a vez de Luana arregalar os olhos incrédula por esse pensamento ter passado pela cabeça de sua inocente amiga.

— Vamos dizer que você e Rodrigo se cuidaram em todas as relações — Pandora rabiscava o caderno que trouxe consigo e enquanto falava, desenhava as anatomia da pele delineando o folículo piloso — ainda pode existir uma possibilidade.

— Todas sabemos que por mais que se cuide, ainda está sujeita, que o único jeito de ter risco zero de gravidez é não fazer sex... — foi interrompida pela amiga que correu até o banheiro da suíte para golfar novamente.

As gêmeas se entreolharam compartilhando do mesmo pensamento.

─ • ◆ • ─

Perdida em pensamentos Luana tentava se manter calma, mas o clima hospitalar do pequeno posto de saúde perto da sua casa a deixava pouco confortável e ainda mais assustada do que parecia.

Na época em que vivia não existia muita tecnologia, mas sua mãe não precisou dela para descobrir que tinha algo de diferente no corpo de sua filha, e quando Luana passou o segundo mês sem usar o devido cuidado íntimo para as regras, seu sensor de mãe soou e decidiu tomar as devidas providências. Luana ainda era menor de idade, e mesmo se não fosse dona Cida a acompanharia aonde fosse, para não se sentir de fora e também para dar o amparo que só ela poderia oferecer.

O posto abriu as portas quando era sete em ponto e depois de esperar sua vez na fila e dar entrada no atendimento, Luana esperou ser chamada pela enfermeira para passar pela triagem, que consistia em anotar nome e idade, medição da temperatura, altura e peso, era uma etapa apenas para controle. Caroline, a enfermeira que atendeu a jovem moça na salinha, verificou depois das medições que os dados colhidos estavam dentro dos padrões e a liberou em seguida para esperar a sua vez para então ser atendida pelo clínico geral em seu consultório. Esse sistema era um pouco burocrático e todo manual, e por isso demorou um pouco, mesmo tendo poucas pessoas naquele dia para serem atendidas.

— Conte-me o que aconteceu senhoritas — Doutor João Ramalho, o médico, disse cordialmente depois que chamou a moça da porta se sentando em seguida que ela e sua mãe entraram no consultório fechando a porta atrás de si.

— Então doutor, percebi algumas coisas anormais com a minha filha e decidimos verificar como anda a saúde da minha filha. — Dona Cida tomou a palavra e explicou o que estava acontecendo, ela tinha alguns palpites, mas queria ter certeza com o resultado de exames e não acabar assustando sua filha. Essa senhora não era estudada, mas aprendeu muito com a vida na roça.

O médico pediu para que a moça se sentasse na maca, ele iria fazer alguns exames de rotina em seu consultório como medir seu batimento, respiração, e depois de deitada com o abdômen à amostra, ele fez um exame de toque para saber se a moça sentia alguma dor na região. Doutor Ramalho pode tirar algumas conclusões iniciais, mas assim como pensou Dona Cida, ele não quis alarmar nenhuma das mulheres, agora sentadas, à sua frente. E por último fez uma série de perguntas, anotando as respostas em seguida em uma folha de papel com os dados dos exames anteriormente colhidos.

— Com essa conversa consegui fazer um prognóstico, mas ainda preciso de outros exames mais esclarecedores — ele rabiscava alguma coisa no receituário — tudo bem?

Mãe e filha assentiram sem saber o que pensar, as palavras do médico tinham pesos distintos entre elas. Dona Cida sentiu um frio na barriga quando o médico anunciou isso, era como se ele tivesse confirmado seus pensamentos em silêncio. Ela sempre observava e cuidava de perto a filha e mesmo sendo teimosa às vezes, ela jamais tinha saído da linha, e a incerteza da obediência da filha agora lhe chamava mais a atenção do que o próprio caminho, topando o dedão na calçada, por sorte estava de braços dados com sua filha única que não caiu de cara no chão.

Luana, portanto, tinha ouvido alguma coisa entre as meninas da escola sobre doenças que eram passadas durante uma relação, e ela tinha pavor só de pensar que poderia ter contraído alguma de Rodrigo e por isso o médico havia pedido por mais exames.

Um rapaz que lhe trouxe tanta dor e desgosto, mas mesmo assim ela o amava.

Com o encaminhamento que doutor João Ramalho entregou à sua mãe, Luana poderia realizar os exames solicitados no laboratório da sua pequena cidade no dia seguinte e então sanaria toda e qualquer dúvida sobre seu atual estado de saúde.

Mãe e filha iam embora com tantas dúvidas quanto chegaram no posto de saúde, mas tentavam ao máximo não transparecer o que sentiam. Ainda cheias de dúvidas, as mulheres Lyra seguiram pelas ruas de chão esburacadas até a escola de Luana, ainda era cedo, mas já tinha perdido algumas aulas e sua mãe precisava justificar para que ela pudesse assistir as próximas.

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═══ • ◆ • ═══ Seja o milagre na vida de alguém. ═══ • ◆ • ═══ O s raios do sol entravam tímidos pelas frestas da cortina e ilumin...

• Treze •



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Seja o milagre na vida de alguém.

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Os raios do sol entravam tímidos pelas frestas da cortina e iluminavam o quarto de visitas da casa de Henrique, as paredes e mobílias brancas ajudavam a distribuir as cores douradas do astro rei. Rodrigo, sonolento, agarrou o travesseiro pousado ao seu lado para tapar os olhos e não interromper seu sono, mas já era tarde e havia despertado. O rapaz levantou da cama trôpego e tateou as paredes do corredor até encontrar a porta do banheiro, topou em algumas garrafas vazias jogadas no chão junto com algumas peças de roupa. Reconhecendo-as como sua, e percebendo que estava completamente nu, ele recolheu as peças do chão e levou com ele ao banheiro para se vestir.

Depois de uma festa daquelas, Rodrigo até que se sentia bem, mas não lembrava quanto tinha bebido, nem o que tinha misturado e muito menos como aquela linda ruiva de corpo escultural foi parar na mesma cama que ele dormiu. Recostou no batente da porta do quarto tentando lembrar, mas foi interrompido por um rapaz que não conhecia querendo entrar no quarto. Ops, quarto errado. Um pouco menos desorientado andou pela casa à procura de suas memórias, mas a única que encontrou foi onde ficavam as sacolas de lixo, embaixo do armário onde Henrique escondia das visitas seu estoque de bebidas caras. Abriu a porta do armário e lá encontrou o que queria, seu estômago revirou ao sentir o cheiro do álcool quando rosqueou a garrafa diferenciada e rótulo chique, então decidiu que era hora de parar de beber e fazer alguma coisa útil.

Começou pegando um saco de lixo para juntar as garrafas de bebida, copos plásticos e o que mais encontrasse pela casa. Deparou-se com camisinha usada com nó na ponta, bitucas de cigarro, canudinhos de papel usado para aspirar drogas e ponta de cigarro de maconha. Jogou tudo fora.

Depois de uma breve faxina na sala e cozinha, onde a festa aconteceu em sua maioria, com direito a vassoura e pano úmido com produto desinfetante. Antes de terminar Rodrigo sentiu fome e preparou a cafeteira para passar o café, verificou se tinha pão e outras misturas, e com o armário farto com diversos tipos de bolacha, tortinhas, biscoitos e outras guloseimas apenas arrumou a mesa. Ainda sem memórias da noite anteior tomou um café forte com alguns biscoitos doce sozinho, mas sua paz estava prestes a acabar.

— O que é isso? — Uma moça apareceu na cozinha nesse momento, em seguida pegou um biscoito do pacote aberto e enfiou tudo na boca, falando com uma voz abafada — nossa, que delícia.

— Nossa amor, que falta de educação — seu companheiro entrou no cômodo e a repreendeu e se desculpou à Rodrigo que acenou discretamente com a cabeça. — não fale de boca cheia, e você pediu permissão?

— Estou com uma ressaca daquelas — a moça reclamou em seguida, sem dar ouvidos. Rodrigo reconheceu a moça ruiva do quarto que ele entrou sem querer.

— Isso quer dizer que está na hora de irmos, você pegou tudo? — a ruiva assentiu e os dois foram embora pela porta da cozinha que dava para os fundos.

Em seguida outros dos participantes da noitada também acordaram e logo a casa estava cheia e amontoada de gente novamente, tirando a paz de Rodrigo que pegou suas coisas e foi embora.

Um lampejo de memória, de repente, apareceu em sua mente, eram fragmentos da noite anterior. Já era tarde da noite quando Henrique passou na sua casa a caminho da conveniência para comprar mais bebidas e aceitando o convite meia hora depois chegou em mais uma das festas de seu fiel amigo. Pensou em Clara e no que conversaram na casa dos seus pais, sentiu vergonha por um momento de suas intenções e de planejar um futuro com ela, mas como faria ela feliz se ele frequentasse festas assim? Ele estava um caco e precisava mudar isso.

Por um segundo lembrar da expressão da moça naquele dia o cortou o coração quando o efeito do álcool falhou em sua mente, mas logo fez turvar sua visão novamente e um estalo forte fez ele voltar de suas memórias.

Caminhava calmamente pelas ruas calçadas do bairro Morro Alto, em direção à rodovia movimentada, pelo menos teria paz em casa. Nesse momento o sol foi coberto novamente por nuvens e com isso o clima refrescou.

Ótimo, pensou ele. A caminhada era longa; cerca de dois quilômetro até a rodovia no perímetro urbano na companhia de pássaros animados, mais aproximadamente três quilômetros caminhando pelas ruelas até sua casa na praia do sul. Se passou pouco mais de duas horas até Rodrigo visualizar o horizonte do oceano.

Afastando o pequeno portão caminhou silenciosamente pelo pátio. As folhas do sombreiro farfalhavam com o vento forte que vinha do oceano, pareciam estar furiosos com ele. Porque? Não fizera nada demais, ou fez?

Era jovem e estúpido.

Ouviu vozes sussurrando palavras inaudíveis que o amedrontou fazendo um frio lhe percorrer a espinha. Suor brotou em sua testa de repente, sua caminhada fora longa, mas não era esse tipo de suor.

Sentindo-se intimidado, Rodrigo começou a correr em direção à casa, abrindo e fechando a porta principal com rapidez, mas sem agilidade fazendo-a bater forte, respirou fundo tentando recuperar o fôlego, rezando para que aquilo não passasse de uma ilusão gerada pelo álcool e drogas consumidos na madrugada anterior. Finalmente estava sozinho, de roupa e tênis se jogou na cama com estampa de vida marinha e apagou.

• ◆ •

Diante de tantas festas, bebidas e drogas, não seria uma novidade se Luana sentisse mal estar na segunda-feira de manhã. Havia bebido por ela, que só sabia tomar decisões erradas; Por Rodrigo, que a usou e depois a descartou como um lixo qualquer; e por seu pai, que foi covarde o suficiente para abandonar ela e trocar sua mãe por uma adolescente da mesma idade que ela.

O ódio corria por suas veias e na tentativa de eliminar esse sentimento ela aceitou a todos os convites para as festas de Henrique e das gêmeas. Bebeu, cheirou e fumou tudo o que lhe ofereciam, e na manhã seguinte — junto com a ressaca — toda a dor, ódio e o choro contido estavam ali de novo.

— Essa é uma situação complicada, Lua — a gêmea Aurora tentou animar a amiga que contava o motivo de ter bebido todas na noite anterior — tome aqui esse remédio — lhe ofereceu um copo com algo efervecente para beber.

— Ainda mais com Rodrigo no mesmo ambiente — a gêmea Pandora fez uma observação desdenhosa sem querer, que só desencadeou mais choro de sua amiga.

As gêmeas tentavam acalmar o coração da amiga, talvez fossem as únicas sóbrias na enorme casa e, por tanto, as únicas que poderiam por juízo em sua cabeça. Ainda estavam sentadas cada uma em sua cama no quarto todo em tons de rosa, vestidas com pijamas de cetim da mesma cor. O black out nas janelas davam um ar aconchegante ao quarto escurecendo a claridade daquela manhã que irritaria qualquer ressaca.

— Você está dedicando muito tempo da sua preciosa vida em algo desnecessário, amiga, vai por mim — ficou cabisbaixa por tempo o suficiente para se recompor e não deixar seu passado a aterrorizar — correr atrás de quem não te quer e perder sua juventude por causa de um erro dos seus pais só piora as coisas.

— Você precisa de foco ou vai pirar — completou Pandora, sua irmã.

Anos antes, quando Henrique era de criança, sua mãe engravidou fazendo a família aumentar com a chegada das gêmeas, alegria para uns e a oportunidade perfeita para outros. Sobrecarregado com o trabalho em outro país, seu pai resolveu não voltar mais e abandonou a família. Sua mãe acabou por criar seus três filhos sozinha, registrando as gêmeas apenas com seu sobrenome e sem pai, fazendo-as crescer tendo apenas o irmão como imagem masculina e sendo amadas e protegidas por ele.

Quando tinham não mais que quatro anos dona Salete faleceu após um infarto. Ela fazia jornadas duplas de trabalho para poder ganhar o suficiente para sustentar seus filhos e mesmo com a ajuda de seu primogênito, as contas ainda se acumulavam até ela não suportar o estresse e seu coração falhar prematuramente.

Henrique já trabalhava e com a ajuda da pensão da mãe conseguiu se sustentar e ainda cuidar das suas irmãs, mas não muito tempo depois ele começou a se sobrecarregar, assim como sua amada mãe. Para poder ter mais tempo em casa ele decidiu largar um de seus empregos e trabalhar com algo que lhe pagasse mais e que pudesse fazer isso enquanto cuidava das gêmeas, e foi assim que ele começou a vender drogas e virou o maior traficante da elite da pequena cidade de Cerca Grande. Suas irmãs não se orgulhavam do ofício do irmão mesmo ele não sendo usuário, e por esse motivo estudavam desde pequenas para entrar em uma boa faculdade e depois ter um emprego que pudesse além de contribuir em casa, ajudar seu irmão que tanto sacrificou por elas.

— E o que sugerem que eu faça? Porque sinceramente me sinto totalmente perdida e sozinha — confessou a moça.

— Você primeiro precisa ter os estudos em dia para conseguir um emprego bom — Pandora começou a explicar para a amiga — já sabe em que área gostaria de trabalhar?

— Eu tenho os estudos em dia, mas não faço a mínima ideia do que fazer.

— Nenhum talento que se destaque? — insistiu Aurora tentando fazer Luana forçar a cabeça.

— Eu tenho as mãos firmes para trabalhos manuais e sempre faço minhas cutículas e as da minha mãe, ela diz que ficam perfeitas, e olha que nunca fiz curso, só sei o que ela me ensinou — deu de ombros.

— Isso é muito interessante. Eu e Aurora estamos estudando a possibilidade de abrir uma clínica de estética, e enquanto cuidamos da pele da cliente seria muito legal e atrativo ter alguém para fazer as unhas.

— Que ideia maravilhosa mana! — a gêmea concordou com sua irmã e acrescentou — O que acha de fazer um curso nessa área e vim trabalhar com a gente quando montarmos nossa clínica?

Luana ponderou o convite por alguns minutos, mas a verdade era que a proposta era incrível e mudaria seu futuro para sempre, e também ela adorou a ideia de trabalhar em algo que era boa e ao mesmo tempo com suas amigas. Aceitou de imediato, fazendo as gêmeas soltarem gritinhos estridentes de felicidade, mas que precisava falar com sua mãe antes.

— Aurora, pega para mim seu kit de unhas e um creme hidratante que vou fazer as unhas de vocês.

— É pra já! — a gêmea mais velha por dois minutos se levantou em um pulo para pegar a pequena maleta que ela e a irmã costumam usar para embelezar suas unhas.

Perto das duas da tarde Henrique chamou as meninas para almoçar, a galera que passou a noite ali depois da festa já tinha ido embora e agora poderiam desfrutar da paz e sossego. As gêmeas pouco aproveitavam as festas e ficavam em seus quartos assistindo, estudando ou cuidando das unhas ou pele, não gostavam desse estilo de vida, mas gostavam do que essas mesmas festas as proporcionavam, como a bela casa que moravam agora e o alimento de todo dia. Aliás, Henrique cozinhava muito bem, e por esse motivo Luana adorava quando a convidavam para uma refeição. O remédio enfim fez efeito e agora estava faminta.

— Sobre o que estavam falando? Ouvi vocês darem aquele gritinho alegre nada discreto de vocês — o anfitrião perguntou curioso e estudou seus rostos em seguida, ele conhecia cada expressão das suas irmãs e por isso sabia que havia algo grande por aí.

— Luana precisa de um norte na vida dela e nós precisamos de ajuda com um serviço extra para nossas clientes quando abrirmos nosso negócio — Aurora explicou.

— Hum, que interessante — disse pensativo com sua voz mansa — e que extra seria?

— Ela é hábil com o alicate de unha, e fazendo um curso de manicure ela pode atender nossas clientes enquanto trabalhamos, o que acha mano?

Pandora e Luana apenas assistiam o debate, elas sabiam que enquanto explicavam a cabeça de Henrique maquinava calculando se iria dar certo, ele era assim e dessa maneira poderando todos os riscos ele chegou ao topo.

— Gostei, uma ótima ideia meninas, tem tudo para dar certo — concluiu —, mas agora vamos comer, estou faminto e vocês também devem estar.

Colocando a grande frigideira fumegante no centro da mesa anexa a bancada, Henrique anunciou o prato do dia: uma mistura de carnes e diversos legumes com molho especial que ele inventou a base de soja e creme de leite, o cheiro que subiu às suas narinas arrancou suspiros e atiçou mais ainda a fome que sentiam. Henrique serviu o prato das meninas enquanto Luana os copos.

Enquanto comiam se fez um silêncio que Luana usou para pensar sobre o rumo que sua vida daria. Ela necessitava disso não só para sua sobrevivência, mas para ter uma carreira profissional e seguir em frente.

Terminando de lavar a louça enquanto as gêmeas, uma secava a louça do escorredor e a outra varria o chão para depois passar pano, Luana se despediu das amigas, precisava falar com a mãe e quem sabe se matricular em um curso.

PRÓXIMO CAPÍTULO DISPONÍVEL:

• QUATORZE 



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