Prólogo - ASCENDENTE

O céu da pequena cidade praiana estava sem nuvens naquela noite e Clara olhava atentamente a cada pontinho cintilante naquele mar de esc...

═══ • ◆ • ═══ Seja o milagre na vida de alguém. ═══ • ◆ • ═══ O s raios do sol entravam tímidos pelas frestas da cortina e iluminavam o quar...

• Treze • ASCENDENTE

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Seja o milagre na vida de alguém.

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Os raios do sol entravam tímidos pelas frestas da cortina e iluminavam o quarto de visitas da casa de Henrique, as paredes e mobílias brancas ajudavam a distribuir as cores douradas do astro rei. Rodrigo, sonolento, agarrou o travesseiro pousado ao seu lado para tapar os olhos e não interromper seu sono, mas já era tarde e havia despertado. O rapaz levantou da cama trôpego e tateou as paredes do corredor até encontrar a porta do banheiro, topou em algumas garrafas vazias jogadas no chão junto com algumas peças de roupa. Reconhecendo-as como sua, e percebendo que estava completamente nu, ele recolheu as peças do chão e levou com ele ao banheiro para se vestir.

Depois de uma festa daquelas, Rodrigo até que se sentia bem, mas não lembrava quanto tinha bebido, nem o que tinha misturado e muito menos como aquela linda ruiva de corpo escultural foi parar na mesma cama que ele dormiu. Recostou no batente da porta do quarto tentando lembrar, mas foi interrompido por um rapaz que não conhecia querendo entrar no quarto. Ops, quarto errado. Um pouco menos desorientado andou pela casa à procura de suas memórias, mas a única que encontrou foi onde ficavam as sacolas de lixo, embaixo do armário onde Henrique escondia das visitas seu estoque de bebidas caras. Abriu a porta do armário e lá encontrou o que queria, seu estômago revirou ao sentir o cheiro do álcool quando rosqueou a garrafa diferenciada e rótulo chique, então decidiu que era hora de parar de beber e fazer alguma coisa útil.

Começou pegando um saco de lixo para juntar as garrafas de bebida, copos plásticos e o que mais encontrasse pela casa. Deparou-se com camisinha usada com nó na ponta, bitucas de cigarro, canudinhos de papel usado para aspirar drogas e ponta de cigarro de maconha. Jogou tudo fora.

Depois de uma breve faxina na sala e cozinha, onde a festa aconteceu em sua maioria, com direito a vassoura e pano úmido com produto desinfetante. Antes de terminar Rodrigo sentiu fome e preparou a cafeteira para passar o café, verificou se tinha pão e outras misturas, e com o armário farto com diversos tipos de bolacha, tortinhas, biscoitos e outras guloseimas apenas arrumou a mesa. Ainda sem memórias da noite anteior tomou um café forte com alguns biscoitos doce sozinho, mas sua paz estava prestes a acabar.

— O que é isso? — Uma moça apareceu na cozinha nesse momento, em seguida pegou um biscoito do pacote aberto e enfiou tudo na boca, falando com uma voz abafada — nossa, que delícia.

— Nossa amor, que falta de educação — seu companheiro entrou no cômodo e a repreendeu e se desculpou à Rodrigo que acenou discretamente com a cabeça. — não fale de boca cheia, e você pediu permissão?

— Estou com uma ressaca daquelas — a moça reclamou em seguida, sem dar ouvidos. Rodrigo reconheceu a moça ruiva do quarto que ele entrou sem querer.

— Isso quer dizer que está na hora de irmos, você pegou tudo? — a ruiva assentiu e os dois foram embora pela porta da cozinha que dava para os fundos.

Em seguida outros dos participantes da noitada também acordaram e logo a casa estava cheia e amontoada de gente novamente, tirando a paz de Rodrigo que pegou suas coisas e foi embora.

Um lampejo de memória, de repente, apareceu em sua mente, eram fragmentos da noite anterior. Já era tarde da noite quando Henrique passou na sua casa a caminho da conveniência para comprar mais bebidas e aceitando o convite meia hora depois chegou em mais uma das festas de seu fiel amigo. Pensou em Clara e no que conversaram na casa dos seus pais, sentiu vergonha por um momento de suas intenções e de planejar um futuro com ela, mas como faria ela feliz se ele frequentasse festas assim? Ele estava um caco e precisava mudar isso.

Por um segundo lembrar da expressão da moça naquele dia o cortou o coração quando o efeito do álcool falhou em sua mente, mas logo fez turvar sua visão novamente e um estalo forte fez ele voltar de suas memórias.

Caminhava calmamente pelas ruas calçadas do bairro Morro Alto, em direção à rodovia movimentada, pelo menos teria paz em casa. Nesse momento o sol foi coberto novamente por nuvens e com isso o clima refrescou.

Ótimo, pensou ele. A caminhada era longa; cerca de dois quilômetro até a rodovia no perímetro urbano na companhia de pássaros animados, mais aproximadamente três quilômetros caminhando pelas ruelas até sua casa na praia do sul. Se passou pouco mais de duas horas até Rodrigo visualizar o horizonte do oceano.

Afastando o pequeno portão caminhou silenciosamente pelo pátio. As folhas do sombreiro farfalhavam com o vento forte que vinha do oceano, pareciam estar furiosos com ele. Porque? Não fizera nada demais, ou fez?

Era jovem e estúpido.

Ouviu vozes sussurrando palavras inaudíveis que o amedrontou fazendo um frio lhe percorrer a espinha. Suor brotou em sua testa de repente, sua caminhada fora longa, mas não era esse tipo de suor.

Sentindo-se intimidado, Rodrigo começou a correr em direção à casa, abrindo e fechando a porta principal com rapidez, mas sem agilidade fazendo-a bater forte, respirou fundo tentando recuperar o fôlego, rezando para que aquilo não passasse de uma ilusão gerada pelo álcool e drogas consumidos na madrugada anterior. Finalmente estava sozinho, de roupa e tênis se jogou na cama com estampa de vida marinha e apagou.

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Diante de tantas festas, bebidas e drogas, não seria uma novidade se Luana sentisse mal estar na segunda-feira de manhã. Havia bebido por ela, que só sabia tomar decisões erradas; Por Rodrigo, que a usou e depois a descartou como um lixo qualquer; e por seu pai, que foi covarde o suficiente para abandonar ela e trocar sua mãe por uma adolescente da mesma idade que ela.

O ódio corria por suas veias e na tentativa de eliminar esse sentimento ela aceitou a todos os convites para as festas de Henrique e das gêmeas. Bebeu, cheirou e fumou tudo o que lhe ofereciam, e na manhã seguinte — junto com a ressaca — toda a dor, ódio e o choro contido estavam ali de novo.

— Essa é uma situação complicada, Lua — a gêmea Aurora tentou animar a amiga que contava o motivo de ter bebido todas na noite anterior — tome aqui esse remédio — lhe ofereceu um copo com algo efervecente para beber.

— Ainda mais com Rodrigo no mesmo ambiente — a gêmea Pandora fez uma observação desdenhosa sem querer, que só desencadeou mais choro de sua amiga.

As gêmeas tentavam acalmar o coração da amiga, talvez fossem as únicas sóbrias na enorme casa e, por tanto, as únicas que poderiam por juízo em sua cabeça. Ainda estavam sentadas cada uma em sua cama no quarto todo em tons de rosa, vestidas com pijamas de cetim da mesma cor. O black out nas janelas davam um ar aconchegante ao quarto escurecendo a claridade daquela manhã que irritaria qualquer ressaca.

— Você está dedicando muito tempo da sua preciosa vida em algo desnecessário, amiga, vai por mim — ficou cabisbaixa por tempo o suficiente para se recompor e não deixar seu passado a aterrorizar — correr atrás de quem não te quer e perder sua juventude por causa de um erro dos seus pais só piora as coisas.

— Você precisa de foco ou vai pirar — completou Pandora, sua irmã.

Anos antes, quando Henrique era de criança, sua mãe engravidou fazendo a família aumentar com a chegada das gêmeas, alegria para uns e a oportunidade perfeita para outros. Sobrecarregado com o trabalho em outro país, seu pai resolveu não voltar mais e abandonou a família. Sua mãe acabou por criar seus três filhos sozinha, registrando as gêmeas apenas com seu sobrenome e sem pai, fazendo-as crescer tendo apenas o irmão como imagem masculina e sendo amadas e protegidas por ele.

Quando tinham não mais que quatro anos dona Salete faleceu após um infarto. Ela fazia jornadas duplas de trabalho para poder ganhar o suficiente para sustentar seus filhos e mesmo com a ajuda de seu primogênito, as contas ainda se acumulavam até ela não suportar o estresse e seu coração falhar prematuramente.

Henrique já trabalhava e com a ajuda da pensão da mãe conseguiu se sustentar e ainda cuidar das suas irmãs, mas não muito tempo depois ele começou a se sobrecarregar, assim como sua amada mãe. Para poder ter mais tempo em casa ele decidiu largar um de seus empregos e trabalhar com algo que lhe pagasse mais e que pudesse fazer isso enquanto cuidava das gêmeas, e foi assim que ele começou a vender drogas e virou o maior traficante da elite da pequena cidade de Cerca Grande. Suas irmãs não se orgulhavam do ofício do irmão mesmo ele não sendo usuário, e por esse motivo estudavam desde pequenas para entrar em uma boa faculdade e depois ter um emprego que pudesse além de contribuir em casa, ajudar seu irmão que tanto sacrificou por elas.

— E o que sugerem que eu faça? Porque sinceramente me sinto totalmente perdida e sozinha — confessou a moça.

— Você primeiro precisa ter os estudos em dia para conseguir um emprego bom — Pandora começou a explicar para a amiga — já sabe em que área gostaria de trabalhar?

— Eu tenho os estudos em dia, mas não faço a mínima ideia do que fazer.

— Nenhum talento que se destaque? — insistiu Aurora tentando fazer Luana forçar a cabeça.

— Eu tenho as mãos firmes para trabalhos manuais e sempre faço minhas cutículas e as da minha mãe, ela diz que ficam perfeitas, e olha que nunca fiz curso, só sei o que ela me ensinou — deu de ombros.

— Isso é muito interessante. Eu e Aurora estamos estudando a possibilidade de abrir uma clínica de estética, e enquanto cuidamos da pele da cliente seria muito legal e atrativo ter alguém para fazer as unhas.

— Que ideia maravilhosa mana! — a gêmea concordou com sua irmã e acrescentou — O que acha de fazer um curso nessa área e vim trabalhar com a gente quando montarmos nossa clínica?

Luana ponderou o convite por alguns minutos, mas a verdade era que a proposta era incrível e mudaria seu futuro para sempre, e também ela adorou a ideia de trabalhar em algo que era boa e ao mesmo tempo com suas amigas. Aceitou de imediato, fazendo as gêmeas soltarem gritinhos estridentes de felicidade, mas que precisava falar com sua mãe antes.

— Aurora, pega para mim seu kit de unhas e um creme hidratante que vou fazer as unhas de vocês.

— É pra já! — a gêmea mais velha por dois minutos se levantou em um pulo para pegar a pequena maleta que ela e a irmã costumam usar para embelezar suas unhas.

Perto das duas da tarde Henrique chamou as meninas para almoçar, a galera que passou a noite ali depois da festa já tinha ido embora e agora poderiam desfrutar da paz e sossego. As gêmeas pouco aproveitavam as festas e ficavam em seus quartos assistindo, estudando ou cuidando das unhas ou pele, não gostavam desse estilo de vida, mas gostavam do que essas mesmas festas as proporcionavam, como a bela casa que moravam agora e o alimento de todo dia. Aliás, Henrique cozinhava muito bem, e por esse motivo Luana adorava quando a convidavam para uma refeição. O remédio enfim fez efeito e agora estava faminta.

— Sobre o que estavam falando? Ouvi vocês darem aquele gritinho alegre nada discreto de vocês — o anfitrião perguntou curioso e estudou seus rostos em seguida, ele conhecia cada expressão das suas irmãs e por isso sabia que havia algo grande por aí.

— Luana precisa de um norte na vida dela e nós precisamos de ajuda com um serviço extra para nossas clientes quando abrirmos nosso negócio — Aurora explicou.

— Hum, que interessante — disse pensativo com sua voz mansa — e que extra seria?

— Ela é hábil com o alicate de unha, e fazendo um curso de manicure ela pode atender nossas clientes enquanto trabalhamos, o que acha mano?

Pandora e Luana apenas assistiam o debate, elas sabiam que enquanto explicavam a cabeça de Henrique maquinava calculando se iria dar certo, ele era assim e dessa maneira poderando todos os riscos ele chegou ao topo.

— Gostei, uma ótima ideia meninas, tem tudo para dar certo — concluiu —, mas agora vamos comer, estou faminto e vocês também devem estar.

Colocando a grande frigideira fumegante no centro da mesa anexa a bancada, Henrique anunciou o prato do dia: uma mistura de carnes e diversos legumes com molho especial que ele inventou a base de soja e creme de leite, o cheiro que subiu às suas narinas arrancou suspiros e atiçou mais ainda a fome que sentiam. Henrique serviu o prato das meninas enquanto Luana os copos.

Enquanto comiam se fez um silêncio que Luana usou para pensar sobre o rumo que sua vida daria. Ela necessitava disso não só para sua sobrevivência, mas para ter uma carreira profissional e seguir em frente.

Terminando de lavar a louça enquanto as gêmeas, uma secava a louça do escorredor e a outra varria o chão para depois passar pano, Luana se despediu das amigas, precisava falar com a mãe e quem sabe se matricular em um curso.



QUATORZE

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