Prólogo - ASCENDENTE

O céu da pequena cidade praiana estava sem nuvens naquela noite e Clara olhava atentamente a cada pontinho cintilante naquele mar de esc...

═══ • ◆ • ═══ A confiança é como uma corda bamba. Difícil de se conseguir, porém fácil de se perder ═══ • ◆ • ═══ D esde muito pequena Clara...

• Quinze • ASCENDENTE

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A confiança é como uma corda bamba.
Difícil de se conseguir, porém fácil de se perder

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Desde muito pequena Clara sonhava com um casamento de conto de fadas, assim como o de seus pais, porém desde que conheceu os irmãos sabia que seria difícil chegar aonde queria. Ela bem sabia que a amiga queria focar nos estudos e não se deixava abalar por paixonites, mas observando suas atitudes com Diego e o brilho no olhar de Amélia, ela entendeu que era real e que a amiga estava realmente apaixonada. Ela era assim, se dava importância, ela ia até o fim, caso contrário nem começava.

Clara se sentia diretamente responsável pelo relacionamento da sua quase irmã e por isso não conseguiu tomar nenhuma atitude contrária. Ela aguentou firme tentando esconder seus desejos mais obscuros guardando no fundo do seu coração. Pensava nisso quanto naquele momento estava Rodrigo ali no seu portão com uma roupa estranha segurando um buquê de flores. Ela sorriu, porque faria qualquer coisa pela sua melhor amiga.

Durante um jantar em família naquela semana Clara pediu permissão aos seus pais para convidar Rodrigo para um almoço no domingo. Para as famílias tal companhia era importante e Clara não falharia nos detalhes.

— Eu quero pedir que ele possa almoçar com a gente no domingo, eu gosto muito dele e ele de mim, por favor pai e mãe. — pediu a filha mais velha com olhar de cachorro pidão.

Seus pais se entreolharam, eles bem sabiam que esse dia chegaria e por ter sido casado e enviuvado anteriormente, senhor Narciso aprendeu com suas três outras filhas como se comportar nesses momentos. Bastou um aceno discreto para sua mulher para ela dizer:

— "O que você não pede rindo que eu não faço chorando?" — era um ditado popular que queria dizer que alguém, mesmo não gostando, faria a vontade de uma pessoa, só para agradá-la.

— Obrigada pai e mãe.

— Vamos ver como será, você jantou com os pais dele, agora é a nossa vez.

E então chegou o dia tão aguardado.

A semana de Clara foi bastante agitada, na segunda tratou de lavar e passar a roupa de todos, o traje de domingo era a que se usava para ir à igreja ou para passeios, todas foram feitas pela sua mãe. Clara, Flora e sua mãe usavam vestidos combinando "mãe e filha" em tom bege, diferenciando apenas na cor da estampa florida, o de Clara era um tom de azul clarinho, o de Flora era rosa e de dona Maria era vinho. Seu pai gostava de uma calça e sapato social preto e uma camisa de botões branca ou azul. Seu irmão caçula também e parecia um homenzinho vestido assim.

Na terça, cuidou dos calçados, limpou meticulosamente cada um e deu brilho nos sapatos dos meninos e nas sandálias das meninas fez pequenos consertos nas tiras.

Na quarta fez uma faxina nos quartos, trocou as roupas de cama, colocou os cobertores no sol, bateu os tapetes para tirar o pó, varreu e encerou o piso de madeira.

Já na quinta, limpou as áreas comuns, esfregou o banheiro, tirou o pó da estante e bateu os tapetes da sala. Na sexta varreu e juntou folhas secas do quintal e colheu os frutos das árvores frutíferas. Havia um pé de limão que seria usado para temperar o peixe, a goiaba sua mãe faria um doce para a sobremesa e laranja para um suco natural.

— Que empenho, minha filha — observou sua mãe quando a filha estava trazendo a sacola com as frutas.

— Estou exausta, mas é por um bom motivo, mãe.

— Acredito, minha filha — respondeu a mãe pensativa — tire o dia de descanso, está tudo limpo você já fez o bastante, a Flora fará o resto.

Clara concordou com a cabeça e agradeceu a mãe.

No dia D, acordou cedo para se arrumar para ir à missa na Paróquia São João Evangelista, a qual frequentavam. A família sempre foi religiosa, nessa mesma igreja foi onde seus pais se casaram, ela e seus irmãos foram batizados e fizeram a comunhão — exceto o caçula que ainda não tinha idade — e ambos os três seriam crismados algum dia. Aos domingos eles sempre iam na missa com o padre da paróquia e almoçavam em casa.

Chegando em casa, seu Narciso foi para a sala assistir as programações do dia, ele adorava futebol e torcia para o Vasco, assim como seus filhos do casamento anterior e Clara e seus irmãos mais novos. Seu caçula com apenas cinco anos era novo para dizer se gostava de algo, mas sempre brincava sentado no tapete aos seus pés ouvindo tudo ao seu redor parecendo estar distraído.

— Flora minha filha, me ajude aqui.

Dona Maria fazia o trabalho mais pesado na cozinha enquanto ensinava as filhas com as mais leves. Ela já estava cortando as batatinhas para a maionese.

— Pegue aquela panela grande ali no paneleiro despeje duas xícaras de arroz e lave bem aqui na pia.

A filha do meio veio do seu quarto emburrada até o suporte de metal em forma de torre onde cada panela ficava em um andar, as maiores embaixo até no topo com a menor, tomou nas mãos a maior e fez como a mãe a ensinou, que depois a mãe ascenderia o fogão com o fósforo longo.

Clara veio logo atrás e perguntou o que fazer, então sua mãe a pediu para pegar seis ovos no galinheiro atrás de casa e separar as gemas para fazer o molho da maionese. Pegou o cesto artesanal de palha e caminhou apressada até os fundos do terreno até o cercadinho coberto e fechado com cerca entrelaçada onde as galinhas estavam em seus poleiros, tinham cerca de dez galinhas e seis já haviam colocado seus prêmios para fora que a moça colheu antes que o galo viesse lhe atacar, esse era bravo.

Voltou com os ovos e fez como sua mãe a ensinou, lavou três e colocou para cozinhar em uma panela pequena com água e um pouco de vinagre, quebrou restante dos ovos no prato fundo separando as claras em um copo. Pegou os ingredientes para o molho e dispôs na mesa ao lado do prato.

Nesse momento dona Maria estava orgulhosa vendo suas filhas que tanto deram trabalho e brigavam entre si, agora lhe ajudavam na cozinha juntas, observou Flora abanar para um mosquitinho sair do rosto da irmã enquanto estava com as mãos ocupadas.

De repente, o caçula Augusto entra correndo na cozinha.

— Mãe, chegou um carro aqui na frente de casa! - gritou o menino.

Dona Maria olhou para sua mais velha e notou um brilho diferente em seu olhar. Excitação? Apreensão? Não soube decifrar sua filha pela primeira vez, mas fez um sinal positivo quando a mesma a encarou.

— Vai lá filha, receber o rapaz.

Augusto não se aguentou e correu novamente para a porta e gritou que sua irmã já estava indo, fazendo o rapaz que esperava no portão não segurar um riso fofo.

Clara não demorou a lavar as mãos e as esfregou na toalha para secar durante o trajeto até a porta da frente e congelou ali mesmo. Sempre encontrou com Rodrigo na rua e vestindo roupas informais, até mesmo na festa que o conheceu, mas naquele momento podia ver um outro lado seu trajando roupas adequadas para o encontro familiar, até o cabelo ele arrumou. Ele parecia outro rapaz, mais bonito também. Usava um tênis branco com sola larga que ele usava para andar de skate, a calça jeans era lisa e sem rasgos, um pouco folgada nas pernas e era presa por um cinto marrom que só foi visto quando ele abanou os braços para a cumprimentar. Vestiu uma camisa branca listrada de botões aberta por cima de uma camiseta preta sem estampa.

Clara calçou um chinelo que estava ao lado da porta na varanda e caminhou animada até o portão para receber seu namorado, o carro do rapaz estava estacionado bem em frente à sua casa, o que renderia pano pra fofoca da vizinhança o ano todo.

— Olá, namorado — disse a moça em um tom suave e animado abrindo o portão de madeira em seguida.

— Olá, namorada — seu sorriso era diferente de Clara e era travesso, fazendo ela corar.

— Entra, o almoço está quase pronto e logo vamos nos servir, fique sabendo que vou ser seu escudo contra meus pais e suas perguntas, mas me ajuda, não se faça de sonso!

— Eu sonso? Vou tirar de letra e eles vão me amar, você vai ver — disse ele confiante nos seus instintos.

Deram as mãos até chegar na porta, mas seu pai apareceu na varanda como mágica fazendo ambos terem um sobressalto e se largarem rapidamente, Rodrigo limpou a garganta e foi aí que Senhor Narciso ganhou o dia, mas deixou para rir internamente enquanto mostrava sua feição mais tenebrosa afim de assustar o rapaz que chegou a sua frente em poucos segundos.

— Olá senhor Bittencourt, não sei se lembra de mim, vim me apresentar formalmente, sou Rodrigo Silva.

— Bom dia — respondeu fazendo uma carranca e virou de lado dando passagem para o rapaz entrar, jogando uma piscadela para sua filha quando Rodrigo já havia entrado na sala, indo atrás dele em seguida.

— Olá rapaz — sua mãe deu uma pausa apenas para cumprimentar o rapaz, o primeiro namorado que su afilha trouxe em casa para conhecerem — seja bem vindo, entre.

— Olá dona Maria, é para a senhora, espero que goste — lhe estendeu o buquê que trouxe nas mãos.

— Que mulher não gosta? Obrigada, vou por em um vaso — riu e se afastou.

— Você veio dirigindo, aquele carro é seu? Você pode dirigir? — Narciso perguntou sentando no seu lugar no sofá apontando para onde o rapaz deveria se sentar, ficando de frente para o rapaz.

— Eu posso dirigir sim, tirei minha carta mês passado. Sinceramente o carro é de um amigo, ele me deu em troca de uns serviços que fiz para ele.

— Seu amigo parece ser generoso, mas você não parece contente com isso — fez uma pergunta indireta.

— Eu sou muito grato por tudo o que ele fez por mim, mas ele ama esse carro e pretendo devolver quando conseguir comprar outro.

Narciso ponderou o que o rapaz acabara de falar, ele parecia estar sendo sincero em tudo o que disse ou era um tremendo ator, e isso o fez subir uns pontos com ele. A brusca chegada de sua mulher na sala fez ele sair de seus pensamentos.

— O almoço está pronto, venham para a mesa comer — disse ela do meio da sala com a mão na cintura em um tom para que todos na casa ouvissem.

— Até que enfim, estava morrendo de fome — o caçula disse correndo em disparada até os fundos da casa. Narciso e Rodrigo o seguiram.

A cozinha era pequena e mesmo que apenas um convidado a mais dona Maria preferia que se alimentassem fora de casa, na varanda, então Narciso montou uma mesa grande do zero com seu dom para a marcenaria. A parte plana da mesa estava coberta por uma toalha de renda sobre uma outra toalha floral e embora humilde deixava a mesa agradável, apenas os pés da mesa talhados no torno muito bem desenhado estavam à amostra.

Dona Maria adorava juntar a família e fazer um grande almoço de domingo e para isso gostava de usar um conjunto de louça especial que ganhou de casamento. Para cada membro havia um prato raso de porcelana branca com pinturas de arranjo de flores e bordas douradas. Os copos altos eram transparentes ripado com as bordas lisas. Os talheres eram longos de inox com adornos na ponta do cabo.

Diversas travessas e caçarolas foram reunidas no centro da mesa junto com uma jarra de suco natural de laranja. Dona Maria havia feito com a ajuda das filhas carne de panela e ficou no ponto de se desmanchar ao pegar com o garfo, arroz branco soltinho, maionese caseira feito com batatas ao molho caseiro de ovos, salada de tomate e cebola.

Clara terminava os últimos ajustes para ficar perfeito, quando todos se reuniram, seu pai se sentou no seu lugar na ponta da mesa e começou a se servir, seu irmão sentou no lado esquerdo dele e esperou ser servido pela mãe e dona Maria sentou à direita pegando a colher, Flora ao lado do seu irmão, então Clara apontou para o rapaz se sentar ao lado da sua mãe e ela se sentou na ponta oposta do pai. Era quase uma armadilha fazer o rapaz sentar ali recebendo toda a atenção do futuro sogro, mas Clara já havia pensado nisso e tomou o lugar antes.

— O que seus pais fazem? — disparou Narciso depois que todos se serviram e comiam silenciosamente.

— Meu pai é militar, ele está de licença, e minha mãe é dona de casa.

Narciso mastigou a carne da boca pensando na ordem de suas perguntas. Ele sabia que o rapaz já era de maior, mas era só isso que sabia até agora. Ele precisa caprichar nas perguntas a partir daquele momento.

— E você? — jogou-lhe um olhar furtivo se concentrando na comida do seu prato novamente, cortou a carne, colocou na boca e mastigou vagarosamente, indicando que teria todo o tempo do mundo para ouvi-lo.

— Hã... — o rapaz já começou a tremer de nervosismo, mas já havia se preparado, então só deixou sair — eu abri uma casa de pranchas recentemente, vou inaugurar mês que vem, se puder levar Clara para uma pequena confraternização com meus amigos ... — ele respondeu pausadamente ponderando quais palavras usar, suava um pouco nas palmas das mãos.

— Vou pensar.

Rodrigo deu um pequeno balanço com a cabeça, ele estava aliviado que não recebeu um não de cara.

— Seu pai tem uma carreira militar, você não pensa em seguir os passos dele? — Narciso continuou metralhando o rapaz.

— Eu não sei o que meu pai passou lá, mas não pretendo seguir os passos dele, estou tentando o convencer disso no momento, espero que dê certo com a casa de prancha, se eu falhar meu futuro já está traçado na marinha — o tom de voz de Rodrigo oscilou entre esperança e tristeza, ele amava o pai e sabia que sofreu muito até chegar onde estava, mas a tranquilidade que ele passa hoje nunca apagará os horrores que ele vivenciou na guerra quando nem sabia se voltaria para casa.

O resto da refeição foi tranquila e em silêncio, então tudo ocorreu bem até agora, Clara ficou aliviada por não precisar intervir em momento algum e deu um sorriso sincero a ele quando todos estavam concentrados em seus pratos.

— A refeição estava muito boa, obrigado dona Maria.

— Mas já terminou? — perguntou ela em tom surpreso, ele não havia enchido o prato, mas não repetiu.

— Fiquei sabendo que tem uma sobremesa ótima que a senhora fez e quero experimentar — Rodrigo já se sentia a vontade para fazer esse tipo de comentário, pois a havia conhecido no outro dia que buscou Clara para jantar em sua casa com seus pais — posso tirar os pratos para a senhora?

— Não é necessário — disse ela e chamou suas filhas — Flora tire os pratos e traga pra mim na cozinha? Clara pegue as travessas e colherinhas de sobremesa.

— Sim mãe — respondeu a moça parecendo estar de mau humor.

— Sim, mãe — Clara imediatamente se levantou para seguir sua mãe ajudando sua irmã a levar alguns pratos.

Voltando com a travessa da sobremesa e o conjunto para sobremesa e talheres

— É doce de goiaba, você gosta? — Dona Maria o serviu primeiro como se fosse seu filho, ela estava começando a gostar do rapaz e ele pareceu ser um bom partido para sua filha.

— Gosto sim, obrigado. Eu só não gostaria de demorar muito, eu queria fazer um passeio com a Clara agora, para não ficar tarde para trazê-la depois. Podemos?

— Claro que podem, onde vão?

— Meu pai tem um pequeno barco, não se preocupem, temos colete salva vidas e ele irá junto, não tenho habilitação náutica — explicou um pouco envergonhado, o passeio era surpresa, mas o rapaz não pensou na variável que era pedir para os pais dela.

— Que legal, vai se aprontar Clara, só não demorem a voltar — sua mãe queria gargalhar com a expressão de surpresa da filha.

— Voltem ao anoitecer, mas não espere escurecer no mar, é difícil navegar mesmo com experiência — ponderou Narciso, que era filho de pescadores.

— Sim, senhor.

Despedindo-se de todos, Rodrigo abriu a porta do carro para Clara e dirigiram até a Marina Três Sereias, que ficava perto da sua casa onde seu pai guardava o barco de passeio.


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