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Tenha coragem para enfrentar o seu destino,
seus medos e arrependimentos
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Ajeitando a franja na testa, que estava em
alta na época assim como o macacão jeans, tênis branco e moletom que vestia,
Pandora observava seu reflexo no espelho. Aurora, que esperava sua irmã
terminar de se arrumar sentada no puff branco redondo, vestia os mesmos
modelos de roupas mudando apenas a cor do moletom e do tênis e mais alguns
detalhes das peças.
— Mana, nós vamos nos atrasar — Aurora alertou a irmã olhando o relógio de
pulso com números romanos que antes era de seu pai.
Arrumavam-se para irem ao curso, enquanto Pandora iria aprender a diferentes
técnicas de massagem e drenagem linfática enquanto Aurora iria aprender limpar
a pele com cremes, esfoliantes e tonificantes, com as mãos firmes e olhos
atentos ela faria procedimentos com agulhas e outros maquinários estéticos. As
gêmeas almejavam ser referência em técnicas de rejuvenescimento das camadas de
pele.
Ambas eram vaidosas e sempre acompanhavam as tendências de estética, maquiagem
e moda, sempre testando novos produtos sendo cobaia uma da outra. Elas amavam
isso e escolheram que seria sua profissão e seu ganha pão, estudando para
trabalhar na área atendendo mulheres da alta sociedade, talvez até modelos.
Para chegar até a escola, as gêmeas precisariam ir de ônibus até a capital, na
ilha, cerca de trinta quilômetros da pequena cidade de Cerca Grande. Henrique
sabia dirigir e tinha veículo, mas com seu trabalho diurno ele acabava sem
tempo para acompanhar as irmãs. Não antes de ensinar a malandragem da rua para
elas não serem alvo nas mãos de rapazes de mente fraca que buscavam por presas
fáceis.
A pequena viagem até a capital durou menos de meia hora, saíram do ponto de
ônibus intermunicipal na beira do acostamento da rodovia sentido sul, uma
construção de cimento coberta por uma telha ondulada de eternit, e iam até o
ponto mais próximo da escola. O clima estava agradável e por ser um horário de
pouco movimento, o veículo fez poucas paradas no caminho, diminuindo o tempo
de viagem.
A capital era também a maior cidade do estado e antes de descer do ônibus,
olhando através das janelas retangulares com bordas arredondadas, já era
possível ver a diferença entre sua cidade e Ilha Bela. Os prédios se erguiam
do chão até quase o céu, as avenidas eram longas e cheias de carros de todas
as cores e modelos em todos os sentidos e a ponte que ligava o continente à
ilha era magnífica, tanto de dia quanto de noite quando suas luzes noturnas
eram acionadas. Fotógrafos ganhavam muito dinheiro com belas fotografias
tiradas da gigantesca construção. Pandora gostava de admirar as construções e
por esse motivo às vezes era fácil perder a hora.
— Que revestimento incrível fizeram nessa fachada, Aurora, lembra como era
antes da reforma?
— Lembro sim, mas vamos nos apressar para chegar na hora, mana!
O pequeno palácio dos anos 20 onde hoje era uma escola de cursos técnicos
estava muito bem conservado, as paredes pareciam ter sido pintadas
recentemente e não havia nenhuma marca preta proveniente de água da chuva
parada. Entraram pela porta principal do prédio bem conservado e aguardaram na
recepção suas respectivas professoras chamarem. Ali naquele saguão qualquer um
poderia ter a impressão de que o tempo não havia passado, uma viagem no tempo
até quando aquela magnífica construção era o lar de umas das famílias de maior
posse em Ilha Bela. Não eram seus fundadores, mas chegaram lá pouco tempo
depois.
Os móveis da recepção foram feitos sob medida para o ambiente com madeira
nobre com um espaço para a profissional datilografar e outro para atender o
telefone de disco, tudo sem sair da decoração principal. Na parede dos fundos
continha gavetas para arquivos do dia a dia.
Emília era recepcionista da escola havia muitos anos, seu sorriso era doce e
sempre com seu uniforme impecável, saia reta e longa abaixo dos joelhos cor
cinza escuro, camiseta branca e suéter também cinza gola "v". Assim que Emília
notou a presença das meninas ela checou o relógio de pulso com tira de couro,
levantou-se e caminhou até os arquivos para pegar o papel de presença das
gêmeas, um no separador A e outro no P, logo as irmãs se aproximaram do balcão
para assinar.
— Como estão meninas? — perguntou docemente a recepcionista de quase trinta
anos, que não mostrava nenhum sinal de idade na face polida com pouca
maquiagem.
— Estamos bem, obrigada por perguntar, Emília — respondeu Aurora antes de
pegar a caneta para assinar seu nome na linha pontilhada ao lado da data já
datilografada.
— E como foi seu final de semana? — Pandora perguntou com um olhar sugestivo e
malicioso. Emília chamou as meninas mais perto para poder cochichar.
— Como foi o fim de semana e ... — alguém entrou na pequena sala fazendo ecoar
seus saltos, as moças se sobressaltarem assustadas, cortando o assunto na
hora.
Era Alessandra, uma das professoras da escola que nenhuma das três gostavam,
então resolveram terminar de assinar os papéis em silêncio sob o olhar
reprovador da tal professora, que percebendo o clima que acabara de criar no
ambiente propositalmente, continuou seu trajeto satisfeita e sem interromper
os passos. O momento desconfortável passou rapidamente até que mais alunas
chegaram e as professoras vieram até a recepção chamar seus alunos.
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Luana tentava se concentrar no que a sua mãe lhe dizia enquanto sentia seu
estômago revirar, mas era quase impossível e em meio segundo ela correu até o
banheiro e golfou no vaso sanitário.
— Menina, o que andou comendo? — perguntou sua mãe achando ser apenas uma
indigestão. Ela não conseguiu responder, inclinando a cabeça na cerâmica
novamente jorrando o resto do líquido estomacal.
A moça lavou o rosto e tentou tomar os remédios que sua mãe separou para
tentar passar os sintomas pós-festa, mas Luana sentia que não era como das
outras vezes e recorreu às suas amigas. Custou a caminhar até a casa das
gêmeas, até porque já estava totalmente escuro e uma jovem sozinha na estrada
naquela hora não era bem visto pelos vizinhos, mas por sorte passou por ela um
carro conhecido que parou ao seu lado.
— Henrique? — a jovem perguntou ao se curvar para ver o motorista.
— E aí? O que aconteceu, Luana? Está com uma cara péssima — o rapaz observou.
A jovem que tinha a pele bronzeada estava pálida tanto como seu cabelo loiro,
se sentia fraca, além dos enjoos constantes.
— Eu realmente não estou nos meus melhores dias. As gêmeas já chegaram?
— Já chegaram sim, entra aí — diz se esticando para abrir a porta por dentro
para ela — tenho algo para esse mal estar.
De carro o percurso de quase quarenta minutos a pé durou apenas dez seguindo o
mesmo trajeto, e logo o rapaz manobrou na garagem.
As gêmeas já tinham tomado banho e vestiam seus pijamas de dormir sentadas no
sofá de couro rodeadas por cadernos e apostilas com imagens de rostos
femininos aguardando o irmão chegar com as misturas para o jantar. Ao ouvir a
porta da garagem se abrir elas correram até lá e ficaram muitos felizes ao
verem sua melhor amiga, mas logo perceberam que ela não estava bem.
— Venha para nosso quarto, vamos conversar — Pandora guiou a amiga pelos
corredores neutros da casa até o quarto rosa.
Cada uma se aconchegou em uma cama e Luana no puf de frente para as gêmeas.
— Como se sente, Lua? — Aurora perguntou.
— Estou com os mesmos sintomas de ontem, mas pior — desabafou a moça às
amigas.
Aurora ainda quis saber se a amiga já tinha tomado algo para tentar ajudar,
talvez levar ela ao médico, e Luana respondeu o que sua mãe já tinha a
medicado.
— E se estiver grávida? — perguntou Pandora pensativa com sua voz mansa.
— Como assim grávida? O que você entende de gravidez, Pan? — foi a vez de
Luana arregalar os olhos incrédula por esse pensamento ter passado pela cabeça
de sua inocente amiga.
— Vamos dizer que você e Rodrigo se cuidaram em todas as relações — Pandora
rabiscava o caderno que trouxe consigo e enquanto falava, desenhava as
anatomia da pele delineando o folículo piloso — ainda pode existir uma
possibilidade.
— Todas sabemos que por mais que se cuide, ainda está sujeita, que o único
jeito de ter risco zero de gravidez é não fazer sex... — foi interrompida pela
amiga que correu até o banheiro da suíte para golfar novamente.
As gêmeas se entreolharam compartilhando do mesmo pensamento.
─ • ◆ • ─
Perdida em pensamentos Luana tentava se manter calma, mas o clima hospitalar
do pequeno posto de saúde perto da sua casa a deixava pouco confortável e
ainda mais assustada do que parecia.
Na época em que vivia não existia muita tecnologia, mas sua mãe não precisou
dela para descobrir que tinha algo de diferente no corpo de sua filha, e
quando Luana passou o segundo mês sem usar o devido cuidado íntimo para as
regras, seu sensor de mãe soou e decidiu tomar as devidas providências. Luana
ainda era menor de idade, e mesmo se não fosse dona Cida a acompanharia aonde
fosse, para não se sentir de fora e também para dar o amparo que só ela
poderia oferecer.
O posto abriu as portas quando era sete em ponto e depois de esperar sua vez
na fila e dar entrada no atendimento, Luana esperou ser chamada pela
enfermeira para passar pela triagem, que consistia em anotar nome e idade,
medição da temperatura, altura e peso, era uma etapa apenas para controle.
Caroline, a enfermeira que atendeu a jovem moça na salinha, verificou depois
das medições que os dados colhidos estavam dentro dos padrões e a liberou em
seguida para esperar a sua vez para então ser atendida pelo clínico geral em
seu consultório. Esse sistema era um pouco burocrático e todo manual, e por
isso demorou um pouco, mesmo tendo poucas pessoas naquele dia para serem
atendidas.
— Conte-me o que aconteceu senhoritas — Doutor João Ramalho, o médico, disse
cordialmente depois que chamou a moça da porta se sentando em seguida que ela
e sua mãe entraram no consultório fechando a porta atrás de si.
— Então doutor, percebi algumas coisas anormais com a minha filha e decidimos
verificar como anda a saúde da minha filha. — Dona Cida tomou a palavra e
explicou o que estava acontecendo, ela tinha alguns palpites, mas queria ter
certeza com o resultado de exames e não acabar assustando sua filha. Essa
senhora não era estudada, mas aprendeu muito com a vida na roça.
O médico pediu para que a moça se sentasse na maca, ele iria fazer alguns
exames de rotina em seu consultório como medir seu batimento, respiração, e
depois de deitada com o abdômen à amostra, ele fez um exame de toque para
saber se a moça sentia alguma dor na região. Doutor Ramalho pode tirar algumas
conclusões iniciais, mas assim como pensou Dona Cida, ele não quis alarmar
nenhuma das mulheres, agora sentadas, à sua frente. E por último fez uma série
de perguntas, anotando as respostas em seguida em uma folha de papel com os
dados dos exames anteriormente colhidos.
— Com essa conversa consegui fazer um prognóstico, mas ainda preciso de outros
exames mais esclarecedores — ele rabiscava alguma coisa no receituário — tudo
bem?
Mãe e filha assentiram sem saber o que pensar, as palavras do médico tinham
pesos distintos entre elas. Dona Cida sentiu um frio na barriga quando o
médico anunciou isso, era como se ele tivesse confirmado seus pensamentos em
silêncio. Ela sempre observava e cuidava de perto a filha e mesmo sendo
teimosa às vezes, ela jamais tinha saído da linha, e a incerteza da obediência
da filha agora lhe chamava mais a atenção do que o próprio caminho, topando o
dedão na calçada, por sorte estava de braços dados com sua filha única que não
caiu de cara no chão.
Luana, portanto, tinha ouvido alguma coisa entre as meninas da escola sobre
doenças que eram passadas durante uma relação, e ela tinha pavor só de pensar
que poderia ter contraído alguma de Rodrigo e por isso o médico havia pedido
por mais exames.
Um rapaz que lhe trouxe tanta dor e desgosto, mas mesmo assim ela o amava.
Com o encaminhamento que doutor João Ramalho entregou à sua mãe, Luana poderia
realizar os exames solicitados no laboratório da sua pequena cidade no dia
seguinte e então sanaria toda e qualquer dúvida sobre seu atual estado de
saúde.
Mãe e filha iam embora com tantas dúvidas quanto chegaram no posto de saúde,
mas tentavam ao máximo não transparecer o que sentiam. Ainda cheias de
dúvidas, as mulheres Lyra seguiram pelas ruas de chão esburacadas até a escola
de Luana, ainda era cedo, mas já tinha perdido algumas aulas e sua mãe
precisava justificar para que ela pudesse assistir as próximas.
PRÓXIMO CAPÍTULO DISPONÍVEL:
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