═══ • ◆ • ═══
Como disse o Hungria:
"quem dorme sonha e quem vive realiza"
═══ • ◆ • ═══
Um mês de preparativos passou voando na
percepção de Rodrigo, e o sábado da inauguração chegou. O rapaz quase não
conseguiu dormir a noite de tanta ansiedade, o que o segurou esse tempo todo
era Clara e o apoio que dela.
O sol já estava ascendendo no horizonte onde beijava o mar quando Rodrigo
pulou da cama afim de checar os últimos detalhes na loja, mas não sem antes
tomar um café reforçado, pois não tinha certeza se iria conseguir almoçar. Foi
até a padaria mais próxima e escolheu lanches variados para oferecer aos seus
amigos, era o mínimo que ele poderia fazer pela ajuda.
Pediu que as meninas viessem de shorts jeans, pois a parte de cima ele iria
fornecer como um uniforme padrão. Ele escolheu uma camiseta branca de algodão
e estampou a logo da loja bem grande na frente, pois o tecido transpirava bem
e a cor não absorvia tanto calor, se tornando a opção mais fresca.
Deixou a mesa organizada com o que comprou na padaria, xícaras e café com
leite e foi checar os últimos detalhes antes de finalmente abrir a loja. Ele
conferiu os chaveiros numerados em forma de prancha para os clientes que
guardariam as suas ali, elas eram em tons de rosa, roxo, amarelo e laranja
vibrantes, e cada um tinha um número — de um a vinte —, que era o total de
vagas que ele conseguiu para manter uma distância boa entre elas sem
prejudicar os materiais. Eles ficariam pendurados em ganchos no painel dentro
do balcão embaixo da caixa registradora, assim ficariam seguros com a portinha
trancada. As pranchas ficariam em pé lado a lado em um suporte que ele criou
no quarto extra, onde elas estariam longe da humidade e bem armazenadas.
Em menos de dez minutos o pessoal começou a chegar, primeiro foi Clara, que
estava tão ansiosa quanto ele, e por isso mal dormiu a noite, e trouxe com ela
a amiga Amélia. Depois Henrique e as gêmeas e por último Vinícius e mais um
amigo deles, o Eduardo, que era o oposto de Vinícius — que era descendente de
índio — sua pele era alva queimada do sol depois de longas horas surfando, seu
cabelo era liso e escuro, e a franja lhe atrapalhava os olhos dependendo como
mexia a cabeça, era tão alto quanto Henrique e tinha os olhos achatados e
amendoados mais gentis do grupo.
— Bom dia, amor — disse Rodrigo ao abrir a porta grande de vidro da loja para
a namorada entrar.
— Bom dia, Rodrigo! — respondeu a moça dando um pulinho para alcançar selinho
rápido.
— Oi Amélia, quanto tempo!
— Oi Rodrigo, pois é, fiquei sabendo que precisava de ajuda e vim ajudar,
trouxe o material que pediu, inclusive. — disse dando tapinhas na bolsa,
sinalizando que estava ali dentro.
— Claro, toda ajuda é bem vinda, obrigado.
— O que você já conferiu? — perguntou Amélia prestativa, para se posicionar no
que precisasse.
— Praticamente tudo, mas tenho a sensação de que está faltando alguma coisa —
perdido em seus pensamentos só ouviu seu amigo chegar quando ele o chamou pela
segunda vez.
— E aí, bro? — Henrique chegou com as gêmeas, então Rodrigo deixou as meninas
a sós para cumprimentar o melhor amigo e sócio da loja de surf.
— Fala gente boa — deram um toque de mãos que só os dois fazem, começando com
um aperto de mãos estralado, seguido de um soquinho e depois um encontro de
ombros.
Era a primeira vez que Amélia foi na loja depois de tudo arrumado, então Clara
fez questão de mostrar para a amiga como ficou depois de pronto o box, as
artes que ela criou e pintou, as pranchas criadas para venda e a decoração em
geral. De repente foram interrompidos por uma voz forte que vinha da porta da
loja.
— Chegamos galera!
Vinícius e Eduardo eram inseparáveis e por isso tinham certa afinidade que os
tornavam extrovertidos fazendo piadas hilárias e rindo a todo momento e a
chegada deles trouxe uma atmosfera mais animada ao grupo, além do fato de que
eles trouxeram o aparelho de som para agitar. Os diferentes estilos e
personalidades se entrelaçaram, criando um clima ainda mais rico e
diversificado.
— Olha ele aí, chega mais que quero mostrar a vocês a camisa da loja — Rodrigo
chamou a atenção do grupo que estava espalhado pela loja conferindo tudo.
Pegou um pacote de uma caixa e ao abrir a embalagem desdobrou a peça em frente
ao seu corpo para poderem ver melhor.
— Uau, ficou incrível, Ro — Clara foi a primeira a elogiar.
— Essa é tamanho "P" — disse estendendo a peça a ela — pode pegar amor.
— Aiii, vou vestir agora — a garota praticamente correu até o banheiro trocar
de camiseta enquanto Rodrigo distribuiu aos demais.
— Sua loja está bacana mesmo, bro — Eduardo elogiou quando pegou seu pacote
com a camiseta.
— Valeu, eu tive muita ajuda da Clara e de todos, tenho muito a agradecer.
— Vai tomar jeito então, irmão? — Henrique não podia deixar de alfinetar o
amigo e parceiro de negócios.
— Por ela eu faço tudo— respondeu orgulhoso de si e da namorada que tinha.
Talvez essa foi a primeira vez que Henrique viu o amigo demonstrar esse lado
sensível, ele nunca tinha percebido isso antes. Ele podia ver o efeito que
Clara tinha sobre ele e achou isso muito bom e torcia pela felicidade deles.
Estava chegando a hora de abrir, então cada um se posicionou em uma parte da
loja com sua cola sobre o que deveria dizer. Essa foi a parte que Amélia
ajudou, ela pesquisou por maneiras de falar com o público e fez um rascunho em
papel cartão para ajudar cada um na hora de atender o cliente com alguma
dúvida que tiverem.
E se dividiram assim: Rodrigo ficaria gerenciando a loja e buscando algo que
precisassem. Vinícius cuidaria da venda dos souvenirs, coisa que Clara cuidou
de todo detalhe em cada item, desde camiseta, almofada, chaveiros e canecas
para que fossem atrativos e que oferecessem um giro significativo nas vendas e
não ficasse apenas acumulando pó na estante. Enquanto Eduardo cuidava da venda
das pranchas que Rodrigo já tinha confeccionado e ele estaria responsável
pelas encomendas também. E por fim, Henrique ficou responsável pelo aluguel do
box, que seria anual.
Clara, no entanto, estaria expondo sua arte, agora mais madura e com um
portfólio mais concreto, ela decidiu se dedicar mais afinco ao seu dom e seu
namorado lhe ajudou cedendo um espaço coberto ao lado da loja para ela.
Além do souvenir que ela personalizou a mão e ganharia em porcentagem de
venda, ela ainda separou alguns materiais que ela investiu sua economia para o
aniversário dela e se tudo ocorresse como planejado, ela triplicaria o retorno
financeiro.
Eram quase sete e meia quando as gêmeas chegaram com suas bolsas cheias de
apetrechos, elas estariam fazendo limpeza de pele para quem fechasse o aluguel
do box, mas fariam a outros clientes por uma taxa reduzida também. Ao lado das
artes de Clara, Aurora e Pandora colocaram uma cadeira confortável com
almofadas para os clientes relaxarem, enquanto uma faria a parte estética
facial, a outra faria uma massagem nos pés, seria um tratamento intenso e era
difícil recusar, as meninas pareciam ter boa vontade e talento.
Era costume de algumas pessoas a caminhar ou correr a beira mar logo cedo de
manhã e as faixas e banners começaram a chamar a atenção dessas pessoas,
alguns só espichavam o pescoço depois de passar na frente, outros paravam para
observar de longe, mas foi perto das oito da manhã que o primeiro cliente
entrou na loja.
Era um veranista que ainda estava na cidade aproveitando o pós agito. A
primeira vista parecia um senhor de idade, beirando os sessenta anos, mas
conversando com ele podia ser encontrado seu espírito jovem. Ele era um
empresário e também surfista e gostou muito de conhecer a loja, cumprimentou
todos com cordialidade, pegou um cartão de visita e logo saiu da loja para
terminar seu exercício matinal.
— Uaau, que senhor simpático — Aurora observou no senhor e não conteve sua
opinião — tenho certeza que ele está cheio de histórias para contar.
— E que voz aveludada — dessa vez foi a vez da irmã Pandora de sonhar
adicionando um pouco de drama — poderia ouvir essas histórias por hoooras
afinco, não me cansaria de ouvir.
O grupo gargalhou com a sinceridade das garotas, mas para elas a única
presença masculina era o irmão, e ele era apenas alguns anos mais velho, então
ver uma figura como esse senhor despertou interesse.
Até aquela hora do dia estava tudo tranquilo na loja, vez ou outra entrava um
curioso querendo conhecer a nova loja, e esses eram rapidamente abordados com
o panfleto afim de mostrar a outras pessoas.
Passando das nove da manhã, o grupo já estava sem energia e para dar uma
animada, Eduardo ligou o som que trouxera juntamente com Vinícius para dar uma
agitada.
— É hora do som, galera!
As primeiras notas de uma música eurodance ecoaram pelo espaço, ela distribuía
uma energia tão boa que foi difícil ficar parado. Primeiro os dedinhos
começaram a bater na mesa ou coxa, depois os pezinhos batiam no chão e quando
chegou o refrão foi difícil segurar a garganta e começou um show de karaokê no
meio da loja. O trio de meninas só deram risada ouvindo tudo lá de fora.
Se divertiram muito até que mais fregueses foram entrando na loja, e de
repente cada um ficou ocupado com dois ou mais clientes.
— E ai bro, eu tava guardando minha prancha nas marinas, ta ligado? — Mauro
era visinho de Henrique e quando entrou o reconheceu rapidamente chamando para
uma conversa.
Mauro era mais conhecido por Turco e todos os chamam assim. Ele tem um jeito
largado de falar, usava muitas gírias e vestia roupas largas, geralmente
camiseta com alguma estampa no peito e bermuda de tactel modelo surfista bem
chamativa
— Ei, Turco, aqui na loja do Rodrigo é muito legal, olha aqui o espaço, bro —
ele abriu a porta atrás de si que dava para a sala que seria para guardar as
pranchas — humidade, temperatura e até a maresia, tudo controlado para sua
prancha não estragar até a próxima onda.
— Gostei, cara, bacana. O Rodrigo está de parabéns. Eu vou querer um box.
— Ótima decisão. Turco, escolhe um número de um a vinte?
— Já que eu sou o cliente número um, quero o um.
— Maravilha, assina aqui — Henrique esperou que ele assinasse o contrato de
locação e lhe estendeu os itens para que ele pudesse pegar em cima do balcão —
e essa é a sua chave e esse é um cartão explicativo sobre o box.
— E eu pago tudo agora?
— Você pode pagar uma entrada agora e o restante quando trazer a prancha, o
que acha?
— Pode crê. Eu tenho uns amigos, quando trazer a prancha já trago eles para
ver.
— Seria de muita ajuda, valeu e até mais tarde!
O movimento na loja começou a diminuir perto do meio dia, quando o grupo se
revezou para ir comer. Rodrigo havia encomendado comida caseira embalada para
entrega e perto das onze e meia o entregador chegou para matar a fome da
galera.
Diversos amigos e conhecidos foram até a loja para conhecer e dar seu apoio. A
mãe de Clara apareceu com seus irmãos logo depois do almoço, e ficou encantada
tanto com a loja, quanto com os desenhos da filha, estes que ela jamais tinha
visto antes e agora sentia orgulho da sua primogênita.
— Clara do céu! Minha filha, seus desenhos são tão lindos! E a loja ficou
muito charmosa, a decoração está impecável! Parabéns a todos. — ela conseguiu
dizer diante de tanta emoção que sentia, seus olhos brilhavam admirando cada
traço dos desenhos e pinturas sob o óculos.
Flora, sua irmã, já conhecia os talentos da irmã e mesmo assim ficou
impressionada pelo talento dela, pois até então só tinha visto a arte no
papel. Essa era a única coisa que elas tinham em comum e quando encontrou a
irmã a encheu de perguntas sobre as tinhas, as misturas que fez, absorção do
material, e diversas outras dúvidas que tinham.
Os pais de Rodrigo chegaram para prestar seu apoio ao filho logo depois que
dona Maria e Flora haviam saído. Dona Cecília amava o filho e fazia tudo por
ele, mesmo ele sendo ingrato e às vezes não dando o devido valor. Ela colocou
a culpa na idade, mas como podem ver ele já estava bem grandinho agora.
— Filho, trouxe biscoitos daquele que você gosta, lavei sua roupa e trouxe
também roupas de cama limpa, vê se troca e leva a usada para eu lavar, heim? —
Dona Cecília disse olhando para Rodrigo entrou no quarto que ele dormia.
— Sim, senhora. — respondeu com respeito e depois deu um longo abraço em sua
mãe, pois sabia o esforço que sua mãe estava fazendo mesmo ele morando em
outra casa, mas não sabia como agradecer ou recompensar.
Ele já era um homem feito e agora com sua altura adulta ele abraçava sua mãe
como uma conchinha em seus braços, o topo da cabeça dela roçava seu queixo e
ele se lembrava da época que era o contrário e ele se abrigava nos braços da
sua genitora.
Uma mãe sempre conhecia o filho, mesmo que ele não falasse e nem demonstrasse,
e agora ela sentia que podia descansar e parar de se preocupar com Rodrigo.
Depois que ele conheceu essa garota, dona Cecília percebeu uma certa mudança
em seu filho que ela não podia ignorar. Seria Clara a trazer seu filho para o
caminho certo?
Coronel Orlando permaneceu na loja verificando tudo, ele não gostou muito da
ideia da loja, porque conhecia bem o filho que tinha, mas era melhor que ficar
perambulando por aí sem fazer nada. No entanto, apreciou o esforço de todos
que o ajudaram, principalmente Clara.
— Gostei das suas pinturas — disse ele quando ela se aproximou para o
cumprimentar.
— Obrigada, senhor. — Clara sentiu o coração transbordando gratidão pelas
palavras sinceras do futuro sogro.
— Não me agradeça, dá para ver o quanto se esforçou, eu que te agradeço por
isso — assim como sua mulher, ele tinha certeza de que Clara veio para mudar a
vida do filho e ele se sentia grato por isso. Mas como um bom pai, ele tinha
um plano B caso esse desse errado.
Rodrigo era seu filho e ele o conhecia mais do que qualquer outra pessoa, era
exaustivo ver o quanto sua inconsistência para determinadas tarefas
atrapalhava sua vida, porém não podia forçar Rodrigo a fazer as coisas do
jeito que ele queria.
Passava das duas horas da tarde quando repentinamente a loja começou a encher
de curiosos e clientes e Cecília e Coronel Orlando decidiram ir embora e
deixar os meninos trabalharem, e sentiu orgulho deles, porque viu como estavam
trabalhando duro para ajudar o amigo.
— Vamos querido? — dona Cecília chamou a atenção do marido ao encontrar
pensativo do lado de fora da loja.
— Tudo bem sim, vamos.
PRÓXIMO CAPÍTULO DISPONÍVEL:
0 comments:
Postar um comentário