Prólogo - ASCENDENTE

O céu da pequena cidade praiana estava sem nuvens naquela noite e Clara olhava atentamente a cada pontinho cintilante naquele mar de esc...

═══ • ◆ • ═══ Às vezes você não consegue as coisas boas da vida porque sempre tem alguém mais esperto tirando de você ═══ • ◆ • ═══ C lara a...

• Dezoito • ASCENDENTE



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Às vezes você não consegue as coisas boas da vida

porque sempre tem alguém mais esperto tirando de você

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Clara analisava a fachada agora terminada com atenção, embora ela tivesse feito todo o projeto visual da casa de pranchas do Rodrigo — desde logo, cartão de visita, banners de divulgação, panfletos e todo mundo ter adorado —, ela ainda era muito insegura sobre o seu talento, embora tivesse um pouco mais de fé agora.


Depois de um mês trabalhando para abrir a loja ela se sentia exausta e sentia muitas dores nos ombros e braços, mas estava com o coração leve por ter seu dever cumprido. Não foi nada fácil sair da escola e ir direto para a casa de Rodrigo todos os dias até tarde da noite, mas com a ajuda de alguns amigos, como Diego, Amélia, Vinícius, Aurora e Pandora que vieram ajudar, se tornou um pouco mais fácil e divertido. 


Agora as pranchas à venda estavam devidamente expostas nas prateleiras, um manequim surfista modelava na vitrine e uma samambaia foi pendurada no canto por um gancho e a natureza para dentro da loja. Havia um display com alguns souvenirs no tema da loja para venda, alguma pufs coloridos no canto oposto às pranchas e um painel enorme foi pintado atrás do balcão do caixa com uma paisagem praiana que Clara havia sonhado em uma noite quente do verão passado. Decidiram não colocar nada no piso, pois como a entrada da loja daria direto para a praia, a areia teria de ser varrida diversas vezes ao dia, então um piso sem tapetes e balcões com pé e longe do chão foi a melhor escolha.


Uma semana depois que terminaram de organizar a loja Rodrigo começou a trabalhar na festa de inauguração, ele queria que fosse um evento único e marcante e por isso planejou tudo com cuidado e com a ajuda dos seus amigos festeiros. Com a assessoria deles Rodrigo sabia que não precisava se preocupar com bebida e com a música, que seria boa parte da festa.


Já passava da uma da tarde e Clara separava alguns materiais de escritório em caixinhas organizadoras no balcão principal quando um entregador trouxe uma encomenda, assinando o recibo Clara chamou por Rodrigo que estava etiquetando preços em uma pilha de produtos em cima da mesa e separando em caixas organizadoras de plástico preta.


— Rodrigo, os panfletos chegaram! — Clara estava tão animada quanto o namorado e não via a hora de tudo estar funcionando, e panfletar para avisar aos moradores e surfistas da região que a loja estaria inaugurando era o primeiro passo.


Panfletos era a forma mais comum de divulgação da época, era impresso uma arte em um papel que cabia na palma da mão e assim podia ser entregue a qualquer pessoa e se carregar em qualquer lugar. Clara criou uma arte com a logo da loja no topo, com uma fonte divertida e cores vibrantes ela anunciou a inauguração da loja, juntamente com fotos internas e externas. Mais abaixo, colocou todos os serviços e itens que podiam ser encontrados lá e no rodapé o endereço, com um mini mapa simples e fácil de se localizar.


— Ah que ótimo, as gêmeas e o Vinícius estão chegando para ajudar a panfletar.


— E ai galera? — Vinícius entrou na loja e cumprimentou quando ouviu seu nome — Vamos fazer essa cidade toda saber da loja!


— Olha ele ai, estávamos falando que vocês viriam — Rodrigo cumprimentou o amigo com um toque de mãos.


— Tamo junto, irmão!


— E ai, Aurora e Pandora, prontas para pegar no pesado?


— Uhuulll — as gêmeas gritaram em uníssono agitadas, fazendo seus brincos neon balançarem pendurados nas orelhas — nunca trabalhamos tanto, espero que ajudem a gente quando abrirmos nossa clínica, heim?


— Pode crer! — confirmou ele — Vamos nos separar em equipes e cada um pega um tanto de panfleto e uma área da cidade, pode ser?


— Então fechou! — respondeu Vinícius.


Os material chegou da gráfica em um dia bom para distribuir, não havia uma nuvem de chuva no céu, embora o sol a pino atrapalhasse um pouco. Clara preferiu roupas leves e soltas para abater o calor, chapéu de palha para não ferver a cabeça e garrafinha com água gelada e matar a sede e refrescar o clima seco. As gêmeas tiveram a mesma ideia e ainda acrescentaram o filtro solar que ajudaram passando em Clara também. Depois de prontas, se despediram para começar os trabalhos.


— Até de noite, pessoal! —  Clara se despediu dos amigos.


Rodrigo e Clara entraram no carro prata e se dirigiram até a parte sul da cidade. Entregaram por comércios tanto do ramo praiano, como lanchonetes e sorveterias, quanto em estabelecimentos fixos como supermercados e farmácias, afinal surfistas estão por toda parte. E antes de ir embora passaram na casa de alguns amigos do grupo de Rodrigo que ele sabia que surfavam ou que conheciam alguém.


Enquanto isso, as gêmeas e Vinícius foram para o lado oposto da primeira equipe, eles foram de carro até a parte norte da cidade onde estavam os conhecidos da família Silva e amigos dos pais. 


— Preciso encher minha garrafinha, minha água acabou — pediu a gêmea Aurora abrindo a tampa e chacoalhando a garrafinha com a boca para baixo comprovando que estava vazia.


— Tudo bem, vamos parar ali no restaurante que o Diego trabalha — ofereceu Vinícius e Pandora concordou também, estavam a poucos metros dali.


Assim que entraram no restaurante já avistaram o amigo carregando um carrinho de bebidas e chamaram sua atenção. Naquela hora, no fim de tarde, haviam poucos clientes.


— Oi Diego! — chamou Pandora.


— Oi, e ai galera? — cumprimentou parando o carrinho e caminhando de encontro aos amigos — Já chegaram os panfletos? Que legal!


— Já sim, nos dividimos em equipes para poder cobrir uma área maior.


— Deixa eu ver como ficou — Diego estendeu a mão para Aurora que lhe entregou — a Clara estava tão ansiosa e ficou tão incrível...


Vinícius percebeu que Diego estava concentrado por muito tempo em seus pensamentos, parecia vidrado no pedaço de papel em suas mãos, se indagou que tipo de coisa se passava pela cabeça dele, mas no olhar ele tinha um brilho diferente de qualquer outro que ele tenha reparado. O amigo então pigarreou tentando trazer Diego de seus devaneios.


— Podemos deixar alguns aqui?


— Claro, sim, sim — ele piscou algumas vezes e levantou a cabeça estendendo a mão para pegar mais um tanto com Vinícius — O dono já se propôs a falar bem da loja do visinho — riu de canto tentando esconder o nervosismo e tentou mudar de assunto sem imaginar que seu rubor já havia aparecido em suas bochechas — vocês já foram na marina?


— É nossa próxima parada — respondeu Pandora com um sorriso fofo — Diego, você pode encher minha garrafinha?


— Posso sim, só esperem um momento — Diego aproveitou e pegou a garrafinha de Aurora e Vinícius também. — Já volto.


Diego rapidamente foi até a cozinha do bar para pegar água na jarra da geladeira, mas ele não estava sozinho, o dono do restaurante, um senhor de sessenta e poucos anos, cabelos ralos e grisalhos com espírito jovem, talvez por isso ele sempre gostou dos filhos do seu visinho. Ele observava a cena atentamente de trás do balcão e não disse nada quando Diego se aproximou, apenas deu de ombros para o rapaz, e apontou para um monto reflexivo na parede.


Curioso o jovem rapaz verificou sua aparência no espelho e atestou o que desconfiava: seu rosto parecia um tomate. E ainda pensou "é claro que as espertinhas das gêmeas imaginaram algo, elas pegam tudo no ar, são muito astutas!". 


Voltando ao encontro dos amigos pensativo parecendo um cachorro com o rabo no meio das pernas, ele bem sabia que tinha sido pego, e poucas palavras não bastariam para explicar tudo que estava acontecendo e o que ele estava sentindo. Diego decidiu só se despedir deles entregando as garrafinhas em seguida.


— Bom, obrigado amigo, nós vamos indo nessa — rapidamente Vinícius deu uma piscadela para as garotas e elas logo fisgaram a isca e se despediram.


— Tchau, Diego!


Enquanto caminhavam pelo longo estacionamento até a estrada o trio podia sentir as costas queimando imaginando o que Diego estava pensando no momento.


— Você não achou estranha a atitude do Diego?


— Eu também percebi, tinha algo no olhar dele, hum... e que climão, fiquei sufocada — esfregou o peito como se realmente tivesse sentido isso fisicamente — vou ficar de olho nele.


— Estranho né? Mas fica entre nós meninas, acho que não é da nossa conta. —  Vinícius ponderou.


— Vini, você já conhece esses irmãos a bastante tempo, você devia falar alguma coisa! Você sabe que eles escutam você e meu irmão, porque são mais velhos.


— Eu sei, mas tem coisas que não devemos nos intrometer, aliás, ta parecendo que vocês sabem de algo mais.


Ambas se entreolharam, mas não disseram uma palavra.


— Ta, entendi, tem alguma coisa a mais rolando. Alias, eu não vi mais a 

Luana, vocês viram? Ela está bem?


— Então, tem umas coisas rolando, mas ela vai falar quando se sentir melhor. Não falarei nada sem o consentimento dela — Pandora tomou a frente, ela sabia o quanto a amiga estava sofrendo e não queria piorar as coisas.


— Entendi, vocês são amigas muito leais, continuem assim. Então vamos continuar a panfletar também, estamos quase terminando. 


— Ai que ótimo, chegamos, quero fazer xixi!


O trio se distraiu com a conversa perceberam que já haviam chegado ao estacionamento da Marina Três Sereias. Aurora correu em disparada ao restaurante principal e Pandora correu logo atrás. O clima ficou tão intenso que elas só queriam pegar as garrafinhas e sair de lá, mesmo apuradas para ir no banheiro.


As cores vibrantes do céu nesse fim de tarde em Cerca Grande se contrastavam com as sombras alongadas trazendo melancolia ao espectador dessa maravilha da natureza e isso fez Vinícius lembrar da época que conheceu as meninas, quando ainda eram pequenas e usavam fraudas. Refletiu um pouco sobre o tempo que passou e que tipo de mulheres elas se tornariam. Ele era como um irmão mais velho e jamais deixaria algo acontecer com elas. Até porque Henrique o mataria se não o fizesse.


— Vamos Vini! Já está tão cansado assim?

Vinícius sorriu nostálgico com a promessa em forma de ameaça e marchou a passos lentos ao encontro das gêmeas, elas tinham a metade da sua idade e o dobro de energia e sabia que isso significava confusão em um futuro não muito distante.


DEZENOVE

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