Prólogo - ASCENDENTE

O céu da pequena cidade praiana estava sem nuvens naquela noite e Clara olhava atentamente a cada pontinho cintilante naquele mar de esc...

═══ • ◆ • ═══ Porque não depende só do que você quer, é egoísmo, se trata do que o outro quer. ═══ • ◆ • ═══ S em saber se oficializaria seu...

• Onze • ASCENDENTE

═══ • ◆ • ═══

Porque não depende só do que você quer,

é egoísmo, se trata do que o outro quer.

═══ • ◆ • ═══




Sem saber se oficializaria seu relacionamento com Amélia ou terminaria de vez e se declararia para a cunhada, Diego saiu do trabalho e foi direto para casa. Fez sua higiene pessoal bem detalhada, vestiu calça jeans, camiseta e uma jaqueta de couro e saiu de casa. Seu pai conseguiu uma moto antiga com um amigo dele para ele e seu irmão usarem ali por perto, e eles rachariam o pagamento todo mês, mas Rodrigo não precisava mais, já que tinha seu carro, então agora cada um tinha seu próprio veículo.

"Meus meninos estão crescendo" pensou seu pai ao se despedir do filho.

A cada curva que Diego fazia com a moto na rodovia sentindo o ar refrescante daquele fim de tarde batendo em em seu rosto ele sentia a ansiedade crescer dentro de si mesmo, ele precisava reprimir os sentimentos que tinha por Clara e lutaria contra eles dessa forma.

Quando entrou na rua estreita de terra pensou duas vezes se pararia em frente a casa de Clara, seu primeiro amor e confessaria tudo sem se importar se romperia corações, arriscando também ser rejeitado pela namorada do irmão. Mas usou do seu bom senso escolhendo a segunda opção e estacionou sua moto velha um pouco enferrujada em cima do tanque em frente à casa de Amélia que veio o recepcionar em seguida, pois já o aguardava sorridente na varanda da frente trajando um vestido florido. Tirou o capacete e o pendurou no retrovisor, até a forma com que ele ajeitava o cabelo fez a moça suspirar.

Dona Maria ouviu a movimentação na casa em frente e como boa vizinha foi conferir o que era. Logo reconheceu e perguntou-se o porquê o irmão do rapaz não estava ali para ver a própria filha, que andava muito diferente nesses dias, feliz e apaixonada.

— Acho que eles estão namorando escondido, bem que você poderia me ajudar a descobrir, nao é? — ela disse para sua filha mais nova, a Flora, que estava sentada em uma posição nada feminina com uma das pernas por cima do braço do sofá assistindo a televisão antiga em preto e branco. Ela só olhou em direção a sua mãe e tornou a olhar o aparelho sem dizer uma palavra, ela tinha um plano muito melhor em mente.

Amélia e Diego caminharam lado a lado até os fundos da casa até chegar na porta da cozinha onde sua família se reuniria para o jantar. Ela se sentia tão feliz por ter um rapaz como Diego ao seu lado, e era como um sonho ele estar ali para pedir sua mão em namoro, seu coração batia forte. Lembrou do modo como se conheceram e que no começo achou que estava com ela para competir com o irmão pela melhor amiga.

"Como fui boba ao pensar isso."

Ele estava ali por livre e espontânea vontade e cuidava muito bem dela, era quase impossível não ver um futuro para os dois. Descalçou a bota e entrou de meia passando pelo batente da cozinha percebeu uma moça de cabelos lisos e longos um pouco mais velha que Amélia distribuía pratos e talheres pela mesa, ela foi a primeira a vê-los, e os analisou de cima a baixo intercalando o olhar de um para o outro.

— Essa é minha irmã mais velha, Patrícia.

— Muito prazer, sou o Diego — tentou sorrir, mas estava nervoso demais, e saiu um meio torto.

— Boa tarde. Senta aqui — disse ela forçando um sorriso enquanto puxava uma cadeira na ponta oposta da mesa onde seu pai se sentava ficando no lugar mais intimidador.

Segundos depois o pai das meninas adentrou o cômodo e viu a cena: o ciúme da irmã mais velha pela mais nova, deu uma risada alta e emendou:

— Olá Diego, sou o Joaquim — estendeu a mão para um aperto firme — sente-se onde preferir — disse passando uma mão na cabeça alisando a calvice da testa terminando de ajeitar os poucos fios perto da nuca em um sinal de nervosismo.

Seu Joaquim se sentou em seu lugar fazendo a cadeira ranger e essa foi a sua vez de analisar o jovem para tirar suas próprias conclusões, o mirava com um olhar analítico enquanto fazia isso com os dedos cruzados na frente da sua protuberante barriga. Ele estava velho, mas não senil, ele bem sabia o motivo do rapaz estar ali na sua casa, sentado ao lado de sua filha caçula e mostrando tamanho nervosismo. Ele mesmo se recordou quando estava na mesma situação conhecendo os futuros sogros para pedir a mão de sua senhora, mãe de suas filhas lindas. Sentiu-se tão ansioso que teve muita dor de barriga antes de sair de casa, e por isso se atrasou para o encontro, fazendo Dona Tereza pensar que ele havia desistido.

Com essas apresentações ele mal conseguiu observar o interior da casa da futura namorada, sua família era humilde, mas tudo era feito com muito capricho. A pintura da casa era em tom neutro e o que destacava das outras casas da rua era o portão de ferro marrom, já os móveis da cozinha eram bem cuidados em tom azul pastel combinando com a geladeira da mesma cor, os azulejos bege com desenhos florais também no mesmo tom da cozinha. As capinhas de crochê estavam por todo lugar, nos eletrodomésticos, nos encostos das cadeiras, e até no botijão de gás. Ele se sentiu em casa ali e por isso surgiu um gelo na barriga.

Dona Tereza por fim percebeu a movimentação na sua cozinha quando ouviu mais vozes do que o habitual, entrou na cozinha em seguida para cumprimentar seu futuro genro.

— Olá Diego, seja bem vindo. Não repare neles, é nossa caçula e estão todos nervosos, inclusive eu — sua voz era acalento nesse momento e passou segurança para ele.

Riram do comentário de dona Tereza e puxaram as cadeiras para se juntar à mesa dando fim às apresentações e iniciando o jantar. A senhora com a ajuda das filhas cozinhou carne de panela com batatas e aipim. A raiz ficou no ponto bem molinha e a carne desmanchando, as batatas deixaram o molho da carne em uma consistência muito boa, e um sabor irresistível.

Todos se deliciaram e Diego gostou daquele clima familiar, ele realmente se sentia parte da família e em um momento de angústia por enganar a todos, um nó se formou em sua garganta que o fez engasgar e tossir, levantou-se rapidamente a fim de tentar respirar melhor, mas algo travou em sua garganta e ele fez uma careta tentando puxar o ar para seus pulmões obstruídos.

Todos ali ficaram preocupados, Amélia ficou em choque imaginando o pior cenário, então Patrícia pegou um copo d'água e ajudou o rapaz a bebericar entre uma tossida e outra achando que o ajudaria, mas sem sucesso. Dona Tereza juntou as mãos pra uma prece como boa devota de Nossa Senhora, enquanto seu Joaquim dava tapas nas costas do rapaz tentando fazer com que o que estivesse preso em sua garganta saísse de uma vez. Por fim, o rapaz que já estava ficando roxo conseguiu cuspir um pedacinho de osso, puxando o ar com força em seguida, para o alívio de todos.

— Que agonia, rapaz, você está bem? — perguntou seu Joaquim sentando na cadeira em seguida sentindo o cansaço pela tensão.

Diego só assentiu desnorteado sentindo sua garganta arranhar a cada gole de água.

— Minha nossa, fiquei preocupada — Amélia ainda estava com os olhos arregalados assustada e abanava a irmã que estava corada do nervosismo.

— Eu vou ao banheiro, com licença — disse o rapaz assim que o sinalizaram onde ficava, fechando a porta em seguida.

Olhando no fundo dos seus olhos através do espelho fixado na parede de azulejo azul, acima da pia branca, Diego refletiu sobre o que havia acabado de acontecer, morto de vergonha ele só queria sumir, mas precisava se recompor antes.

"Mas o que aconteceu aqui? Só pode ser castigo do que estou fazendo a eles, só pode! Mais que merda!"

Diego decidiu que não enganaria mais Amélia e sua família, ele não merecia aquele amor e cuidado. Lavou o rosto na pia do banheiro para tirar o resquício de lágrima da agonia de quase morrer sufocado e saiu do banheiro.

Amélia o aguardava do lado de fora ansiosa e com as mãos geladas.

— Oi, você está melhor?

— Estou sim, obrigado. — Olhou ao redor e perguntou — onde estão todos?

— Na cozinha, limpando. Quer dar uma volta?

Seria um momento perfeito para ter uma conversa a sós e terminar tudo, mas aquele doce olhar que recebeu da moça o fez recuar. Ele poderia ser digno do seu amor e esquecer Clara? Talvez por isso tenha tomado essa decisão.

— Desculpe, acho que está tarde e preciso ir para casa, amanhã eu trabalho.

— Claro, eu entendo. Quando podemos nos ver novamente? — Seu coração gelou pensando que Diego estaria escapando por seus dedos, mas ficou feliz por sua resposta sincera, ele não exitou na fala.

— Eu posso te buscar pra sair amanhã depois do expediente?

— Pode sim, estarei te esperando.

Prontamente marcaram de se reencontrar e se esgueiraram pela porta sem que ninguém os notassem sair e Amélia o acompanhou até o portão de mãos dadas.

— Te vejo amanhã, Mel.

— Te vejo amanhã, Di.

Diego ligou sua moto, mas não foi para casa. Ele se sentia sufocado de qualquer forma, e ele não poderia contar para seu melhor amigo, seu irmão, já que ele estava tão envolvido nessa história quanto ele próprio.

Quando deu por si estava na praia, a areia fria o trouxe à realidade.

— Ahhh — gritou para o vento tentando fazer com que o mar levasse suas frustrações. Claro que isso não aconteceria dessa forma. Olhou para ambos os lados da faixa de areia e pelo menos estava sozinho e ninguém ouvira. Nem tocou no jantar e estava faminto agora então decidiu ir para casa comer algo preparado pela sua mãe.


0 comentários: