Prólogo - ASCENDENTE

O céu da pequena cidade praiana estava sem nuvens naquela noite e Clara olhava atentamente a cada pontinho cintilante naquele mar de esc...

═══ • ◆ • ═══ A vida é feita de pequenos momentos de felicidade. ═══ • ◆ • ═══ A mélia estava tão feliz que queria correr para contar a novi...

• Doze • ASCENDENTE

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A vida é feita de pequenos momentos de felicidade.

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Amélia estava tão feliz que queria correr para contar a novidade para a amiga, mas depois de ajudar sua família com a louça do jantar naquele clima estranho que ficou depois que Diego foi embora, a moça sentou na varanda para olhar as estrelas e pensar sobre o relacionamento com o rapaz. Suas atitudes eram muito contraditórias e ela estava confusa, era como se tivesse no seu ombro um anjinho lhe dizendo que o rapaz era bom, que gostava dela e que seriam felizes juntos, e um diabinho no outro lado dizendo que ela o viu na noite da festa trocando olhares com Clara, mas não conseguiu se declarar e agora a usava para ficar mais perto da cunhada. Abanou ao seu redor tentando afastar esses dois pensamentos e preferiu ir dormir e deixar para se exibir para a amiga no dia seguinte.

O domingo amanheceu com um clima maravilhoso e um céu sem nuvens, Amélia foi cedo na missa de manhã e ajudou a mãe a preparar o almoço, não tendo tempo de atravessar a rua para falar com a amiga, a moça podia jurar que a mãe estava lhe passando tarefas para justamente ocupar a filha de propósito, mas ela tinha uma carta na manga. Seus pais e de Clara sempre descansavam depois do almoço, então aproveitou esse momento e chamou a amiga para passear.

Enquanto faziam o percurso até a praia do sul, Amélia contou eufórica o que havia acontecido no sábado a noite, ela estava sendo egocêntrica e só contou a parte boa do jantar. Clara sorria e acenava, mas seu coração apertava. Como ela poderia amar o cunhado e fazer sua melhor amiga sofrer tanto? Pensou ainda em Rodrigo, que depois daquela conversa sincera mudou da água para o vinho com ela e agora estavam bem. Mas o que elas não esperavam era encontrar os irmãos se exercitando na areia morna da praia ao lado de suas pranchas fincadas na areia, vestindo apenas calção até os joelhos com estampas praianas. As amigas seguraram seus chinelos nas mãos para não o perderem na areia fofa e correram em direção à eles.

— Olha só quem encontramos aqui, amiga — Amélia disse para Clara em um tom mais alto que as ondas do mar que quebravam na beira da praia para chamar a atenção dos rapazes.

Rodrigo sorriu ao se virar e ver sua garota, e respondeu à Amélia.

— Se tivéssemos combinado não daria certo!

Diego acompanhou o movimento de Rodrigo e olhando para trás viu seu irmão indo até as garotas.

Clara queria tanto se encontrar a sós com Diego, mas ela não era doida de dizer qualquer coisa naquele momento, então só continuou olhando para Rodrigo enquanto ele se aproximava forçando um sorriso no rosto. Assim como Diego, que já sentia o arrependimento arrepiando seus pêlos por ter ido até a casa de Amélia e não de Clara no dia anterior.

— Estou suado para um abraço, só me dá um beijo? — Rodrigo sentia o sol arder em sua pele por não passar filtro solar e tinha a sensação de estar melado por causa do suor, mas não esperava que Clara reagiria assim.

Clara aspirou seu cheiro natural e gostou dele, não estava fedido e seu suor tinha um cheiro amadeirado natural, talvez ele não tivesse fumado naquele dia ainda, então o puxou e lhe deu um longo e apaixonado beijo sem se importar com os espectadores e ele correspondeu ao toque macio dos lábios de Clara colocando os braços ao redor de sua cintura. Ela precisava enuviar seus pensamentos, porque deveria no mínimo dar respeito ao seu namorado e não pensar em outro cara bem na frente dele.

Diego, por sua vez, fez o mesmo com sua namorada, ver aquela cena o quebrou por dentro e também não queria deixar um clima estranho entre ele e Amélia, mais do que já estava.

— Vocês ainda estão secos, se quiserem cair no mar vamos ficar aqui, contemplando, não queremos atrapalhar. — Clara disse sentando sob dos seus chinelos.

— Vamos ficar aqui, sentadinhas, não se preocupem — Amélia concordou com a amiga se sentando ao lado dela.

— Tudo bem, mas vocês não querem tentar? — Diego arriscou com um sorriso travesso.

— Nós sabemos surfar, mas não temos pranchas agora — Clara concordou com a amiga com a cabeça.

— Então esperem aí — Diego olhou para Rodrigo e eles saíram em disparada até uma casa pé na areia, que nada mais é que uma casa com saída do terreno da casa direto para a areia da praia, por isso o termo "pé na areia".

Minutos depois eles voltaram cada um trazendo uma prancha em baixo do braço. As amigas se entreolharam sem reação, se perguntando de quem eram aquelas pranchas, e principalmente de quem era aquela casa.

— É uma longa história que eu vou adorar contar depois que eu ver o quanto eu preciso cuidar de vocês na água, agora vamos lá que eu quero ver que tipo de surfistas vocês são!

— Tudo bem! — concordou Clara levantando-se.

— Bora lá! — Amélia ficou em pé ao lado da amiga em um pulo.

— Então vamos lá! — Diego se alegrou, Amélia parecia tão frágil, nunca imaginou que ela poderia surfar.

Os irmãos colocaram as pranchas paralelas ao chão para uma aula básica de surfe, cada um ao lado da sua namorada e analisando quais os movimentos as meninas sabiam fazer, como o de remar deitada na prancha e de ficar em pé. Definitivamente elas não eram novatas e provaram quando caíram na água que sabiam fazer manobras até mais complexas com exatidão, mesmo fazendo muito tempo que elas não surfavam.

Elas não tinham permissão para ir à praia surfar sozinhas e sempre que iam estavam na companhia dos primos mais velhos que apenas vinham nas férias de verão e de inverno, porém faziam dois anos que os rapazes começaram a namorar e não vieram mais.

— Vocês são ótimas, bora dar uma quedinha¹ rápida?

Para essas garotas era como andar de bicicleta, jamais esqueceriam então entraram na água e remaram até o fundo, onde as ondas se formavam, dez minutos mais tarde estavam os quatro pegando uma série² juntos.

Horas depois, Clara tomou um caldo e decidiu ir no embalo até parar na areia para sair da água, estava cansada já, fazia tanto tempo que ela não se lembrava o quanto o sol e a água salgada sugava a energia do surfista. Rodrigo preocupado foi atrás para ver se ela estava bem.

— O que aconteceu ali? — perguntou sentando ao lado de Clara, pingando água do mar ao seu redor.

— Fui varrida³! — riram juntos — estava cansada e acabei me desequilibrando, mas estou bem.

— Chegou a engolir água? — ele analisou ela de perto prestando a atenção se ela tossia.

— Não, só cortei por baixo da onda.

— Tudo bem, que bom. Vou contar sobre as pranchas e aquela casa agora.

— Por favor, me conte e mate minha curiosidade! — Clara se mexeu para sentar de frente para o rapaz.

— Eu estou abrindo um negócio naquela casa.

— Eu acho muito legal isso, que negócio seria?

— Casa de pranchas, é o que eu sei fazer e faço muito bem.

Contou a ela sobre a sua ideia de fábrica de prancha e disse que essas que as meninas estavam usando era o primeiro teste que ele havia feito um tempo atrás e que ele faria outra para elas e sob medida.

— Para não ficar cansativo e poder aproveitar o aluguel, vou morar aqui, e quero que conheça e dê o seu toque especial — disse ele tirando uma mecha de cabelo que ficou grudada na testa, seu cabelo estava preso, mas por conta da brincadeira no mar estava todo bagunçado.

Clara percebeu um olhar mais sereno em seu namorado, as expressões estavam menos carregadas e com o olhar focado, mais bem humorado também.

— Vou adorar te ajudar!

— Tenho outra coisa para te falar também, agora tenho um carro e podemos sair mais vezes, o que acha?

— Estou gostando do rumo dessa conversa — disse ela pensativa com a mão no queixo o analisando com os olhos semiabertos.

— Eu pensei muito sobre aquela conversa que tivemos na minha casa e se estiver tudo bem gostaria de conhecer seus pais, pra valer.

Clara sonhava desde a infância o dia que apresentaria um namorado aos seus pais e esse dia estava chegando. Ela tinha tudo preparado nos mínimos detalhes, só precisava de um namorado mesmo.

— No próximo domingo você está livre?

— Estou sim.

— Então aparece lá em casa para o almoço, antes das onze, e o resto deixa comigo.

— Combinado!

Concordaram com um beijo rápido e salgado por conta da água do mar.

Diego e Amélia já se aproximavam com suas pranchas e encharcados também, quando estavam perto o suficiente Diego chacoalhou seu cabelo a fim de molhar todos, Rodrigo levantou em disparada e correu atrás de Diego, até que o alcançou e o jogou na areia estando agora à milanesa de areia. A farra estava completa, as meninas gargalharam com as brincadeiras dos irmãos.

— Vocês não podem ir assim para casa — Rodrigo se aproximou das meninas com seu irmão logo atrás.

— Está tudo bem, vai ser pior se chegarmos de banho tomado e com roupas masculinas secas.

Pensando sobre isso os irmãos concordaram em seguida, passaria uma ideia errada do quarteto.

— Mas vocês não podem ir assim, se sequem primeiro, vamos até minha casa ou vão pegar uma gripe.

Amélia ficou confusa, já que os meninos moravam longe dali, não dava para ir a pé e molhariam tudo pelo caminho, mas Clara lendo a expressão da amiga fez um sinal com a cabeça e a fez seguirem os irmãos.

— Bom, essa é a minha nova casa, Amélia — disse apontando para a casa enquanto andavam sob a areia fofa em direção à residência.

— Mas essa é a casa do sr. Benedito!

Em cidade pequena era assim, todos se conheciam, ainda mais que as amigas cresceram vindo a essa praia vendo sr Benedito e sua mulher cuidarem da casa no inverno com seus filhos para alugar no verão.

— É sim – respondeu Diego — ele está alugando para o meu irmão. — Ouviu-se Amélia sonorizar um "ah".

Abrindo o portão ao lado da residência, Rodrigo foi na frente até um chuveiro, a água era gelada, mas era apenas para tirarem a areia dos pés, dando vez ao próximo da fila ele colocou as pranchas em pé apoiadas no muro e lavou uma a uma com a mangueira, depois entrou na casa e pegou toalhas limpas para se secarem.

Era a primeira vez que morava sozinho, e algumas coisas básicas havia ganhado de seus pais, como copos, pratos e talheres, assim como as toalhas que se secavam nesse momento.

Rodrigo estava ansioso para que Clara conhecesse sua nova morada, seu coração batia forte, então tomou coragem e chamou sua namorada, o irmão e a namorada dele e apresentou tudo às meninas.

A casa era de alvenaria e estava pintada toda de branco, apenas as portas eram vermelhas.

— Aqui é a cozinha, sr. Benedito e a esposa irão me alugar a casa mobiliada, já que não tenho móveis algum.

Sua ansiedade era grande, ele acompanhava os olhos de Clara observando tudo e tentando decifrar o que a moça pensava, Clara não era exatamente um livro aberto, mas tão pouco um poço sem fundo, mas ele não sabia disso ainda.

Clara e Amélia repararam na mesa e armários usados da família. O desgaste pelo tempo era nítido. A corrosão na geladeira e fogão devido à maresia também. Tudo era vermelho e combinava muito bem. Uma cortina branca franzida cobria a pequena janela da cozinha e dali dava para ver a estrada por onde vieram.

Um batente levava aos quartos e a sala, Rodrigo os levou um a um. Os dois quartos tinham cama com colchão, um coberto por uma colcha com estampa de cavalos marinhos e peixes e o outro com estampa de coração e ambos os guarda roupas com duas portas apenas envernizado com puxadores de metal. Mas nada além disso, nenhuma outra decoração, pois as janelas eram de veneziana e portanto, não havia cortinas. Era uma casa de veraneio, por tanto, não se tinha o costume de decorar, ela precisava apenas acomodar os hóspedes durante a alta temporada e ser útil para descanso e lazer.

A sala era o cômodo mais espaçoso da casa, e por isso ficou perfeito para o que Rodrigo tinha em mente, ele já havia fechado um parede de tábuas de madeira para separar a loja do restante da casa, colocando um balcão para atendimento e suportes de metal nessa parede para as pranchas, algumas ficariam em pé, outras deitadas na horizontal e outras na vertical, para melhor visualização do desenho. Um corredor que sobrou entre a cozinha e a loja serviria de depósito para as pranchas, seus donos já trariam com capa, então só precisaria etiquetar e armazenar para quando eles retornassem para buscar.

Clara era uma ótima desenhista, só ela não sabia disso, mas Amélia era sua principal crítica e deu um empurrãozinho que a amiga precisava.

— Consigo ter ótimas ideias que a Clara poderia pintar nessas paredes brancas, se você a autorizar, Rodrigo.

— A Clara desenha? Que incrível, eu adoraria ver seus desenhos!

— Ótimo, obrigada pro falarem de mim na minha frente — a moça jogou sarcasmo, mas na realidade estava ansiosa, Amélia era a única que havia visto seus desenhos, além dos seus pais, e eles já haviam dito para a moça que isso não dava futuro e que era para ela seguir outro rumo. — Te mostro semana que vem quando for lá em casa.

— Já estão marcando encontros na casa um do outro? — Diego disse sentando em uma poltrona na loja, já havia trocado de roupa e colocado uma camisa e uma bermuda seca. Apenas Rodrigo não entendeu as entrelinhas. Amélia fingiu estar olhando a paisagem pela porta janela, esta como era toda de vidro havia uma cortina branca em camadas.

— Resolvi que era hora de falar com os pais da Clara sobre nós, estou atrasado em relação ao meu irmão — disse dando um cascudo na cabeça do caçula.

— Rodrigo sua casa é incrível, obrigada por nos mostrar. Vou pensar em como deixar ela mais aconchegante para os surfistas e para você também que vai morar aqui.

— Tenho ótimos planos, obrigado por me ajudar.

— Agora realmente precisamos ir, passamos a tarde toda fora — Clara explicou. — Vamos Mel?

— Vamos amiga, tchau meninos.

— Te vejo domingo, Clara. Tchau Amélia.

Diego abriu a porta de vidro para que as meninas saíssem por ali, deu passagem para Clara sair primeiro e esticou o braço para bloquear a passagem de Amélia, abaixando a cabeça para falar no seu ouvido.

— Até amanhã, princesa.

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Mais tarde naquele dia, Diego voltou para a casa dos pais, pois precisava trabalhar na manhã seguinte.

Sentiu a frustração invadir por ter sido tão fraco, ele deveria ter lutado por Clara, pelos dois e não ter deixado seu irmão dominar a situação. Seu coração era de Clara desde o momento em que a vira pela primeira vez, não naquele estacionamento, mas antes. Procurou no fundo de sua mente o motivo daquela moça de pele clara e cabelos loiros ser tão familiar na noite no Furacão.

Então ele lembrou de um dia em particular que foi até a biblioteca da escola no período matutino, para fazer pesquisas para um trabalho, quando ainda estudava lá. Ele e seus colegas de turma saíram na noite anterior para beber depois da aula e por isso foi tão difícil de se chegar até essa lembrança. Mas ela estava lá.

Ele já estava saindo da biblioteca quando a viu caminhar pelos corredores vindo em sua direção. Seus cabelos acompanhavam o leve embalo do seu andar, enquanto ela sorria falando algo que deveria ser muito interessante à suas amigas que andavam uma de cada lado, e sorriam com ela em plena atenção. Quando os dois se cruzaram pelo corredor pode sentir seu perfume, ele poderia pensar que fosse de qualquer uma em seu grupo, mas ele tinha certeza de que era dela.

Sentindo o aroma dessas lembranças, Diego se aprontou para dormir. Depois de um dia longo como esse ele adormeceu imaginando como teria sido se seu irmão mais velho não tivesse roubado a sua garota.

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1. Queda é fazer uma sessão de surf. Fazer uma queda é ficar um período dentro da água surfando.

2. Série é sequência de ondas.

3. Ser varrido do mar é quando entra uma série de ondas maior do que o esperado e você não consegue vencer as ondas. Acaba tomando todas as ondas da série na cabeça.



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