Prólogo - ASCENDENTE

O céu da pequena cidade praiana estava sem nuvens naquela noite e Clara olhava atentamente a cada pontinho cintilante naquele mar de esc...

═══ • ◆ • ═══ A consciência descansa, mas um dia acorda e pesa. ═══ • ◆ • ═══ N a segunda feira, Clara acordou disposta para essa última s...

• Três • ASCENDENTE

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A consciência descansa, mas um dia acorda e pesa.

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Na segunda feira, Clara acordou disposta para essa última semana de aula. Acordou cedo, vestiu o uniforme da escola pela última vez, saia de prega xadrez preta, camisa gola polo branca e tênis também preto. Depois do café encontrou com sua amiga e confidente Amélia e caminharam sorridentes pelo mesmo trajeto por ruas estreitas com calçamento sextavado que fizeram durante o ano inteiro.

Chegando na escola havia muito barulho com crianças correndo pelo pátio ou em grupinhos brincando de pular com elásticos, os corredores tinham alunos conversando enquanto aguardavam o sinal de início das aulas. Foram direto para sua sala e procuraram por seus colegas de turma, que conversavam desanimados pelas provas finais.

— Alegria gente, — Amélia tentou animar — logo estaremos em férias, curtindo a praia e sombra fresca!

Doug olhou para Catarina descrendo nas palavras da amiga apoiando a cabeça nos braços em cima da mesa escolar em um claro sinal de tédio. Peu recostou na cadeira e colocou os pés cruzados em cima da carteira.

Esses eram os melhores amigos de Clara e Amélia desde o início escolar, pois suas famílias nasceram e cresceram ali, inclusive frequentaram a única escola da cidade, Escola Municipal Hercílio Luz de Pedra Grande. Petry, carinhosamente apelidado de "Peu", era um rapaz magro e mais alto do que a maioria dos rapazes da sua idade, ao contrário de Douglas, chamado pelos amigos de "Doug", que é roliço e baixinho. Catarina é uma garota ruiva e sardenta de cabelos volumosos e encaracolados.

A primeira aula iniciou e então as amigas sentiram o desânimo recair sobre seus ombros também. Elas não eram as melhores da turma, e por isso estavam ali fazendo as provas finais, para recuperar as notas que não conseguiram atingir durante os quatro bimestres escolares. Tinham estudado aquelas questões o ano inteiro, mas se no tempo certo já foi difícil, imagina tudo junto em uma prova só?

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Acordar cedo não era o forte de Rodrigo, ainda mais depois de um fim de semana inteiro de bebedeira, que iniciou na sexta-feira e finalizou na segunda de madrugada.

Eram quase dez da manhã de segunda e ele ainda estava estirado em sua cama, alguém que visse a cena diria que ele estava morto. Pela boca entreaberta escorria um fio de saliva que molhava seu travesseiro, seus braços largados ao redor do corpo, um reto e outro flexionado — assim como suas pernas —, com as palmas viradas para cima, e suas nádegas ligeiramente empinadas.

"Ele vai ter uma dor nas costas daquelas quando acordar", seu irmão pensou ao entrar no quarto, depois de bater na porta diversas vezes sem sucesso em acordar Rodrigo e ver a cena. Decidiu sair e deixá-lo acordar sozinho dessa vez, eles só teriam aula à noite, que por ventura era semana de provas finais também, assim como as amigas.

As amigas. Um flashback veio em sua mente da noite em que ele as conhecera. Ele beijou a Amélia, uma moça linda e doce, mas pensava em Clara naquele momento, um misto de alegria e choque passou pelo seu corpo ao vê-las na praia, estava tão perto e tão longe ao mesmo tempo. Desceu as escadas seguindo as marteladas que vinha da marina, nos fundos da residência.

A casa dos seus pais era bem privilegiada, pois tinha frente com a via lateral da rodovia que ligava o país de norte a sul e de fundos para o mar, tendo uma pequena marina particular para um ou dois barcos pequenos. O barulho era de seu pai, o Coronel Orlando Silva, consertando um dos barcos, o mar estava em baixa-mar naquela hora, então dava para se transitar ali à pés secos. Ele pregava algo dentro de um dos barcos que ele usava para pescar, era seu hobby quando estava em casa.

— Bom dia, filho — o Coronel tirou os olhos do que estava fazendo apenas para olhar para seu filho, pausou seus movimentos precisos com o martelo enquanto fazia esse gesto.

— Bom dia, pai — ele devolveu o cumprimento entrando na garagem dos barcos. Era como uma garagem de carros, porém na preia-mar a garagem alagava de um metro a dois, sendo somente acessível de barco e sendo perigoso transitar a nado.

— Como foi o fim de semana? Mal vi você e seu irmão — seu pai falava calmamente, mas era impossível não perceber o tom forte vindo de anos à frente de comando.

— Foi bom pai, eu e o mano fomos naquela danceteria e conhecemos duas amigas — ele sempre contava tudo para seu pai que tornou o que estava fazendo.

— Contanto que elas mantenham vocês dois longe de festas, drogas e confusão, eu não vejo problema. — ele esboçou um sorriso sincero, que Diego retribuiu na mesma intensidade.

Diego era o filho bom, precavido e estudioso. Rodrigo, mesmo sendo o mais velho sempre foi o mais rebelde. Não que Coronel Silva e sua mulher amassem mais um filho do que o outro, mas eles eram assim e isso os diferenciava em grande escala.

— Eu preciso ir no centro, quer uma carona? — Diego concordou, queria ser útil em alguma coisa.

Seguiram com a picape vermelha pelo único trajeto até chegar no centro da cidade. Seu pai passou na Casa de Pesca para comprar uns itens que precisava substituir, o velho que atendia era seu amigo de infância e serviram juntos na mesma infantaria, até Coronel subir de patente. Depois foram até a Casa do Ferramenteiro, precisava fazer uma reforma na garagem do barco e não tinha as ferramentas necessárias, lá o neto do dono os atenderam com menos experiência do que seu avô, que faleceu anos atrás. E por fim no Mercado Municipal, que ficava em frente à escola onde ele estuda e as amigas também.

Pensava nelas quando ouviu a familiar risada saindo do portão da escola, a picape estava estacionada do outro lado da rua, em frente ao mercado. Rapidamente e sem pensar duas vezes, ele abriu a porta da picape e atravessou a rua correndo em direção de Clara.

— Clara, Amélia, oi meninas.

Ele ficou sem jeito assim que se dera conta do que havia feito. As moças o cumprimentaram de volta, Amélia abriu um sorriso ao ver seu ficante, e ele percebeu o quão linda ela estava naquele dia, mesmo sob o uniforme e não pode se conter em dar um beijo doce nela, quando uma brisa bateu sentiu melhor o seu cheiro adocicado, poderia ser baunilha. Entrou em devaneios se esquecendo completamente que Clara estava ali bem ao lado. Trocaram palavras desajeitadas de nervosismo, mas combinaram de se encontrar nessa mesma hora no dia seguinte, ele prometeu a Clara que ia trazer seu irmão.

Seu pai buzinou nesse momento, fazendo o rapaz ansioso sentir um leve sobressalto, se despedindo rapidamente das amigas e correndo para o banco do passageiro. Ouviu risadinhas depois que acenou pela janela e seu pai deu a partida. Pensou estar fazendo papel de trouxa, mas era apenas seu nervosismo. Seu pai percebeu, ora, ele mesmo já havia passado por essa fase e agora se divertia, mas não falou nada, bastava só ele descobrir se o filho mais velho também estava apaixonado.

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No dia seguinte e na hora combinada, os irmãos estavam em frente ao mercado para seu primeiro encontro com as amigas. Rodrigo vestia uma regata branca que destacavam seu corpo forte e bermuda de praia colorida psicodélica, enquanto Diego usava camiseta preta de banda e bermuda jeans.

O sinal bateu, e o coração de Diego apertou. Rodrigo estava ansioso também, mas nada fora do normal, era a ansiedade de poder ter Clara em seus braços, sentir seu cheiro e seu gosto, mas nada sentimental como Diego.

Clara, que passou várias horas do seu dia desde o dia anterior pensando em Rodrigo e seu jeito misterioso e lembrando do beijo, abriu um sorriso alegre ao ver os irmãos caminhando até elas quando atravessaram o portão de saída da escola. Era um misto de sentimentos que a moça sentia, e que com sua falta de experiência, era difícil decifrar. Algo em seu peito lhe passava uma mensagem, mas ela não conseguia entender.

Sua amiga, no entanto, não se sentia da mesma maneira e quase podia jurar que o brilho no olhar de Diego não era por vê-la. Nessa posição ela podia ver claramente o que estava acontecendo entre os irmãos, uma singela disputa pela atenção de sua amiga Clara, ela estava no jogo apenas por distração, como uma ponte até o alvo. Ao tirar essa conclusão sentiu o peito doer, como se tivesse sido traída, não pela inocência da amiga, mas pelos dois rapazes que faziam isso descaradamente, achando que ninguém ia perceber.

Voltando seus pensamentos à realidade com um sorriso torto ela como amiga tinha que fazer algo, se sentia na obrigação de tomar uma atitude. A grande dúvida era como faria isso, pois se falasse diretamente com Clara, ela poderia ver isso com maus olhos, como se a amiga estivesse vendo coisas por sentir inveja.

— Oi Mel — Diego chamou por sua atenção carinhosamente com uma mão em seu rosto, pois percebeu que ela estava pensativa, ela forçou esboçar um sorriso e antes dele passar a outra mão em sua cintura — um sinal de que ia a beijar. Chamando a atenção da amiga disse que precisavam ir para casa, pois não podiam se atrasar, mas não antes de Clara marcar encontro para os dias seguintes.

A mãe de Clara notou sua filha mais alegre essa semana, mas o porquê era um total mistério. A mãe de Amélia, por sua vez, percebia a filha mais preocupada.



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